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Não é só raça. Alvaro Pereira é sentimental e veio ao Brasil pelo "povão"

Guilherme Palenzuela

Do UOL, em São Paulo

28/08/2014 06h00

Pai afetuoso, que se emociona ao falar da família e que coloca os filhos Mateo, 6, e Lucio, 3, acima de qualquer outra coisa na vida. Que leva a vida profissional em função da família, e não o contrário. Ser humano de valores distintos, alternativos. Que prefere o afeto e o calor da América do Sul ao glamour europeu, que prefere um jogo de Libertadores na periferia de Buenos Aires a uma partida de Liga dos Campeões em um estádio cinco estrelas em Londres. Este é o uruguaio Alvaro Pereira além do jogador de futebol que se vê em campo. Personagem que fica escondido debaixo da tão marcante figura da raça, com sangue, desmaios e total devoção à camisa do São Paulo, clube que conseguiu conquistar em oito meses e ainda sem qualquer título.

O lateral esquerdo recebeu o UOL Esporte na tarde de quarta-feira, no CT da Barra Funda. No São Paulo, Alvaro experimenta uma nova fase pessoal e profissional. Trocou a Itália pelo Brasil porque, segundo ele, a família estava precisando de um pouco mais de alegria, um pouco mais de proximidade da terra natal. E porque, particularmente, sentia saudades do “povão”, como ele mesmo chama. Hoje, mais experiente, Alvaro começa a tomar gosto pelo papel de líder e se entrega de forma completa à camisa do clube. A devoção ao São Paulo, segundo ele, é por sentir o carinho especial da torcida e, principalmente, por estar mais velho e viver fase um pouco mais “sentimental”, palavra escolhida pelo uruguaio.

Alvaro Pereira conta tudo com total sinceridade, mas com o único cuidado de não parecer arrogante. Não se vende como ídolo em potencial, mas detalha o prazer que sente por exercer um papel de liderança e poder contagiar os companheiros com a entrega em campo. Avalia como “regular” o próprio desempenho até agora, e fala em eterna gratidão ao amigo Diego Lugano, que proporcionou a chegada ao São Paulo – e que, como ele mesmo admite, facilitou a identificação com a torcida.

UOL Esporte: Você chegou ao São Paulo em janeiro e, em sete meses, mesmo sem títulos e com o time longe de uma fase brilhante, conquistou a torcida do São Paulo como outro jogador não fazia há muito tempo. Consegue entender esse carinho e os motivos que fizeram o torcedor gostar de você?
Alvaro Pereira:
O reconhecimento é pelo esforço dentro de campo, que é valorizado, e a gente fica contente por isso. Mas ao mesmo tempo é uma responsabilidade, que a gente tenta defender jogo a jogo e tenta melhorar. Tenta transmitir essa mensagem, para os jogadores, para o time, que sempre, todo dia, tem algo para melhorar e aprender. E sobre o carinho, é pela identificação que os jogadores uruguaios têm com o São Paulo e porque há muito tempo um jogador uruguaio não vestia a camisa do São Paulo, desde Lugano. Isso tem um pouco a ver. Eu cheguei aqui não para ser ídolo, mas simplesmente para conseguir coisas importantes com o São Paulo. Desde o primeiro dia que cheguei aqui eu falei isso, é meu objetivo, me superar como jogador e pessoa.

UOL Esporte: E você consegue sentir o quanto a torcida, de modo geral, gosta de você? Ou não se sente assim?
Alvaro Pereira:
Sentir, sinto um carinho. Porque quando se sai do estádio ou está na rua o torcedor são-paulino me transmite isso. Mas eu, como jogador profissional, dentro do campo tenho que desligar isso. Eu sou muito autocrítico e ambicioso. Para mim, o melhor ainda está por vir. Eu não vim aqui para ser ídolo, vim aqui para conseguir títulos e ajudar o São Paulo. Para quando me aposentar vir aqui ao CT com meus filhos e netos e poder mostrar a eles uma foto, um quadro, com um título. O reconhecimento da torcida é sempre muito bonito, mas eu trabalho para conseguir grandes coisas e enquanto o trabalho não estiver bem feito eu não vou me conformar.

