Topo

Vasco

'Bebia até cair': Raniel revela recaída em 2020 e fala sobre recuperação

Raniel se disse impressionado com a receptividade dos companheiros e funcionários do Vasco - Rafael Ribeiro / Vasco
Raniel se disse impressionado com a receptividade dos companheiros e funcionários do Vasco Imagem: Rafael Ribeiro / Vasco

Do UOL, em São Paulo

11/02/2022 16h22

Anos depois de ser pego no exame antidoping para cocaína, quando estava no Santa Cruz, Raniel, agora no Vasco, revelou que teve uma recaída e voltou a beber em 2020, após um acidente doméstico do filho. O atacante também afirmou que tatuou a data 7.12.20 no rosto para lembrá-lo do último dia em que fez uso de bebida alcoólica. As revelações, em primeira pessoa, foram publicadas nesta sexta-feira (11) no site The Players Tribune.

Marcado por uma infância difícil, ele contou sobre a morte do pai e sobre ter sido criado por uma vizinha. "Eu tinha uns três ou quatro anos quando meu pai morreu, e a minha mãe, sem condições de me criar, achou melhor me dar pra vizinha, a Dione. Ela me acolheu mesmo já tendo três filhos pra alimentar e muitas dificuldades financeiras."

Segundo ele, a família de Dione também era muito humilde. "Só sei que, ainda bem pequeno, eu virei o quarto filho da Dione. E na nossa casa simples no bairro do Arruda [no Recife] faltava tudo: roupa, material escolar, mantimentos."

"Eu fui muito zoado por causa disso, por estar sempre com a mesma camiseta e o mesmo short. Mas eu não tinha outros. Para os amigos da comunidade, eu era o menino que só tinha um par de roupa. Isso marcou a minha infância."

Dione morreu quando o garoto tinha sete anos. Os filhos mais velhos se ocuparam da criação de Raniel, que na época já jogava futsal no Santa Cruz.

Ele diz que começou a beber aos 14 anos. O uso de drogas veio em seguida. "Com 14 anos eu comecei a beber. Depois, a me drogar. E até vender drogas eu vendi. É doído demais lembrar disso, parece que estou jogando sal numa queimadura de água-viva. Eu era só uma criança e acabei cedendo àquele mundo perigoso que me cercava."

Aos 17 anos, quando já estava no profissional do Santa Cruz, foi pego no exame antidoping para uso de cocaína e ficou um ano sem jogar.

Apesar da suspensão, o Santa Cruz manteve o jogador no elenco por mais dois anos, até ele ser contratado pelo Cruzeiro. "Joguei quatro anos lá e ganhei duas Copas do Brasil e dois Campeonatos Mineiros. Foi o período mais feliz que eu tive no futebol, por enquanto. Apareci para todo o país e mostrei meu potencial. Por isso, além do Santa, também sou muito grato ao Cruzeiro. Quantos clubes acreditariam num jogador com histórico de alcoolismo, drogas, pego no antidoping e tudo?"

Raniel foi contratado pelo São Paulo e depois pelo Santos em 2020, o ano que foi classificado pelo atacante "como o pior" da sua vida.

Acidente com o filho, recaída no álcool e recuperação

Raniel contou que foi em 2020, durante a pausa do futebol por causa da pandemia da covid-19, que o filho Felipe, então com nove meses, caiu na piscina e quase morreu afogado. Ele e a esposa levaram o bebê ao hospital, onde ele ficou 23 dias internado na UTI.

"Foram quase 40 minutos dele em parada cardíaca, sem responder, sem vida. Eu conheço bem a dor, de vários tipos e intensidades, por isso posso falar: nenhuma dor que eu tenha sentido até então ou ainda venha a sentir será igual à daquele dia. Nenhuma. Mas aí o Felipe voltou. E a única explicação que eu tenho é que Deus nos deu uma prova de que Ele existe."

O garoto se recuperou totalmente, mas Raniel voltou a beber após o episódio.

Bebia, bebia, bebia até cair e bebia mais um pouco deitado. Só parava depois de desmaiar. Eu queria me destruir. Eu via que a qualquer momento algo grave ia acontecer comigo. E eu desejava que acontecesse, porque aquele abismo em que eu caí depois do antidoping no Santa Cruz ficou rasinho perto desse."

Foi no ano de 2020 também que Raniel foi infectado pela covid-19. Ele ficou afastado e como sequela teve uma trombose que quase acabou com sua carreira.

"De longe, 2020 foi o pior ano da minha vida. Era um baque atrás do outro. Notícia ruim atrás de notícia ruim. Sem poder fazer o que eu amo, que é jogar bola, e bebendo cada vez mais, eu percebi que podia perder não só a minha carreira, mas também meus filhos e a minha família."

Foi quando decidiu parar de beber.

"Me agarrei a uma esperança meio capenga: 'Bom, já voltei tantas vezes do precipício, por que não mais uma?'. Era verdade. Eu tinha voltado do abandono, das drogas, do tráfico, do doping, do acidente do meu filho, do alcoolismo, da covid, da trombose, do risco de perder a perna. Até que eu me lembrei da maior esperança, a maior inspiração que eu poderia ter, e pensei: 'Se meu filho voltou, eu posso voltar também'."

Para marcar a recuperação, Raniel resolveu tatuar a data 7.12.20 no rosto, abaixo do olho esquerdo, como uma lembrança da última vez que ingeriu álcool desde então.

Com essa tatuagem perto do olho, que a vó Marinalva diz ser a janela da alma, todo mundo pode me ver por inteiro, por dentro e por fora. Os números não mentem: essa é a minha história, cheia de dores, quedas e cicatrizes, mas verdadeira pela primeira vez."

Emprestado pelo Santos ao Vasco no final de 2021, Raniel é, ao lado de seu companheiro de equipe Nenê, o artilheiro do Campeonato Carioca 2022, com três gols em quatro partidas.

Vasco