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Kobe, Ali, Rocha, Telê, Chape, Ayrton e Paulo Júlio, as mortes que vivi

28/01/2020 04h04

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O jornalista que cobre esporte sabe a dor e a delícia de estar ao lado da pessoa sobre quem vai escrever. Muitas vezes, um ídolo.

O fio da navalha. Quais os limites? Pedir uma camisa, um autógrafo, tirar uma selfie. Nunca fiz. Como gostaria de ter uma foto com Telê. Não acho correto.

As barreiras se rompem quando a morte chega. Com 30 anos de profissão, eu que escolhi ter uma barreira física com jogadores, me vi sem chão quando partiram.

E aí, a diferença entre ídolo e objeto noticioso se faz notar. A partida dos ídolos me fez chorar pelo que significam (assim, no presente) para mim. Os outros me deixaram tristes pelo que significam para o Mundo.

Muhammad Ali sempre foi um ídolo. Pela maneira como lutava, pela irreverência, pela luta contra o racismo. Recusou-se a matar no Vietnã. Recusou-se a morrer no Vietnã. Não era sua guerra. Não devia ser a guerra de ninguém.

Ali me fez chorar ao acender a chama olímpica em Atlanta-96. Sua morte foi um baque, ainda que esperada. Não era só um atleta, era um ser humano ímpar.

Outro ídolo foi Pedro Rocha. Desde antes de sua chegada ao São Paulo. Acompanhava as idas e vindas da negociação, lá em Aguaí, pela A Gazeta Esportiva.

Só o conheci há pouco mais de dez anos, quando escrevia meu livro Tricolor Celeste. Aquele homem forte, sentado na cadeira, com dificuldades para andar e falar, era o mesmo que havia me dado tantas alegrias.

Era uma morte anunciada. Sempre que ligava para o médico, as notícias pioravam. E daí? Saí destruído de seu velório. Havia uma coroa de flores enviada por Lugano, então capitão da seleção uruguaia e que nem no Brasil vivia. Nenhum representante do São Paulo.

Minha cota de tristeza com Telê havia se esgotado quando fui entrevista-lo em seu apartamento, em Belo Horizonte. Já havia perdido o pé.

Todo mundo está com saudades do senhor.

De mim? Sou apenas um velho ranzinza.

Era mesmo. Sempre foi. Mas também sempre foi muito mais do que isso. Estive junto com ele em milhares de treinos e aprendi a respeitar o velho ranzinza. Quando se foi, senti uma certa paz. Foi um descanso para o Mestre.

Eu fui editor de esportes "amadores" no Diário Popular. Fechei muitas páginas com vitórias de Ayrton Senna. Cobri alguns GPs em Interlagos. Estive em aeroportos em suas chegadas e partidas. Sempre o admirei como esportista. Nunca tive simpatia ou, muito menos idolatria por ele.

No dia primeiro de Maio de 1994, ele morreu em Ímola. E na sala de casa, durante o almoço, quando me preparava para ir ao Morumbi, cobrir São Paulo e Palmeiras.

Fiquei aborrecido, apenas. No caminho do estádio, ouvindo rádio, fui ficando triste. Quando as duas torcidas se uniram e gritaram olê, olê, Sennaaaa, eu chorei. A tristeza do Brasil tomou conta de mim. Um país estava à deriva, estava órfão e eu percebi, ali, a grandeza de Senna. Tudo o que ele representava para milhões. E eu não sou nada, diante de um Brasil partido.

Um ditado cínico que uma pessoa morrer é uma tragédia, e que milhões de pessoas morrerem é apenas uma estatística.

O que significa a morte de 71 pessoas no acidente da Chapecoense, se uma delas era o Paulo Júlio Clement, a quem eu admirava tanto. Não era um amigo, mas poderia ter sido. Um companheiro de tantas viagens e tantas resenhas.

Pode ser até egoísmo, mas no mesmo dia morreu a Tia Déa. E, um dia antes, Fidel Castro.

Então, quando acordei, liguei o celular e vi a lista de mortos, minha dor foi canalizada para um nome. O de Paulo Júlio. Depois, quando percebi que o Mundo chorava pela Chape, percebi que podia sofrer além do que sofria pelo Paulo Júlio.

E agora, Kobe. A tristeza foi muito maior quando li que sua filha, de 14 anos, também havia morrido. Algo muito fora da normalidade. E Kobe? Sou sincero. Fiquei triste pelo meu irmão, que é fanático pelo Lakers. Não sou muito de NBA. A morte da criança me comoveu mais que a morte do Gênio.