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Lulinha no SPFC? Ex-Corinthians recusou rival e perdeu chance no United

Lulinha brinca com a bola durante treino do Corinthians - Rivaldo Gomes/Folhapress
Lulinha brinca com a bola durante treino do Corinthians Imagem: Rivaldo Gomes/Folhapress

Marcello De Vico

Do UOL, em Santos (SP)

26/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Ex-Corinthians, Lulinha disse não ao São Paulo nas categorias de base
  • Negativa acabou custando uma possível chance no Manchester United
  • "Se pudesse voltar atrás, talvez tomaria essa decisão de maneira diferente"
  • Meia-atacante está com 29 anos e hoje defende o Júbilo Iwata, do Japão

Até hoje lembrado pela marcante passagem pelas categorias de base do Corinthians com quase 300 gols marcados, Lulinha poderia ter sua história ligada a outro clube da capital paulista, justamente um dos maiores rivais alvinegros: o São Paulo. Ainda aos 15 anos de idade, o meia-atacante recebeu uma oferta para passar por um período de testes no poderoso Manchester United. Para isso, porém, teria que deixar o Timão e jogar pelo Tricolor, que serviria de ponte para a Inglaterra. Na época, ele recusou. E hoje, será que faria diferente? "Se eu pudesse voltar atrás, talvez teria tomado outra decisão", admite em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Lulinha hoje defende as cores do Júbilo Iwata, time que tem como principal missão voltar à elite do futebol japonês. Aos 29 anos, o meia-atacante está no 13º clube de uma carreira que aparentava ser muito mais promissora quando subiu para o profissional do Corinthians, em 2007. Mas o ano de estreia no time principal ficaria marcado para sempre na história do clube alvinegro, que precisou encarar pela primeira vez o rebaixamento para a segunda divisão. Lulinha até fez bons jogos durante o Brasileiro, mas encerrou a competição sem gols. Ao todo, foram apenas quatro gols em 84 jogos no profissional — até a sua saída definitiva em 2012.

"A vida é feita de decisões, né? Momentos que temos que decidir nosso futuro, se fica, se sai. Sou eternamente grato ao Corinthians por tudo que proporcionou na minha vida. Até hoje carrego coisas e as pessoas têm uma admiração, me conhecem, claro, por eu ter jogado no Corinthians, um clube gigantesco. Na época, na base, todo mundo sabe como eu fui, mas no profissional se esperava muito mais do que eu fiz no Corinthians. Se eu tivesse feito metade do que eu fiz no Ceará, por exemplo, no Corinthians, provavelmente hoje eu estaria num cenário diferente, no futebol europeu eu acredito, por conta da dimensão e de tudo que estava sendo falado sobre mim. Mas são momentos. Infelizmente, subi num momento complicado, 2007, com aquela situação de rebaixamento, problemas por parte da diretoria, e isso acaba afetando muito. Mas as coisas acontecem da forma como Deus permite que aconteça. Hoje eu sou eternamente grato pelo que tenho, o que Ele me proporcionou dentro do futebol, passagens por grandes clubes, não só o Corinthians, e hoje aqui na Ásia...", afirma Lulinha.

Lulinha, na época em que jogava no Ceará - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

O meia-atacante prefere não usar a palavra arrependimento, mas não esconde que, se pudesse voltar atrás, talvez tivesse encarado o desafio de trocar o Corinthians pelo São Paulo para depois, quem sabe, iniciar uma carreira totalmente diferente pelo futebol europeu.

"São decisões. Não tem como falar 'faria isso, aquilo', o tempo não volta atrás. Teve uma decisão que, se eu pudesse voltar atrás, talvez tomaria de uma maneira diferente. Lembro que tinha feito uma competição muito boa na Copa Nike, sempre tinham olheiros de grandes clubes, inclusive, o campeão viajava para a Inglaterra... E lembro que o diretor do Manchester [United] foi até a minha casa, porque na época eu não tinha nem contrato de base nem profissional, e ele foi lá para gente poder fazer uma transferência para o Manchester. Aí ficaria naquela questão, ia ficar lá um tempo e voltava para cá, por eu ser menor de idade - tinha 15 anos. Só que aí eu teria que sair do Corinthians, porque eles não faziam esse intercâmbio, e eu teria que ir para o São Paulo", recorda.

Lulinha carrega a filha durante passagem pelo Pohang Steelers, da Coreia do Sul - Divulgação/Pohang Steelers - Divulgação/Pohang Steelers
Lulinha com a filha no colo durante passagem pelo Pohang Steelers, da Coreia do Sul
Imagem: Divulgação/Pohang Steelers

"Ele falou: 'A gente coloca você no São Paulo e, a cada três meses, você vai para Manchester, treina com eles, volta para cá, disputa as competições pelo São Paulo até completar 18 anos e ficar em definitivo', assim como foi com o Fábio e com o Rafael [ex-jogadores do Manchester United], que até estavam na seleção [de base] comigo, quando estavam no Fluminense, e com 18 anos ficaram em definitivo. Talvez essa decisão eu tomaria de maneira diferente, porque na época eu lembro muito bem que falei: 'Poxa, não quero ir para o São Paulo', porque estava no Corinthians e tinha essa rivalidade com o São Paulo, desde as categorias de base, e falei: 'Poxa, tenho que ir para o São Paulo, com os meninos que jogo contra direto, não vai rolar', e aí tomei a decisão de não ir. E também era um sonho que eu tinha, né? Ralei minha vida inteira desde os 7 anos no Corinthians e vou sair e não jogar no profissional? São decisões que a gente toma, e acabei tomando essa decisão, junto com a minha família, de permanecer", acrescenta o jogador que também passou por Bahia, Botafogo, Criciúma e Red Bull Brasil, entre outros.