UOL Esporte: O seu momento mais emblemático no São Paulo foi no empate por 1 a 1 contra o Criciúma, no último dia 2. Você sofreu uma pancada na cabeça, desmaiou e, quando acordou, quis voltar ao campo. No lance seguinte, deu um carrinho e iniciou a jogada do gol de Alan Kardec. Na comemoração, você foi fotografado comemorando com sangue e grama na boca, ainda. Naquela partida, a torcida vaiou intensamente a equipe inteira pelo empate e gritou apenas seu nome, como se fosse um título. E essa sua devoção ao São Paulo já foi vista na seleção uruguaia, mas não na Inter de Milão ou no Porto, onde você jogou. Da mesma forma que o torcedor te adotou, você também já sente uma identificação especial pelo São Paulo?
Alvaro Pereira:
Tem carinho, sim. É certo que tenho carinho. Mexe com tudo isso. Mas essa foto eu tive o prazer de ver e ficou muito bonita, porque também como estava correndo o jogo, não conseguíamos fazer um gol e foi um desabafo isso. Foi um momento de mais de desabafo, que é o mais bonito que tem isso. De conseguir abrir um jogo, um gol. Foi uma pena que o jogo ficou empatado. Mas o que fica é que no momento foi um desabafo. Naquele momento o que eu queria era vencer, quando eu vi a bola entrar é algo que só o jogador sente. Ficou muito bonita essa foto. Tanto torcedor do Porto, como do Inter, da seleção uruguaia já me conhece, mas é sempre a mesma coisa: vão passando os anos e a gente está ficando mais... como se diz? Sentimental. Se emociona bastante.

Alvaro - Rubens Chiri/Divulgação - Rubens Chiri/Divulgação
Imagem: Rubens Chiri/Divulgação

UOL Esporte: Você já afirmou que, às vezes, alguns jogadores da seleção uruguaia chegam chorando ao estádio Centenário, em Montevidéu, ao percorrerem o caminho dentro do ônibus da equipe. Acha que pode sentir isso por um clube, que pode sentir isso um dia pelo São Paulo? Como você encara a relação com a torcida?
Alvaro Pereira:
A recepção que tivemos da torcida, contra o Santos, outro dia, foi muito bonita. Ali fora esperando o ônibus... Muita gente. Essas coisas são bonitas. São pequenas coisa que para o jogador... Eu falo neste caso por mim, mas penso que para a maioria dos jogadores significa muito. Eu muitas vezes vejo, quando a torcida fica empolgada, muitos dizem “não...”. E eu gosto disso (risos). Quando eu cheguei, tive a sorte de jogar contra o Palmeiras no Pacaembu, pelo estadual, e perdemos por 2 a 0. Não acabou com final feliz. Mas me lembro que entramos no campo, toda a torcida do São Paulo pulando, a do Palmeiras pulando. E estavam Antonio Carlos e Maicon ao meu lado e falei para eles: “É disso que eu tinha saudades. Agora vocês me entendem? Disso que eu tinha saudades. Do povão”. Você quando vai à Europa perde um pouco disso. Eu estou falando da torcida, sem violência, sem nada, da alegria, de antes do jogo ver todo mundo pulando e cantando. Você muitas vezes vai à Europa e aquilo se vê como um espetáculo, né. Não estou falando que aqui ou lá está errado. Mas é outra coisa. Outro dia falei pro Kaká: "Tenho a possibilidade de jogar a Sul-Americana e ainda falta a Libertadores". Ele ficou olhando pra mim: "mas você jogou Champions, jogou UEFA...", e eu disse: "Sim, mas vou jogar a Sul-Americana, vou jogar a Libertadores". O melhor para alguém não significa... “ah, esse cara jogou Copa do Mundo, jogou Confederações, Copa América". As coisas simples são as melhores, são as que vão mexer.

