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Roland Garros: um resumão-ou-não em 39 parágrafos

Roland Garros chegou ao fim. Foram 15 dias de muita chuva, muito tênis, um par de polêmicas e, no fim, os dois favoritos acabaram com os troféus nas mãos. Chegou a hora do tradicional resumão (ou não) que o Saque e Voleio (quase) sempre traz após os slams com fatos e, sobretudo, opiniões. Role a página e repasse comigo essas duas semanas nos 39 parágrafos abaixo.

1. Há muito a elogiar sobre Carlos Alcaraz, mas o principal nesta edição de Roland Garros foi sua capacidade de levar seu tênis a um nível estratosférico nos momentos mais nervosos. Foi assim no quinto set contra Jannik Sinner, nas semifinais, e novamente na decisão, contra Zverev. Carlitos tirou bolas mágicas que não só proporcionaram pontos importantes, mas afetaram os ânimos dos oponentes. Não por acaso, o espanhol tem, na carreira, um histórico de 11 vitórias e apenas uma derrota em jogos decididos no quinto set.

2. O sétimo game do quinto set, quando Zverev sacava em 2/4, é para emoldurar. Primeiro, Alcaraz ganha um ponto cruzando duas direitas velocíssimas que forçam um erro de Zverev. Depois, chega ao break point com uma passada de backhand feita com uma só mão (e nem foi slice!). Por fim, quebra o saque (e a esperança) de Sascha com outra direita insanamente potente.

3. Alexander Zverev volta para casa com um gosto amargo de perder mais uma final de slam depois de estar a um set do título (fez 2 a 0 contra Thiem no US Open de 2020 e 2 a 1 sobre Alcaraz hoje). Fez, porém, um belo torneio do começo ao fim. Desde a grande atuação na estreia para derrotar Rafael Nadal.

4. A final masculina foi divertida e cheia de alternativas, mas é verdade que houve altos e baixos dos dois tenistas. Estranho para quem começou a ver tênis na época do Big Four, mas perfeitamente normal para a modalidade. Havia muito em jogo para ambos, e uma final de slam é uma ocasião grande. Foi apenas a terceira de Alcaraz e a segunda de Zverev. Em tempo: foi a primeira final de Roland Garros sem Nadal, Djokovic ou Federer desde 2004!

5. Não por acaso, Novak Djokovic deu uma entrevista no ano passado declarando que finais de slam eram cada vez mais fáceis para ele. Não, não foi um comentário desrespeitoso a seus rivais de circuito, mas apenas uma constatação de que, após viver esse tipo de ocasião tantas vezes, muitas situações que eram novas ou fonte de tensão para outros atletas, ele lidava com naturalidade. O mesmo valeu para Roger Federer e Rafael Nadal durante muito tempo.

6. Aplausos para o tweet abaixo, da conta oficial de Roland Garros. "Conhecemos este muito bem", postou o torneio durante a execução do hino da Espanha na cerimônia de premiação.

7. Um artigo do veículo francês Libération usa o verbo nadaliser, em francês, para descrever "tornar-se imbatível durante a quinzena de Roland Garros". Era um texto que descrevia os méritos de Iga Swiatek, que conquistou seu quarto título em Paris nos últimos cinco anos. Desde seu primeiro título, Nadal também foi campeão quatro vezes em cinco anos no saibro parisiense.

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8. Usar Nadal como referência para exaltar Iga não é machismo. É apenas usar a melhor (e mais conhecida) referência porque no circuito feminino recente, não há um parâmetro para comparar o que Iga vem fazendo especificamente em Roland Garros. Nem Serena Williams foi tetracampeã do torneio.

9. Iga também tem a assustadora capacidade de elevar seu nível de tênis em finais. Na carreira, a polonesa venceu 22 finais e perdeu só quatro. É assustador para uma menina de apenas 23 anos e cinco títulos de slam no currículo.

