Topo

Bem antes de Wagner Ribeiro: o homem que vendeu Zico e foi apedrejado

 Zico é apresentado em Udine ao lado de Lamberto Giuliodori - Arquivo Pessoal
Zico é apresentado em Udine ao lado de Lamberto Giuliodori Imagem: Arquivo Pessoal

Napoleão de Almeida

Colaboração para o UOL

31/08/2017 04h00

Com o fechamento da janela de contratações europeia neste 31 de agosto, os torcedores brasileiros irão olhar para os elencos dos seus clubes e, consternados, terão que aceitar a realidade de que craques – ou, vá lá, boas peças – foram embora. Hoje em dia é até aceitável: há o torcedor que comemora venda, “meu clube vendeu por X milhões!”, ou ao menos já sabe que o atleta prefere jogar no Barcelona, Real Madrid, Bayern... talvez até no Hull City.

Mas nem sempre foi assim. Antes de Wagner Ribeiro e os milhões em negociação por Neymar, antes que Phillipe Coutinho deixasse o Vasco ainda menino para ser disputado a tapa por Liverpool e Barcelona, houve um tempo em que os craques ficavam. Sim, Evaristo já tinha jogado no Barcelona e Didi no Real Madrid, mas não havia o êxodo atual a cada seis meses, onde até aquele lateral meia boca interessa a um obscuro clube dinamarquês. Mas até o início dos anos 80, eram casos esporádicos. Até que o hoteleiro italiano Lamberto Giuliodori veio para o Brasil expandir negócios.

Coutinho, a porta de entrada

Lamberto tinha uma cadeia de restaurantes na Itália e comprou um apartamento em Ipanema. Deixou os restaurantes com o filho, Fabrízio Giuliodori, hoje dono de uma rede do mesmo ramo no Brasil. “O (Cláudio) Coutinho, então treinador da seleção, fez uma grande amizade com meu pai. Eles se encontravam todo dia. Meu pai ia a um lugar, ele ia junto: no Flamengo, no Vasco... me lembro que o primeiro carro que eu comprei aqui no Brasil, comprei na concessionária do Eurico Miranda”, conta Fabrízio, “Ele começou a entrar no futebol aqui com o Coutinho, se relacionar com os jogadores da seleção.”

A relação da família com o falecido técnico se estreitou, e Lamberto passou a acompanhar o amigo em jogos e viagens em que visitavam clubes. “Coutinho ia para nossa casa em Milão e viajavam para ver jogos na França, na Alemanha. Eram muito amigos. E na Itália estavam se abrindo as fronteiras para estrangeiros para cada time. Ali veio o pensamento, que ainda não existia, de trazer jogadores brasileiros para a Itália. Tendo o contato que ele tinha, o acesso a essas pessoas ficou fácil”, relembra o filho. Era o sinal dos tempos.

Propostas irrecusáveis e pedradas

O futebol ainda não era o negócio milionário que é hoje. Mas a economia europeia já era melhor que a brasileira. A Itália abrindo postos de trabalho para jogadores era o chamado ideal. "Eram 20 vezes, 40 vezes o dinheiro que eles ganhavam aqui. O Zico, lógico, não ganhava o que ganha o Neymar hoje. Mas naquela época ele foi vendido acho que por US$ 1,4 milhão para a Udinese”, conta Fabrízio. Os registros da revista “Placar” à época falam em US$ 4 milhões (equivalente hoje a R$ 61,5 milhões). Era junho de 1983.

O filho lembra que o pai “chegou a ser apedrejado aqui no Rio de Janeiro por causa do Zico. Não estavam deixando ele sair do hotel por que estava levando o Zico para a Itália. A gente chegava nos treinos, na Gávea, olhavam para o meu pai e falavam, ‘vai levar quem?’” Zico foi apenas um. “Ele vendeu o Zico, vendeu o Falcão, o Edinho, o Dirceu, o Cerezo, o André Cruz, o Amoroso... um monte de gente, só brasileiro. Como ele começou com isso, ele teve o pensamento de levar para a Europa jogadores que também não eram conhecidos. Ele rodava o Brasil e pegava a assinatura de pais de jovens, de garotos, dando US$ 4, 5 mil para levar para lá.”

Foram cerca de 60 jogadores levados à Europa até meados dos anos 90, a maioria com passaporte italiano, em diversos clubes. “Saíam as manchetes: ‘o clube tal falou com o Lamberto”, já sabiam que era algum brasileiro”, relembra o filho. O pai, um dos primeiros empresários de futebol do Mundo, não tinha o mesmo policiamento ou regras de hoje em dia. “Ele pegava o jogador e vendia, dava uma parte pro clube. Naquela época não tinha licença, não tinha que pagar taxa nenhuma para a Fifa.”

No caminho, o Sarriá

Lamberto mergulhou tão profundamente na rotina do futebol brasileiro que em 1982, sofreu com os craques que representava. Levou o filho ao Sarriá no histórico Brasil 2 x 3 Itália. “Vimos o jogo eu, meu pai, minha mãe, a Sandra (mulher do Zico), a mulher do Edinho... e eu na turma amarela e não na azul, onde tinha todos meus amigos. No primeiro gol da Itália eu explodi e meu pai me deu uma prensa, “pomba, você tá no meio da torcida do Brasil”. Eu olhei para o lado e não tinha ninguém para abraçar. Meu pai meio que disfarçava a torcida. No 2 a 2 todo mundo me empurrando, provocando e aí no gol do Rossi eu comecei a gritar desesperado, os caras ficaram putos. Acabou o jogo e todo mundo chorando, as mulheres dos jogadores, todo mundo. Foi péssimo”, conta Fabrízio.

O pai ficou entre Brasil e Itália até o fim da vida. Com ele, se foram os negócios no futebol. “Ele adorava o Brasil, adorava estar aqui. Ele morreu faz 18 anos (1999). Então eu e meu irmão passamos em todos os clubes, pegamos o que tinha para pegar e deixamos para trás”, diz o atual proprietário da uma rede de restaurantes Alessandro & Frederico (nomes dos seus filhos, brasileiros). “Eu tentei ser empresário, mas ainda falei pro meu pai, “não sou babá de jogador de futebol”. Liga o pai, o irmão, o tio, todo mundo quer alguma coisa. Tinha que dar um sapato pra um, um casaco para outro. Não era trabalho para mim não.”

Foi parar novamente nos restaurantes por conta do... futebol. “Montei uma empresa de importações e exportações na época do Collor, aí passei a trazer produtos alimentícios da Barilla, que patrocinava a Roma”. No Rio, ficou amigo de Renato Gaúcho, que viria a jogar na mesma Roma. É o laço que ele mantém com a bola: “Torço pelo Renato, para o clube em que ele estiver”. Hoje, se receber reclamações pelo que faz para viver, não serão pedradas como as que o pai tomou quando abriu a porteira para a Europa.