"Como não tá preso até agora?" Candinho e Evair não perdoam Castrilli
26 de abril de 1998. Exatos 20 anos já se passaram e a polêmica semifinal entre Corinthians e Portuguesa, pelo Campeonato Paulista, ainda não saiu da memória da nação rubro-verde. E dificilmente sairá. O nome Javier Castrilli, árbitro argentino que comandou a segunda partida das eliminatórias entre as equipes, ainda é lembrado “como se fosse ontem” por torcedores e pelo elenco que fazia parte da Portuguesa naquela época. E o sentimento ainda é de inconformidade.
Na ocasião, Portuguesa e Corinthians se enfrentavam no Morumbi no segundo jogo da semifinal, após empate por 1 a 1 na partida de ida. E dois pênaltis bastante polêmicos mudaram a história da competição estadual. O último - e mais contestado - saiu quase no fim da partida. Aos 44min do segundo tempo, o zagueiro César dominou a bola com o peito dentro da área e saiu jogando. Castrilli viu toque de mão e marcou a penalidade, que Rincón converteu. Com o placar de 2 a 2, o time alvinegro garantiu vaga nas finais, já que tinha a vantagem de jogar por dois empates. Na decisão, foi derrotado pelo São Paulo.
Para a nação rubro-verde, Javier Castrilli virou sinônimo de ‘juiz ladrão’. E o rótulo permanece até hoje. “Poxa, 20 anos e ele não está preso até agora [risos]. Está solto há 20 anos, porra [risos]”, diz Candinho em entrevista ao UOL Esporte, em um misto de brincadeira com uma revolta que segue vivo em todos que participaram daquele confronto. O ex-técnico da Lusa conta que a desconfiança quanto à arbitragem surgiu ainda antes do apito inicial, uma vez que a Federação Paulista de Futebol optou por escalar um árbitro estrangeiro para o confronto.
“Um dia antes da partida eu já sabia que dificilmente a gente podia ganhar o jogo normalmente, mas eu sabia que, se dependesse da arbitragem, ia ser difícil, porque no campeonato inteiro, em todos os nossos jogos até antes desse sempre apitou o pessoal de São Paulo, árbitro paulista... Aí chega numa semifinal, segundo jogo que vai decidir quem vai para a final, estava na cara quando, na véspera do jogo, eu fiquei sabendo... Nem nos jornais tinha saído, mas eu fiquei sabendo porque um cara da Federação Paulista de Futebol me falou: ‘Ó, está vindo um árbitro argentino para apitar o jogo’. Aí eu falei: ‘Pô, qual é o motivo que o Farah [ex-presidente da FPF] vai mandar vir um árbitro argentino se o campeonato está terminando? Nunca precisou de árbitro estrangeiro, nunca tivemos problema nenhum com os árbitros daqui. Eu pensei: ‘Pô, só pode ser para tentar tirar a Portuguesa e dar uma final São Paulo e Corinthians’, e foi o que deu depois, estava bem claro para quem entende de futebol”, relembra o treinador.
“Para que vir um cara estrangeiro apitar o meu jogo contra o Corinthians se ninguém reclamou de arbitragem? Então aquilo já era mais ou menos carta marcada, e depois aconteceu o que aconteceu, né? Sempre contra a Portuguesa. Nós disputamos em 1996 o título brasileiro contra o Grêmio, mas ali foi normal, ninguém roubou. Nessa época a Portuguesa estava em ascensão e depois disso entraram outras diretorias, foi incompetência deles. Mas a Portuguesa sempre foi um clube muito roubado, e neste jogo contra o Corinthians não deu nem para chegar perto dele, polícia ao lado dele... Inês era morta, vamos dizer assim”, conta.
“DEVERIA TER DADO NELE”
O que se viu no time da Portuguesa após a marcação do pênalti aos 44min do segundo tempo foi uma mistura de sensações: tristeza, inconformidade, revolta... A raiva era tanta que alguns jogadores admitem que faltou pouco para chegarem a vias de fato com o árbitro. Um deles é Fabiano. Ex-goleiro da Portuguesa, ele ainda se arrepende por não ter ido para cima de Castrilli. Mais para frente na carreira, ele ficou marcado por agredir um juiz (Marcos Tadeu Mafra) em um jogo entre América-MG e Avaí, na Ressacada, pela Série B de 2003. Acabou suspenso por seis meses pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), e não iria reclamar se o mesmo tivesse acontecido cinco anos atrás, com Javier Castrilli.
Eu devia ter dado naquele tal de Javier Castrilli" (Fabiano, ex-goleiro da Portuguesa)
“Lembrando agora dá tristeza até hoje, saber que a gente poderia ter sido campeão paulista e só não foi por causa da arbitragem. Isso eternizou, parece que foi ontem e estamos falando depois de 20 anos. Quando acontece alguma coisa, lambança na arbitragem, sempre lembram do caso Castrilli. Eu, particularmente, durante a minha carreira, tive problema com arbitragem. Eu saí na porrada com um árbitro e eu devia ter dado naquele tal de Javier Castrilli. Eu bati no Tadeu Massa no Campeonato Brasileiro em 2003, no jogo do América-MG. Eu jogava contra o Avaí lá na Ressacada, aquele tinha que apanhar também. Eu fui punido e tomei seis meses de suspensão, mas o Castrilli merecia mais que ele”, afirmou o ex-goleiro.
“ESTAVA MAL-INTENCIONADO E NEM CONVERSAVA”
Mal-intencionado. Assim Augusto, lateral esquerdo da Portuguesa na época, classifica Javier Castrilli naquela partida. De acordo com o ex-jogador e agora técnico, o árbitro argentino sequer conversava com os jogadores da Lusa justamente por não ter argumentos para se defender. Ele acrescenta ainda que, em 22 anos de carreira como jogador, jamais vivenciou algo parecido.