10. Fora a óbvia campeã, Jasmine Paolini foi o grande nome do torneio feminino. Aproveitou uma chave que se abriu, chegou às quartas sem precisar encontrar uma cabeça e, na hora que o fez, eliminou Elena Rybakina, o que Iga Swiatek também deve ter comemorado. Depois, venceu fácil uma semifinal contra Mirra Andreeva. Contra Iga, não havia muito a fazer. Suas armas foram neutralizadas pela polonesa, que faz tudo melhor e ainda tem mais recursos.

11. Jannik Sinner teve todos motivos para sair de cabeça erguida. Chegou como dúvida, sem a preparação física ideal e recuperando-se de uma lesão no quadril. Fez um grande torneio, mostrou evolução no saibro e esteve a alguns games da final. Só perdeu para um Alcaraz que elevou muito seu nível de jogo no quarto e no quinto sets da semifinal.

12. Novak Djokovic também mostrou um tênis melhor do que vinha jogando, mas também teve momentos ruins no torneio antes mesmo de a lesão no joelho mostrar-se algo sério. Os analgésicos lhe permitiram vencer Cerúndolo e passar às quartas, mas no fim foi preciso desistir do torneio e passar por uma cirurgia. Neste momento, Wimbledon parece improvável. Nole ainda não falou, mas imagina-se que seu objetivo seja retornar a tempo dos Jogos Olímpicos.

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13. Ainda sobre Djokovic, o americano Peter Bodo escreveu um artigo interessante sobre o uso de analgésicos e como "um homem que sempre escutou seu corpo até que sua paixão por conquistas lhe traiu." Leiam aqui (em inglês).

14. Rafael Nadal fez uma bela apresentação em comparação com o nível de tênis que tinha mostrado nos torneios anteriores (Barcelona, Madri e Roma). Se não foi adiante em Roland Garros, deixou seus torcedores com a esperança de que dias melhores virão, possivelmente nos Jogos Olímpicos Paris 2024, cujo torneio de tênis será justamente em Roland Garros.

15. Quem também saiu otimista de Paris foi Naomi Osaka, que teve match point com o saque, mas não conseguiu derrubar Swiatek na segunda rodada. Nesse dia, mostrou um nível de tênis muito mais alto do que vinha apresentando no saibro. Termina a temporada de terra batida passando a sensação de que pode voltar a brigar por coisas grandes, sobretudo na quadra dura, sua especialidade. Logo veremos se a expectativa vai se confirmar.

16. A Itália teve finalistas na chave feminina (Paolini, vice), nas duplas masculinas (Bolelli e Vavassori, vices), nas duplas femininas (Errani e Paolini, vices), e nas duplas masculinas juvenis (Cina, vice). Ainda teve semifinalistas nas simples masculinas (Sinner), simples juvenis masculinas (Carboni) e duplas femininas juvenis (Paganetti). Parabéns, Itália.

17. Mérito da federação italiana? Há quem diga que não. Ivan Ljubicic, ex-top 10, ex-técnico de Roger Federer e atualmente diretor na Federação Francesa de Tênis, disse em uma coletiva na última semana: "Não acredito em um sistema. Já falei antes. O sistema treina a mentalidade, a atitude, mas não os jogadores de altíssimo nível. Na Itália, conhecemos a estrutura. São todos projetos individuais. Sinner nunca jogou um dia na federação. Ele fez treinos em grupo e períodos de treino, mas nenhum dia na federação."

18. O "bom moço" Hubert Hurkacz protagonizou uma das cenas mais patéticas do torneio quando sugeriu a seu adversário do dia, Grigor Dimitrov, a substituição da árbitra de cadeira - só porque ficou descontente com uma chamada da juíza (que, como foi possível ver na TV, estava correta). Veja abaixo:

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19. Para compensar, um gesto feliz. Alex de Minaur, depois de derrotar Jan-Lennard Struff e alcançar as oitavas de final, presenteou um jovem fã que não deixou a quadra apesar dos rain delays e gritou o jogo inteiro para apoiar o australiano. O superfã não só ganhou uma toalha após a partida como foi procurado pelo atleta (com direito a mensagem em rede social pedindo ajuda para encontrar o menino) e ganhou ingressos para as duas partidas seguintes. O garotão, aliás, foi vestido igualzinho ao tenista.

