Richarlyson se assume bissexual: finalmente?

Richarlyson se assumiu bissexual no episódio de estreia (24/06) do preciosíssimo podcast "Nos Armários dos Vestiários", da Globo Esporte, e muitas pessoas, ouvindo isso, talvez digam: "finalmente", "nenhuma novidade". Tais respostas, porém, embora sejam ainda hoje bastante esperáveis, comuns até, partem de pressupostos que podem, ou pelo menos deveriam, ser questionados. Explico-me: o que levaria alguém a imaginar, antes dessa declaração, qual a orientação sexual de Richarlyson?

Como muito bem lembrado por William de Lucca, um dos apresentadores do podcast, quando o Palmeiras aventou a possibilidade de contratação do jogador em fins de 2011, integrantes da torcida organizada Mancha Alviverde foram ao portão da Academia de Futebol do Palmeiras carregando orgulhosamente a faixa "A homofobia veste verde". E, nessa mesma época, um manifesto das torcidas organizadas do Palmeiras chegaram a emitir um manifesto, onde se liam coisas como: "A resistência da torcida não vem do fato estrito de Richarlyson ser supostamente gay, mas pelos trejeitos com que o atleta se manifesta publicamente. 'Ricky' é muito afeminado e jogou por muito tempo no inimigo."

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A diretoria do Palmeiras recuou e cancelou a negociação, uma troca com o Atlético Mineiro envolvendo Richarlyson e o jogador Pierre, nunca assumindo que a principal motivação da desistência foi pura lgbtfobia, ainda que isso estivesse explícito. Uma infestação de tweets, à época (e que ainda hoje podem ser vistos), dizia "Trocar Pierre por Richarlyson NÃO é sacanagem, é VIADAGEM!" ou, então, "Palmeiras sai do armário e contrata Richarlyson". Tudo uma grande brincadeira, não é mesmo?

Sim, o espírito era de brincadeira, mas os reflexos disso não são tão divertidos assim. Como imaginar um jogador se assumindo LGBTQIA+, quando situações como essa são tão comuns? Como fazê-lo, quando sabemos como heterossexuais se comportam perto da gente? Lembro até hoje de quando me assumi bissexual para um amigo e o primeiro comentário que ele me fez foi: "tudo bem, só não dê em cima de mim".

Dar em cima dele era a última coisa que passava pela minha cabeça, mas gente cis hétero costuma ser bem paranoica a esse respeito. E é interessante que boa parte desses homens se sente super confortável pra dar em cima de mulheres aleatórias na rua, na balada, no trabalho, mas se sentem profundamente desrespeitados quando homossexuais ou bissexuais dão em cima deles. A reação deles pode ser bem agressiva, de tão desconfortáveis que ficam; no entanto, nem passa pela cabeça desses homens que as mulheres que eles assediam diariamente podem se sentir da mesmíssima forma.

Mas, voltando ao Richarlyson, o que fazia com que as pessoas o vissem como LGBT? Até hoje, não havia nenhuma declaração oficial sua de que já tivesse se relacionado com homens, tudo se baseando no comportamento do jogador, que o manifesto de torcidas do Palmeiras afirmava ser "afeminado", com "trejeitos". Em pleno século XXI, ainda acreditamos que um homem que tenha um comportamento que destoe do padrão mais machão, brucutu, ogro só pode ser homossexual, ou pelo menos bi.

Parece que ainda não nos demos conta de que esse padrão mais machão, brucutu, ogro, típico de academias, é também hiper comum entre LGBTs e que, muitas vezes, ter um comportamento entendido como "afeminado" ou "feminino" sequer tem relação com a orientação sexual do sujeito. Há homens afeminados que só se relacionam com mulheres, assim como há homens bastante viris que só se relacionam com homens. Isso sem contar os bissexuais.

Ou seja: bissexual é quem sente atração por pessoas de todos os gêneros e, para sabermos se alguém é bissexual, a única forma é esse alguém dizendo-se bissexual ou tendo se relacionado com homens e mulheres. Acreditar que o comportamento de alguém é revelador da sua orientação sexual é reflexo unicamente da nossa LGBTfobia e do nosso machismo, só isso.

Parabéns pela corajosa declaração, Richarlyson! Espero que chegue logo um momento em que não seja preciso coragem para se dizer o que se é, para sentirmos orgulho de quem somos.