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Narrador do bordão "nosso Pacaembu" viu pedido de casamento que "deu ruim"

Edson Sorriso, narrador do Pacaembu - Reprodução/Instagram
Edson Sorriso, narrador do Pacaembu Imagem: Reprodução/Instagram

Maria Victoria Poli

Do UOL, em São Paulo

27/04/2020 04h00

Se você fechar os olhos em qualquer estádio de futebol num dia de jogo, vai ouvir a torcida cantando, vai sentir o cheiro daquele lanche, vai saber quando os jogadores entrarem em campo e quando o árbitro iniciar a partida. Tudo pelo movimento e sons ao seu redor.

Mas em apenas um estádio precisamos ouvir tão pouco para nos sentirmos tão parte do espetáculo que está prestes a começar:

"Sejam bem-vindos ao seu, ao meu, ao nosso Pacaembu!"

A voz que acalenta o coração de tantos torcedores em dias de jogos no Pacaembu pertence a Edson Sorriso, servidor público que trabalha nas dependências do estádio desde 2010. Apesar do cargo administrativo, foi a felicidade sempre estampada no rosto e a voz afinada de sambista (ele é membro da Vai-Vai, escola de samba do Bixiga, no centro da capital) que permitiram a ele ocupar o lugar mais alto das arquibancadas do estádio.

A estreia aconteceu em um torneio quadrangular da seleção brasileira feminina. Naquele dia, o diretor do complexo deu a Edson a difícil missão de substituir o falecido Milton Carvalho na cabine de locução -- assim mesmo, do nada e no susto.

Edson Sorriso, narrador do Pacaembu - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Edson Sorriso, narrador do Pacaembu
Imagem: Reprodução/Instagram

O clássico bordão surgiu mais tarde, em 2012, quando a Arena Corinthians estava em construção e o clube, que mandava seus jogos no Pacaembu, estava prestes a ter sua própria casa. "Em uma entrevista, falei que o estádio não iria virar um elefante branco. O Pacaembu é um complexo esportivo municipal. Ele é meu, ele é seu, ele é nosso", conta Edson. A frase pegou e o sentimento de pertencimento contagiou o púbico, a ponto de Sorriso ter sido até mesmo cobrado quando, com receio de estar sendo repetitivo, não falou.

Para alguém que fez do estádio seu próprio lar, é difícil apontar a parte, o cômodo preferido da casa. Edson, que não abre mão do conforto da cabine, recorda com carinho dos tempos em que assistia aos jogos do Tobogã. "Eu ficava ali na grade, olhando para o campo. O Pacaembu é um estádio aconchegante, que de onde você estiver você assiste ao jogo. Eu acho que o carinho que o pessoal tem com ele é por conta das histórias do futebol e o aconchego que ele traz", conta.

As meninas estão mandando bem Não tem mimi kkkk É bola pra frente

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Não é difícil imaginar o tanto de histórias curiosas que os olhos de Edson já testemunharam no Pacaembu. "Uma que não dá para esquecer foi aquele jogo em que o Corinthians foi obrigado a jogar sem torcida (vitória por 2 a 0 sobre o Millonarios, pela Copa Libertadores de 2013). Quatro advogados ganharam a liminar e só havia eles no estádio todo, justamente do lado direito da minha cabine", lembra. Edson ri ao contar que, em meio ao vazio e ao silêncio das arquibancadas, dirigia-se diretamente aos torcedores sempre que falava no microfone, interagindo e criando uma intimidade incomum em jogos de futebol.

"Teve também uma ocasião em que a menina queria fazer um pedido de casamento para o namorado torcedor. Ela falou no microfone e eu ajudei", recorda Edson. O rapaz, que estava na arquibancada amarela, aceitou o pedido, com direito a festa da torcida. Mas essa é uma daquelas que entram nas estatísticas das histórias de amor que não tiveram um final feliz. "Depois, fiquei sabendo que o casamento não rolou. Deu ruim demais e o cara desmanchou com a menina".

Em dez anos como a voz oficial de um dos estádios mais queridos dos paulistanos, a identidade de Edson Sorriso quase que se mistura com a do Pacaembu. Não é raro ser reconhecido na rua, mas se engana quem pensa que ele precisa falar seu clássico bordão quando é abordado. "Quem me reconhece fala 'o seu, o meu, o nosso' e eu só falo 'Pacaembu!'. Já virou um quebra-cabeça: as pessoas colocam as peças e eu só encaixo a última".

No início deste ano, o Pacaembu deixou de ser administrado pela Prefeitura de São Paulo e passou a ser gerido pelo Consórcio Allegra, que pagou R$ 115 milhões pelos direitos do estádio pelos próximos 35 anos. A empresa fez questão de manter Edson na função.

Três meses depois, o estádio serve à cidade como hospital de campanha para tratar os infectados durante a pandemia da covid-19. Uma maneira singela e um tanto emblemática de devolver o alento à população que sempre tão bem o acolheu. "Obrigado por tudo e obrigado por, nesse aniversário de 80 anos, estar ajudando a salvar vidas", diz Edson. "Hoje, os jogadores de campo são os médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, e nós torcemos por eles".