UOL Esporte: Naquele jogo contra o Criciúma você sofreu o segundo desmaio em 40 dias em decorrência de uma pancada na cabeça. Na ocasião, você também se recusou a sair de campo. Depois, foi vetado pelos médicos da partida contra o Vitória. Hoje, se isso acontecesse de novo, você entenderia que não pode fazer isso?
Alvaro Pereira:
Antes de tudo vou deixar três pontos claros: O primeiro é que espero que não volte a acontecer mais. O segundo é que por pedido dos médicos e da família, não vou voltar a fazer. E o terceiro é que eu não quero ficar como super-herói. É o jeito que jogo, é a fração de segundo, o milésimo de segundo que quer ajudar o companheiro e não está preparado para o que pode acontecer. E você volta e não sabe o que aconteceu. Volta pra dentro do campo e... Depois, vendo imagens, falamos com o médico do São Paulo, que aliás fez um trabalho, eles me fizeram perceber o risco que eu podia passar. Eu percebi, custou alguns dias, convencer-me porque eles sabem como eu sou, mas tenho que agradecer pelo grande trabalho que eles fizeram com o neurologista. Inclusive eu depois não pude jogar contra o Vitória, eu fiquei muito chateado, mas por minha saúde falaram para que eu não jogasse e acho que estiveram muito bem. Porque com a cabeça fria, eles pensam, tem que dar os parabéns. Eles pensaram primeiro no ser humano e depois no jogador de futebol. Por todo esse conjunto de coisas, não acredito que volte a acontecer, dentro do campo como disse o Muricy, é um “louco do bem”, agora está todo mundo me chamando de louco, mas bom... Que fique como uma história, e que agora tenha cuidado, e que para qualquer atleta que aconteça isso eu recomendo que saia, que não cometa esse erro, que depois tem que se fazer caso aos profissionais.

UOL Esporte: Você diz “autocrítico”. Que avaliação faz da sua passagem pelo São Paulo até aqui?
Alvaro Pereira:
Passou muito rápido, porque eu tive amistoso com a seleção, tive Copa do Mundo, perdi jogos de Brasileirão e estadual. Cheguei começando já o estadual. O balanço eu vou fazer quando acabar o ano. Se positivo ou negativo. Até agora está sendo um pouco regular. Estou falando não só da parte individual, mas também coletivamente. Obviamente fico magoado, falando do Paulista, tínhamos a ilusão de conseguir o título, não conseguimos. Queríamos brigar pela Copa do Brasil, não se conseguiu esse objetivo. São pontos negativos que entram na autocrítica, a gente se sente ferido por isso. Como profissional, isso se sente. Agora tem a Sul-Americana que tem de ser tomada como um desafio. Estamos brigando pelo Brasileirão, que seria bom conseguir. Seria o sétimo campeonato para o São Paulo, com um time que está brigando muito e com jogadores muito identificados com o São Paulo. Seria muito bom para o clube e para a torcida.

UOL Esporte: Quando você foi contratado, o São Paulo não tinha Alexandre Pato, Alan Kardec e Kaká. Como você viu, depois de chegar, essa montagem do elenco?
Alvaro Pereira:
Eu vim da Europa, estou um pouco habituado a isso. Mas sei que aqui na América do Sul isso surpreendeu os brasileiros, a aposta que fez o São Paulo. Torço para que seja uma aposta boa, que ao fim do ano estejamos celebrando. Até agora está sendo. Eu não gosto de falar porque não estava, mas o clube ficou magoado, passou metade do ano passado na parte de baixo da tabela, e é difícil ver o São Paulo nessas posições. As mudanças do clube, a troca do presidente, a troca de mandato, demandava uma troca na parte desportiva e gerencial. E tudo isso fez mudar a mentalidade para que o São Paulo volte a brigar por coisas importantes. Como time grande, tem obrigação de brigar por isso.

