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Caso Robinho: sentença diz que "dança, mesmo sensual" não é consentimento

Robinho era jogador do Milan em 2013, quando aconteceu o caso - Olivier Morin/AFP
Robinho era jogador do Milan em 2013, quando aconteceu o caso Imagem: Olivier Morin/AFP

Janaina Cesar

Colaboração para o UOL, em Milão (Itália)

20/10/2020 10h30

Na sentença que condenou Robinho por estupro, a juíza Mariolina Panasiti rebateu um argumento da defesa do jogador, para quem a vítima deu seu consentimento para os atos sexuais praticados na boate Sio Café em Milão. Os advogados de Robinho alegaram que a moça estava dançando de maneira sensual junto de Robinho e seus amigos.

"Não está claro como uma dança, mesmo sensual, possa induzir a um consentimento antecipado para haver relações sexuais contemporaneamente com várias pessoas, em um camarim não frequentado, em cima de um banquinho", escreveu a magistrada. Na sentença, a juíza usou também trecho de uma fala do músico Jairo Chagas, amigo dos condenados, que criticou a postura de Robinho e de seus parceiros.

"Comportamentos que até o próprio Jairo — que pretendia proteger e defender seus amigos — definiu nada menos do que excessivo ('mas seis são demais!')" A sentença de primeira instância condenou Robinho e Ricardo Falco a nove anos de prisão por crime de violência sexual de grupo contra uma jovem de origem albanesa, que na época dos fatos tinha 23 anos. A defesa de Robinho recorreu, e o caso será julgado em segunda instância.

O trecho acima se encontra na página 23 do documento, ao qual a reportagem do UOL Esporte teve acesso, e se refere a um dos argumentos usados pela defesa e que foram tidos, segundo o texto da sentença, como improcedentes. O parágrafo cita uma frase do depoimento do músico Jairo Chagas, que tocou naquela noite na boate, que tenta colocar em discussão a conduta da vítima durante a noite e, em modo particular, durante o momento em que dançava: "Ela os provocou, continuou dançar com um e depois com o outro e continuava a lhes tocar o pênis", disse Jairo.

Trecho da sentença que condenou, em primeira instância, Robinho pelo crime de estupro - Reprodução - Reprodução
Trecho da sentença que condenou, em primeira isntância, Robinho pelo crime de estupro
Imagem: Reprodução

Caso foi analisado por três juízes

Na Itália, os julgamentos em primeira instância são geralmente feitos por três juízes. O caso de Robinho foi analisado por um colegiado composto pelos magistrados Simone Luerti, Piera Gasparini e Mariolina Panasiti, que foi quem presidiu o julgamento e assinou a sentença condenatória.

O documento de 28 páginas traz a motivação da sentença e as transcrições de grampos de conversas telefônicas entre os acusados e escutas instaladas no carro utilizado por Robinho na Itália. De acordo com o texto, a violência sexual de grupo contra a vítima aconteceu na madrugada de 22 de janeiro de 2013 na boate milanesa Sio Café. Além de Robinho e Falco, que respondem ao processo em liberdade, também foram acusados outros quatro brasileiros. Mas como ele não se encontravam em solo italiano durante as investigações, serão julgados a parte.

Os condenados (Robinho e Falco) também teriam tentado responsabilizar os amigos que estavam no Brasil, "mas as conversas contêm declarações inequívocas sobre o comportamento individual de todos os membros do grupo". A sentença deixa claro que as conversas telefônicas, interceptadas a partir de janeiro de 2014, são de conteúdo "auto acusatório" e que "constituem evidência direta, coerente e genuína".

Sentença do tribunal italiano, em Milão, sobre o caso Robinho - Reprodução - Reprodução
Capa da sentença do tribunal italiano, em Milão, sobre o caso Robinho
Imagem: Reprodução

De acordo com o texto, "as negações dos acusados, em modo particular de Robinho, desde o início das investigações, são evidentemente motivadas pelo medo de serem envolvidos, face a confissões de responsabilidade muito claras".

A defesa dos brasileiros alegou que a vítima estava "sóbria, lúcida e tranquila" e que algumas declarações da jovem contrastavam com as de suas amigas sobre o consumo de bebida alcoólica. Mas, segundo o texto da sentença, "foram as próprias palavras dos acusados a confirmarem as condições em que se encontrava a vítima, pois nunca colocaram em dúvida seu estado da jovem, descrita como embriagada e que não conseguia nem mesmo ficar em pé".

Em uma conversa interceptada pela polícia italiana no carro de Robinho, entre ele e Falco, no dia 4 de abril de 2014, o jogador se mostra receoso com a possibilidade de a vítima ir depor. "E se ela for depor?", pergunta o jogador. Falco, ao responder, diz que a garota "se lembra da situação. Ela sabe que todos transaram com ela". Robinho, na sequência diz que tem "certeza que o [amigo X] gozou dentro da garota". Os nomes dos outros acusados serão preservados.

Na mesma conversa, Falco, que havia dito às autoridades que a garota estava consciente, se contradiz sobre as condições dela naquela noite. Falco responde que "naquele dia ela não conseguia fazer nada, nem mesmo ficar em pé, ela estava realmente fora de si" e Robinho confirma com um "sim".

Fachada do tribunal italiano em que o caso de Robinho está sendo julgado em Milão - Janaína Cesar/UOL - Janaína Cesar/UOL
Fachada do tribunal italiano em que o caso de Robinho está sendo julgado em Milão
Imagem: Janaína Cesar/UOL

Músico será denunciado por falsa testemunha

"Não existem contradições das testemunhas ou declarações confusas nas conversas telefônicas", diz o texto da sentença. A única declaração contrastante foi a do músico Jairo Chagas que, durante o seu depoimento, no dia 28 de setembro de 2017, negou ter assistido ao crime, embora tenha admitido o contrário em conversa interceptada. O procurador responsável pelo caso na época, Stefano Ammendola, havia pedido para que Jairo fosse denunciado por falso testemunho e a sentença acolheu o pedido.

Segundo o documento, "tal negação é, particularmente, incompatível com o conteúdo das conversas telefônicas interceptadas. Portanto, no que se refere às declarações que parecem falsas, pede-se que sejam transmitidas ao Ministério Público".

O colegiado de três juízes que analisou o caso não concedeu atenuantes aos acusados, visto que não houve "conduta positiva apreciável" por parte de Robinho e Falco, que teriam tentado ludibriar os investigadores.

"Ao contrário, o comportamento dos acusados, desde o início, se caracterizou por múltiplas e contínuas tentativas de impedir a apuração da verdade, por meio da busca de um acordo sobre as versões a serem feitas aos investigadores e com indicações precisas aos participantes sobre quais informações fornecer para embasar a tese defensiva", diz o texto.

Ao avaliar a personalidade dos acusados, a juíza frisou a necessidade de dar ênfase negativa aos tons e expressões usados nos comentários que descrevem a vítima. Para ela, os condenados usam contra a vítima termos humilhantes e desprezíveis, "sinais inequívocos de uma futura impunidade".