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'Presenciei diferentes formas de assédio quase todos os dias na Copa'

Raquel Arriola

Do UOL, em Doha (Qatar)

18/12/2022 04h00

Classificação e Jogos

Se eu te disser que me sinto segura ao atravessar as ruas de Doha, cheias de homens, suor e testosterona, estaria mentindo. Há pouquíssimas mulheres pela cidade e, por mais que aquelas que você encontra afirmem que aqui "os homens não podem fazer nada com a gente", como me disse a qatari Ayla Al Suwaid, 39, a sensação não é essa.

Pode ser porque estou habituada com o assédio masculino no Brasil e ando sempre alerta? Pode. Mas é também porque presenciei diferentes formas de assédio quase todos os dias, desde que cheguei para a Copa do Mundo.

Logo cedo, a caminho do metrô, começam os olhares e sorrisinhos. Até corações com a mão são frequentes. O que mais incomoda são os que nos olham fixamente dentro do vagão, onde não há lugar para a gente desviar. Fui seguida mais de uma vez por rapazes que me pararam pra comentar minha aparência. Há muitos que pedem para tirar fotos. E tem até os que fazem as fotos sem pedir permissão, quando você está trabalhando.

Apesar do que disse Ayla sobre estarmos seguras, na prática, isso não se reflete, pelo menos não para as mulheres vindas de outros países. No dia 22 de novembro, uma brasileira de 26 anos foi assediada dentro da zona destinada aos torcedores, no centro de Doha.

"Vivi a pior noite da minha vida", contou ela ao repórter Diego Garcia. "Não piso mais em uma Fan Fest por nada. Espero que não aconteça uma tragédia. Eu só chorei a noite toda. Parecia que estava sendo atacada por bichos". Por medo, ela pediu para que o nome não fosse divulgado nas matérias.

Jornalista Isabelle Costa, de 23 anos, que relatou que foi assediada no Qatar - UOL - UOL
Jornalista Isabelle Costa, de 23 anos, que relatou que foi assediada no Qatar
Imagem: UOL

A jornalista Isabelle Costa, de 23 anos, falou seu nome. Ela foi assediada e gravada enquanto estava no metrô a caminho do estádio Lusail. Dois homens a abordaram com o celular e perguntaram se ela era uma atriz pornô.

Isabella publicou o vídeo dos dois agressores e o caso chegou até as autoridades locais. Dois dias depois, uma mulher falando portuguës entrou em contato com ela em nome da polícia.

"A impressão que a gente tem é que parece que eles nunca viram uma mulher". Isabelle não deu queixa por medo do que poderia acontecer.

Não é à toa. Na metade de 2021, a mexicana Paula Schietekat, que trabalhava na organização da Copa do Mundo, foi até a polícia denunciar um caso de abuso sexual e acabou condenada por ter feito sexo fora do casamento - algo não permitido pela lei islâmica que rege o país. Caso ela não se casasse com o agressor, seria condenada a cem chibatadas e sete anos de prisão. Paula conseguiu ajuda internacional para deixar o Qatar e o agressor continua livre.

O Qatar não é, nem de longe, o lugar mais perigoso para as mulheres que eu já visitei. Mas, como são muitos os homens, a quantidade de olhares torna o caminhar pelas ruas no país da Copa uma experiência agoniante.

Homens no metrô de Doha - Raquel Arriola/UOL - Raquel Arriola/UOL
Imagem: Raquel Arriola/UOL
Homens no metrô de Doha - Raquel Arriola/UOL - Raquel Arriola/UOL
Imagem: Raquel Arriola/UOL