UOL Esporte: No fim do ano passado e até no início de 2014, diretoria e comissão técnica falavam sobre a necessidade de se ter mais líderes, além de Rogério Ceni, no elenco. Hoje o elenco te vê como um líder. Você se vê assim?
Alvaro Pereira:
Cada um tem sua personalidade. Eu deixo isso para que meus companheiros falem. Se me veem como líder, como exemplo, como espelho. Se eu falasse dessa maneira, seria um pouco egoísta. Eu não gostaria. Gosto do reconhecimento do companheiro, que se contagia da forma de jogar. Isso é o que mais me satisfaz, quando eu chego ao vestiário, e que todo mundo fica contente com minha presença no vestiário. E eu tento alegrar os jogadores, é o mesmo trato ao que joga mais e ao que joga menos. Os campeões se fazem com os que jogam pouco, também. São a sustentação de todos aqueles que entram em campo. Sempre que fui campeão, aconteceu do gol mais importante ser feito por aquele cara que joga menos, e eu tive essa oportunidade. [Marcou contra o México no último jogo da fase de grupos da Copa América de 2011] E esse jogador tem que estar preparado para esse momento, e eu sempre insisto com isso. E na hora das palestras eu falo, que o jogador que está fora que esteja preparado, que todos somos importantes. No momento que entre, aproveite a oportunidade, que isso aqui é futebol, é uma roda, e está girando o tempo todo. Voltando um pouco a essa questão dos líderes, dentro de campo todos temos que ser líderes. Sabemos que Rogério é o cara, é o emblema do São Paulo, por tudo que ele conseguiu e pelo que significa para o torcedor e para nós. Mas nós, como jogadores, temos que dar esse respaldo ao Rogério, não descansarmos nele e nem no Kaká. Nós como profissionais temos que ter o desafio de nos sentirmos importantes. Saber que um jogador vence um jogo, mas um campeonato quem vence é o time inteiro. E tento transmitir isso.

UOL Esporte: Você se vê de forma diferente? Acha que encara o futebol de uma forma um pouco diferente de outros jogadores?
Alvaro Pereira:
Há personalidades, por exemplo, eu falo: pode passar 50 anos e sempre vão ser iguais. Para mim, eu perco e nesse dia parece que vai acabar o mundo. Durmo errado, já não falo do mesmo jeito. É minha maneira de ser. Eu venço, está tudo bem. Vou jantar fora, vou jantar com a família. Quando perco, janto também com a família, mas não é a mesma coisa. Tem um exemplo recente, né. Outro dia vencemos o Santos, eu cometi o pênalti. Foi um erro meu. Eu assumo. Eu sou muito autocrítico. Eu fiquei chateado comigo mesmo. Mas meu objetivo era vencer. E fiquei feliz porque vencemos. Saí para jantar, com a família, estava tranquilo. No outro dia voltei... treinar, descansar e recuperar para o jogo agora da Copa Sul-Americana. São coisas que acontecem. Mas quero que fique claro que não fiquei chorando nem nada. Não, está bom. Eu cometi o erro e não posso voltar a cometer. Porque da próxima vez a margem de erro é menor. Essa é a mentalidade. Por mais que cometa um erro, o objetivo é vencer.

UOL Esporte: E qual a diferença entre o Alvaro Pereira hoje e aquele de três anos atrás, que conquistou a Copa América com a seleção uruguaia e tudo que poderia pelo Porto?
Alvaro Pereira:
A responsabilidade é maior. Que você tem que ser exemplo, de todos os jovens. E que você tem que defender tudo aquilo que conseguiu. E na hora que apita o árbitro somos todos iguais, somos 11 contra 11, e se esquece todo mundo do que cada um conseguiu. As características de jogo são as mesmas. A função no Porto eram mais ofensivas, aqui no São Paulo são mais defensivas. Tenho que me adaptar a cada jogo, a cada sistema que pede o treinador. Tenho que ser responsável, tem um comando técnico e tenho que assumir esse respeito e o pedido do treinador. Por isso não penso que mudei o jeito de jogar. Se adapta ao que pede o treinador. Não quero dizer que vou jogar como um computador... Na época do Porto me pediam mais ofensividade, não marcar tanto, mais ofensivo, porque o jogo do Porto propõe isso.  No Inter, me pediam mais defensivo. E depois veio a ter uma maneira tão ofensiva que ficou exposto [Foi lateral esquerdo com o técnico Andrea Stramaccioni e virou um ala ofensivo com Walter Mazzarri, depois].