Lulinha comemora gol pelo Botafogo - Vitor Silva / SSPress - Vitor Silva / SSPress
Lulinha comemora gol pelo Botafogo
Imagem: Vitor Silva / SSPress

VEJA MAIS TRECHOS DA ENTREVISTA:

Coronavírus no Japão: "rotina normal"

Aqui estamos vivendo, praticamente, uma rotina normal, até de treinos, todos os dias. Logo no começo, há uns 20, 25 dias, meu clube deu uma parada, de três dias, e depois já voltamos a treinar normalmente. Os japoneses estão vivendo, praticamente, sua vida normal, claro, com todas precauções do governo, até o que a gente está vendo no Brasil: usar máscaras, lavar as mãos. E até é um país que já está acostumado com essa rotina, mesmo sem ter essa questão do coronavírus. Então eles estão bem tranquilos, vivendo uma vida normal. No clube temos que medir a febre todos os dias antes de entrar, para ver como estamos... Estamos treinando normalmente, só que não estão tendo jogos. Estava marcado para voltar 4 de abril, mas acredito que ainda não vai voltar.

"Japão conseguiu controlar os infectados"

Não cheguei a pegar as pessoas em pânico, igual estou vendo no Brasil, pessoas com medo, até porque se fala muito nisso. Mas aqui não cheguei a ver. Só uma situação que vi na internet do pessoal comprar muito papel higiênico no mercado, e eu não entendi, e me explicaram que era o mesmo material da máscara, e que talvez não fosse fornecer mais, mas aqui foi tranquilo, até demais, pela situação extrema que a gente está vendo no mundo todo. E o Japão conseguiu controlar muito os infectados. Os números não subiram tanto, e isso foi importante para o país.

Relação com os corintianos: "pedem para eu voltar"

Minha relação com o Corinthians não tem jeito. Tem essa ligação, desde as categorias de base, por ter subido no clube... Pelas redes sociais, a gente sempre lê algumas pessoas que pedem para voltar, para eu ajudar e tudo mais...

"A gente nunca descarta uma possibilidade de voltar"

Eu trabalhei muito com o Andrés, que é presidente do Corinthians, joguei com o Alessandro, que é um cara fantástico, fora de série, mas hoje não tenho contato para voltar, nem nada... Mas tudo está nas mãos de Deus. Quem sabe um dia? Trabalhando forte aqui no Japão... A gente sabe que é difícil agora, sabemos da grandeza do Corinthians, os jogadores que estão lá têm muita qualidade, mas a gente nunca descarta uma possibilidade.

Multa rescisória de R$ 50 milhões

Em relação à multa rescisória, de mexer com a cabeça, acredito que não, porque foi uma garantia do Corinthians que eles quiseram colocar caso tivesse uma venda, por conta de alguns clubes interessados da Europa. Mas não mexeu comigo, não, sempre fui bem tranquilo, minha família sempre me deixou tranquilo com essa questão.

Conselho aos mais jovens: "pés no chão"

O conselho que eu dou é manter os pés no chão, sempre. Hoje vejo garotos muito novos saindo do Brasil... Rodrygo, Vinicius Júnior, entre outros tantos... É importante para eles amadurecer, ter a cabeça no lugar, porque eles vão jogar num cenário totalmente diferente do que eles estão acostumados no Brasil. Então é importante ter esse respaldo da família por trás e cuidar de todas as situações.

Passagem pelo Ceará: "clube com mais identificação"

Aqui é meu 13º clube. Acho que o clube com mais identificação com os torcedores seja o Ceará. Tive uma passagem muito boa por lá e criaram bordões [joga fácil, Lulinha] que ficaram muito conhecidos. É um dos clubes que as pessoas mais pedem para voltar, além do Corinthians, que, apesar de não ter tido uma passagem tão boa, os torcedores que sabem tudo que aconteceu pedem para voltar.

Passagem pela Coreia do Sul: "período complicado"

Pegamos um período complicado, por questões políticas, e aquela crise entre as fronteiras deixou a gente um pouco assustado. E como não falava a língua, sempre perguntava para o tradutor como estava, e dificilmente eles passam um pânico para gente, sempre falam: 'não, eles costumam fazer isso, mas não tacam bomba, não', mas a gente ficava meio receoso, né?

"Foco é dar um futuro melhor para a família"

Lulinha em apresentação no Júbilo Iwata, do Japão - Divulgação/Júbilo Iwata - Divulgação/Júbilo Iwata
Lulinha em apresentação no Júbilo Iwata, do Japão
Imagem: Divulgação/Júbilo Iwata

Sou um cara que me cuido, sou bastante regrado na questão de atleta, até aqui nunca tive nenhuma lesão séria, nunca passei por cirurgia, e agora é continuar trabalhando. Minha cabeça agora está no Jubilo, clube importante onde jogou o Dunga, tem uma torcida muito fanática, e tem o objetivo de voltar à primeira divisão. E deixo o futuro nas mãos de Deus. Tenho certeza de que tem coisa pela frente, até na Ásia... Com essa idade a gente começa a pensar mais no planejamento futuro, pós-carreira, uma sustentação boa para a nossa família, o que hoje acaba sendo mais o nosso foco - dar um futuro melhor para a minha família, minhas filhas. Quando chega nessa fase a gente não arrisca tanto e vai mais pelo certo. Sabemos que o Brasil, infelizmente, alguns clubes são complicados na questão de pagamento. Aqui eles são muito corretos em tudo. Mas está tudo nas mãos de Deus.