“Você vê, passaram 20 anos e eu não esqueci o nome do árbitro Javier Castrilli [risos]. É assim para gente que viveu, que presenciou de fato. Foi muito clara a situação, a manobra... Isso tirou da gente o objetivo que era o título para a Portuguesa, então o sentimento é de perda de um objetivo, de sonho. Eu fui 22 anos jogador profissional; joguei no Brasil, na Europa e na Ásia e eu nunca percebi tão claramente um árbitro mal-intencionado como ele. Às vezes alguns árbitros seguram mais o jogo, dão umas faltinhas, mas ele foi claro no que mandaram fazer, então nesse tempo todo eu nunca vi ou flagrei coisa igual. Ele estava tão mal-intencionado que não argumentava muito com a gente. Ele falava e pronto, marcou. Foi uma coisa absurda desde o primeiro lance, não foi uma vez”, argumenta o ex-lateral esquerdo rubro-verde.
O lance que mais ficou marcado na partida foi o segundo pênalti dado a favor do Corinthians, já quase nos acréscimos da partida quando o placar ainda apontava 2 a 1 para a Lusa. Porém, o ex-lateral recorda que, em sua opinião (e de todos os rubro-verdes), o ‘roubo’ começou ainda no início do segundo tempo, quando Castrilli marcou pênalti de Evair em cima de Cris após uma cobrança de escanteio.
“A nossa equipe era muito forte, psicologicamente e também tecnicamente. Era bem treinada pelo Candinho, e nós estávamos preparados. Quando começou a partida nós fomos para frente e fizemos 1 a 0, e depois ele deu um pênalti para o Corinthians que ninguém caiu na área, não teve nada. Todo mundo ficou esperando para ver o que era. Os próprios atletas do Corinthians estavam procurando saber o que ele tinha dado porque até o Corinthians ficou surpreso com aquilo. Depois nós fizemos 2 a 1 e aí ele inventou o outro pênalti também, e aí houve o desespero dos nossos atletas, de ajoelhar, de xingar, de chorar”, relembra.
EVAIR: O QUE FALARIA A CASTRILLI SE O ENCONTRASSE
Um dos jogadores mais experientes do elenco, Evair classifica o episódio Castrilli como ‘vergonhoso’. Segundo ele, os pênaltis não foram lances isolados e o árbitro argentino atuou de forma contrária à Portuguesa durante todos os 90 minutos.
“Vergonhoso. Só no futebol brasileiro e em alguns outros lugares acontece. Fazer o que fizeram é vergonhoso, até hoje. O que eu sinto é... não darem oportunidade para você processar; gostaria de falar um monte de coisa que eu penso e acho, mas eu não quero dar esse gostinho a essa gente. A Portuguesa tinha um time muito bom, um time com capacidade e com qualidade para ser campeão. Foram erros, assim, absurdos, sem contar as outras coisas que aconteceram. Vocês podem ter visto os lances mais nítidos, mas a gente viveu até aqueles detalhezinhos que a arbitragem fazia para irritar a gente, dando motivos, criando desculpas para te dar cartão, então são coisas que nós vivemos e que irritava bastante”, desabafa Evair.
Questionado sobre o que falaria a Javier Castrilli caso o encontrasse pessoalmente, o ex-atacante respirou bem fundo antes de dar a sua resposta: “Poxa vida. Eu gostaria de encontrá-lo num momento de sinceridade da parte dele, e que ele pudesse tentar me convencer de que tudo aquilo ali foi apenas erro mesmo, que ele tentasse, vindo de honestidade naquela hora, me convencer que aquilo tudo foi um erro qualquer dele. E eu acompanhei depois muitos anos a carreira do Castrilli e não vi ele errar da maneira que ele errou contra a Portuguesa”.
MUDOU A HISTÓRIA DA PORTUGUESA
Atualmente na Série A-2 do Campeonato Paulista e sem divisão no futebol nacional, a Portuguesa hoje passa por uma situação extremamente distinta da que viveu na década de 90, quando chegou a ser vice-campeã brasileiro (em 1996). Para alguns dos ex-jogadores, a história poderia ser diferente se a taça do Paulistão de 1998 tivesse ficado na sala de troféus da Lusa.
São situações que mudaram a história de um time" (Evair, ex-atacante da Portuguesa)
“Foi vergonhoso, não tinha necessidade, e ele não precisaria ter feito o que fez. São situações que mudaram a história de um time. A Portuguesa, como campeã - e claro, poderia ter sido campeã - teria uma outra situação, um outro tipo de realidade, uma outra negociação com patrocinadores, com jogadores, com revelações, e de repente saiu outro campeão e que revelou outros jogadores, cresceu no âmbito brasileiro... E a Portuguesa prejudicada ficou com a parte pior, que é ficar de fora, ficar no ostracismo. Quando você é campeão, você tem outro tipo de tratamento; negociações posteriores surgem e, de repente, a Portuguesa não teve por causa de erros dessa maneira”, diz Evair.
“A Portuguesa era um time bom. Se fosse para a final contra o São Paulo certamente a gente seria campeão, tanto é que o Corinthians foi e perdeu para o São Paulo, não prestaram nem para isso. Roubaram a gente no caso e ainda não foram campeões. Não tenha dúvida que um título motiva, engrandece mais um clube. Poderia ter sido, sim, um alicerce mais fundo para que deixasse a Portuguesa viva no meio desta toda confusão que viveu”, acrescenta Fabiano.
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