UOL Esporte: Seu empréstimo, da Inter de Milão ao São Paulo, se encerra no meio de 2015. Você já pensa no que vai acontecer?
Alvaro Pereira:
Sinceramente, estou pensando em fazer bem esse 2014 e que em 2015 seja o que Deus quiser. Pensar no presente. É uma situação que... É até bom que você me faça a pergunta. É uma situação que muitas vezes o jogador fica incomodado. Ele não sabe se é da Inter ou do São Paulo. Mas eu tenho que pensar no São Paulo. É o São Paulo que põe o prato de comida na minha casa. E eu sou agradecido, não tenho que pensar além disso. Depois que acabe o ano, fazemos o balanço.

UOL Esporte: Em 2015, o São Paulo não ter Rogério Ceni. Você se sentiria confortável em vestir a braçadeira de capitão, caso fosse o escolhido?
Alvaro Pereira:
Não penso nisso. Penso em desfrutar do Rogério até o último jogo. Eu estive quase fechando a carreira do Javier Zanetti, que foi um grande amigo. E agora tenho essa oportunidade com o Rogério, dois monstros do futebol mundial. Acho que poucos jogadores tiveram esse prazer. Isso da braçadeira eu sempre... tem líderes, coisas, mas dentro do campo somos todos capitães. Capitão é um símbolo. Não é uma coisa que me interesse muito. Meu capitão é o Rogério, e vou desfrutar dele até dezembro.

UOL Esporte: E por muito tempo o seu capitão foi Diego Lugano, na seleção uruguaia. Ele participou da sua transferência ao São Paulo. Vocês têm conversado?
Alvaro Pereira:
Falei com ele há uns 20 dias, mas pouco sobre futebol, sinceramente. Falamos mais da família, sobre como ele estava da recuperação da lesão no joelho que ele teve na Copa. Me perguntou como minha família estava aqui em São Paulo. Ele sempre muito preocupado comigo e com minha família porque somos muito parceiros. É, será e foi um prazer ter compartilhado um grupo com ele, porque é um líder nato, uma pessoa que é desfrutável de conhecer. Com ele se pode falar de futebol até economia. Compartilhar um mate, um churrasco, compartilhar grandes vitórias e grandes derrotas, chorar e rir. Essas coisas levamos para o resto da vida, e não há dinheiro que pague isso.

UOL Esporte: Não fosse Lugano, seria impossível você jogar no São Paulo?
Alvaro Pereira:
Sim, teria sido mais difícil minha chegada. Houve muitas pessoas próximas ao Lugano que graças a ele ajudaram também com minha chegada aqui. Acho que impossível não, mas diferente, ou mais demorado. E o Diego facilitou um pouco as coisas, e por isso eu sou agradecido. Ele não pensou só no jogador, mas também na pessoa. É um grande amigo, e essas coisas fazer por um companheiro… pelo meu desejo, também, ele percebeu e ajudou muito, cooperou muito. A verdade é que serei eternamente agradecido a ele.

UOL Esporte: Lugano esteve com você nessa geração que recolocou o Uruguai no cenário mundial. Como vê o que esse grupo fez pela Celeste?
Alvaro Pereira:
Tentamos deixar a bandeira uruguaia o mais alto possível, voltar a ver as crianças com a camisa do Uruguai, com Uruguai campeão. De ver o Uruguai mundialmente respeitado novamente. E essas coisas essa geração conseguiu, e agora não pode perder isso.

