Preso mais de 20 vezes, cegueira e caos na Copa: de frente com um hooligan
Não é todo dia que pegamos uma carona com um ex-hooligan. Ainda mais com um dos ícones da violência no futebol inglês dos anos 80, época do ápice da selvageria dentro e fora dos estádios em meio a altos índices de desemprego no governo da conservadora Margaret Thatcher, a Dama de Ferro.
Em uma tarde chuvosa de outubro, o termômetro aponta 13 graus de temperatura no outono inglês. Do lado de fora de uma estação de trem de Birmingham, no centro do país, uma van branca aguarda a reportagem do UOL Esporte.
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Se no auge do hooliganismo, pontos de trem também serviam de locais de emboscada entre firmas (denominação das torcidas organizadas dos clubes britânicos), Barrington Patterson, 52 anos, está calmamente sentado no banco do motorista do veículo – na Inglaterra, ao contrário do Brasil, dirige-se do lado direito dos carros, e as vias também são invertidas.
Ao perceber que o repórter abre a porta do passageiro, Baz vira a cabeça para a esquerda para poder enxergar a visita com o olho direito. Do esquerdo, ele perdeu a visão ainda na infância, quando discutiu com a irmã e foi atingido por uma lata de refrigerante. Tinha apenas sete anos.
Por conta do olho esquerdo mais baixo, na escola passou a ser chamado de Cyclop em tom pejorativo. O apelido enfureceu o filho de imigrantes jamaicanos. Revoltado, respondia com socos e pontapés a cada provocação. Surgiu ali a paixão pelas brigas.
“Não tinha conversa. Era direto um 'boom’, relembra, já sentado à mesa da sala de casa, repetindo o gesto de um murro, com os intimidantes 115 kg distribuídos em 1,85m de altura.
A primeira das mais de 20 detenções da longa ficha corrida aconteceu logo aos 11 anos, por arrombar e invadir a propriedade de um vizinho. Na juventude, era comum roubo a lojas e vendas em busca de comida para a família de cinco filhos criados apenas pela mãe, Dorothy. O pai, Karl, passou oito anos preso após esfaquear uma pessoa em bate-boca na frente do lar.
Na virada dos anos 60 para os 70, enquanto jogadores negros passaram a ganhar um pouco mais de espaço no futebol inglês, uma geração de jovens afro-caribenhos começou a se identificar mais com o futebol do que com o críquete. O racismo era recorrente nas arquibancadas, e Birmingham, cidade de grande mistura étnica, também sofria do mesmo mal. O preconceito racial foi um dos principais combustíveis para a fúria de Patterson.
“Eu amava brigar, dava qualquer coisa para sair na mão”, admite. “Nunca me interessei por futebol em si, não sabia o nome de nenhum jogador. Só queria arrumar confusão antes, durante e depois dos jogos. Covardes e frouxos jogam futebol e ficam se agarrando no campo”, declara o torcedor do Birmingham City, então na elite, mas atualmente na Segunda Divisão, vestido com meias azuis esgarçadas, shorts e camiseta preta básica.
Na parte de trás da blusa, quatro letras remetem a uma das firmas mais violentas do apogeu dos confrontos entre torcidas: Zulu. A firma da qual Baz era linha de frente se chamava “Zulu Warriors”, cujo nome o entrevistado também leva tatuado nas costas, perto do pescoço, e na parte posterior do bíceps do braço direito.
Os Zulus eram compostos por diferentes grupos étnicos, exceção à regra da maioria das firmas, majoritariamente formadas por brancos. “Tudo começou por volta de 1982”, recorda Patterson. “Na época eu saía sete dias por semana para brigar com skinheads no centro da cidade. Com o tempo, surgiu amizade entre nós, e fomos convidados para os jogos, porque eles sabiam que iríamos gostar das brigas que aconteciam por lá”, relembra.
“Quando entrei pela primeira vez no St Andrew’s (estádio do Birmingham City), tomei um susto: p*** que pariu, só tinha brancos. Só que depois da partida nos envolvemos em uma briga e pensei ‘c***, é isso o que quero para mim, esse sou eu de verdade”, revive, com brilho nos olhos e sorriso que exibe um dente incisivo lateral de ouro cravejado com diamante.
Embora seja grande a rivalidade com o Aston Villa, da mesma cidade, a maior batalha na trajetória do hooligan aconteceu em 11 de maio de 1985, quando o Birmingham recebeu o Leeds em casa. “Um dia inesquecível, cara”, diz, saudoso. “Marcamos entre os Zulus de nos encontrarmos no centro da cidade, porque naquela época o Leeds era respeitado, então era importante quando a rapaziada deles vinha para cá”, explica. “Chegamos ao estádio e estávamos prontos para o que pudesse acontecer. Aí eles invadiram o nosso campo. C***, o nosso gramado? Nem f***. Virou briga generalizada com os torcedores do Leeds, com a polícia. Foi f***, um dia para a história”. Cerca de 500 feridos e um aficionado visitante de 15 anos visitante morto esmagado com a queda de um muro.
Em contraste com a imagem imponente, Baz tem a fala tranquila e mantém o tom de voz inalterado em quase duas horas de conversa. “Estou muito mais calmo com o passar do tempo”, reflete o ex-lutador de MMA e kickboxing. Atualmente, ajuda moradores de rua e exerce variados empregos. Entre eles, atua como conselheiro de segurança de bares de Birminghan. No entanto, não tem permissão de exercer formalmente a função de vigilante por causa das condenações por assalto e lesões corporais graves no passado violento. “Nenhuma por causa do futebol, todas elas por brigas de rua mesmo”, diz o pai de quatro filhos com quatro mulheres diferentes.
O que esperar dos hooligans na Copa da Rússia
Baz seguiu os Blues em incontáveis viagens ao redor da Inglaterra, mas nunca fez o mesmo pela seleção do país. Apesar disso, anima-se quando a Copa de 2018 vira tema. A ansiedade passa menos pelo futebol e mais pela vontade de acompanhar o comportamento dos hooligans russos, que protagonizaram confrontos na última Eurocopa, na França.
“Vai ser um caos, porque a polícia russa é cruel e vai permitir que os russos ataquem os outros hooligans”, projeta. “O Putin (presidente da Rússia) elogiou o que os caras fizeram na Eurocopa. Se o líder do país faz isso, o que podemos esperar? Vai ser a chance de os russos se mostrarem para o mundo”.
“A rapaziada do leste europeu é destemida, cara. Embora sejam racistas filhos da p***, gosto de como eles vão para o combate, do mesmo jeito que fazíamos na minha época: só com os punhos e os pés, sem arma”, analisa. “Os poloneses e os croatas são iguais. Não vejo chance para os ingleses contra eles. Os ingleses só querem beber, e os outros caras vão para o pau”.
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