UOL Esporte: Você foi um dos protagonistas na campanha que terminou com o título da Copa América de 2011. Aquele foi o momento mais feliz da sua vida profissional?
Alvaro Pereira:
Aquele ano foi até agora o ano mais especial, porque com o Porto conseguimos todos os títulos possíveis e se coroou com a Copa América, e com o nascimento do meu segundo filho, no meio da Copa, um dia depois do jogo contra o México. E na cidade onde conheci minha mulher, La Plata. Meus filhos têm muito significado, são a maior coisa que tenho na vida. Mateo veio com passe para a Europa. Quandoe ele nasce, três dias depois recebo a proposta do Cluj, da Romênia. Agora eu mostro, quando eles veem imagens, perguntam para o pai, para a minha mulher. E eu tento transmitir tudo isso, que é o mais bonito que tem, que os filhos tenham a possibilidade de ver o pai jogar a Copa do Mundo. E para mim isso é impagável. Tive a oportunidade, no primeiro jogo que fiz pelo São Paulo, sair com eles pela mão no campo. Conseguir entrar com meus dois filhos no campo e fazer com que eles me vejam na Copa do Mundo são os dois momentos especiais.

UOL Esporte: Sua esposa é argentina e seus filhos nasceram na Argentina. Quanto da sua escolha por jogar no Brasil tem a ver com isso? Como a família está vivendo no Brasil?
Alvaro Pereira:
A família está gostando. Meu filho mais velho foi quem mais sofreu. Porque ele vinha com 5 anos e ele começava a temporada da escola agora, e ele teve que começar aqui no final de janeiro o 1º ano. Ele tinha um pouco de português, dos tempos de Portugal, mas estava na Itália, tinha perdido um pouco. Colocamos ele na escola, ele teve um período de adaptação. Mas agora é mais um brasileirinho (risos). Está fazendo seus amiguinhos, o mais novo também. Colocamos na escola de futebol. Estão bem, minha esposa fala bem o português. Tivemos companheiros como Eguren e Victorino [uruguaios do Palmeiras], que ajudaram muito, vivemos pertos, juntamos algumas possibilidades, agora chegou Nico Lodeiro [meia uruguaio do Corinthians]. E aqui estamos perto da Argentina, do Uruguai, mais fácil para momentos em que se precisa viajar. Pusemos muitas coisas na balança, porque precisávamos um pouco de carinho, de felicidade, a verdade é que estamos gostando muito.

UOL Esporte: Você foi à Copa do Mundo de 2014 pelo Uruguai e viu o Brasil sofrer o que sofreu. Hoje, não vemos nenhum treinador brasileiro com sucesso na Europa enquanto os argentinos, por exemplo, estão em evidência. Depois de ver a Copa de perto e jogar no Brasil, acredita que o futebol brasileiro está muito distante do europeu?
Alvaro Pereira:
Vou falar uma coisa só e deixo a critério de vocês: o melhor espelho do futebol é o brasileiro. Por mais que os ingleses achem que eles inventaram esse futebol maravilhoso, o coração do futebol é brasileiro. O corpo tem memória, como sempre falo, tem um chip, não se esquece o futebol. O brasileiro é isso. Não acho que esteja ruim, por mais que não esteja passando por um momento positivo. Tem gerações. Tem que dar tempo. O brasileiro é ansioso e isso está demonstrado no Brasileirão. Fica três jogos sem ganhar e o treinador já está em uma situação instável. Isso acontece com jogadores, com clubes. O corpo tem memória, o brasileiro tem memória e vai recuperar isso. Sempre vai ser respeitado, por todas as seleções. Todo mundo sabe que o futebol japonês melhorou graças ao brasileiro. O futebol coreano melhorou com o brasileiro, e assim infinitas seleções. Posso seguir nomeando. A Espanha... quando começou a melhorar? Quando ganhou a Eurocopa, 2008. Quem jogava? Faço a pergunta. Marcos Senna. Alguma coisa tem. Vanderlei Luxemburgo foi treinador do Real Madrid e depois disso o Real Madrid começou a ter uma melhora. Por isso sempre digo que não se pode dar o Brasil por morto. O brasileiro tem memória. E tem que respeitar isso.