20. A torcida, como sempre, foi um problema. O público francês é bem conhecido por vaiar tenistas sem precisar de grandes motivos para isto. Este ano, a coisa passou um pouco do ponto. Iga fez um brilhante apelo após derrotar Naomi Osaka. David Goffin foi outro que saiu de quadra pistola. A organização do torneio proibiu a entrada de bebidas alcoólicas nas arquibancadas e, coincidência ou não, a segunda semana foi bem menos turbulenta.

21. Até o sábado da final feminina, o torneio aplicou 20 multas, o que nem é tanto assim, considerando a quantidade de partidas. No entanto, vale apontar que cinco dessas 20 multas foram aplicadas à família Tsitsipas, que competiu com Stefanos nas simples e Petros, ao lado do irmão, nas duplas. Todas as cinco foram por coaching.

22. A participação brasileira em Roland Garros não foi das melhores. Se é possível comemorar a presença de seis atletas nas chaves de simples, algo que não acontecia há 36 anos, é justo lamentar as seis derrotas na primeira rodada. Não que tenha sido um fiasco. Acho que não cabe usar palavras como vexame ou decepção. Não como grupo. Para uns, estar na chave principal já foi um feito. Para outros, perder na estreia foi, sim, decepcionante.

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23. De Bia Haddad Maia esperava-se mais. A derrota para Elisabetta Cocciaretto veio com uma atuação que deixou a desejar, sobretudo no saque. A italiana dominou o serviço da brasileira e colocou Bia na defensiva, o que não deveria ter acontecido.

24. Laura Pigossi, pelo contrário, fez mais. Encarou a número 20 do mundo, Marta Kostyuk, e levou a ucraniana a um tenso terceiro set. Abriu 4/0 no terceiro set antes e exigiu uma reta final de jogo quase impecável da rival. Uma partida que deixou um gosto amargo porque mostrou que o triunfo de Laura era possível, mas que também encantou pela luta de Laura.

25. Thiago Monteiro e Thiago Wild perderam jogos ganháveis, mas duros. O cearense fez dois sets abaixo do seu melhor contra Kecmanovic e, depois, tinha uma montanha a escalar para vencer. Não conseguiu. Wild parecia bem no duelo com Monfils até o começo do terceiro set, mas caiu na armadilha do francês, que ficou no fundo da quadra desafiando o brasileiro atacar primeiro. Wild topou correr os riscos e pagou o preço cometendo muitos erros não forçados.

26. Felipe Meligeni deu azar no sorteio e caiu contra o top 10 Casper Ruud na estreia. Podia ter feito mais - até porque não foi uma atuação brilhante do norueguês - mas mesmo assim dificilmente sairia com a vitória. A diferença de nível, hoje, é bastante alta.

27. Gustavo Heide também fez mais do que o esperado. Encarou o #20 do mundo, Sebastian Báez, e teve uma quebra de vantagem no quinto set. No fim, a agressividade do paulista resultou em mais erros, e o argentino avançou, mas não deixou de ser uma campanha animadora de Heide que, lembremos, veio do quali.

28. Nas duplas, ninguém brilhou em especial, mas Orlando Luz e Marcelo Zormann, que entraram como alternates, fizeram uma bela apresentação diante de Bopanna e Ebden. Perderam por 6/4 no terceiro set.

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29. Nomes além dos já citados acima que surpreenderam e devemos ficar de olho nos próximos torneios e meses: Matteo Arnaldi, Zizou Bergs e Elisabetta Cocciaretto.

30. Roland Garros inovou com câmeras nas cabeças dos árbitros. Ideia boa, mas mal executada. Quando os árbitros desciam da cadeira para conferir as marcas das bolas no saibro, era quase impossível vê-las porque as câmeras acompanham o movimento da cabeça, mas não dos olhos. Fora isso, é interessante ter esse tipo de câmera quando há discussões entre árbitros e atletas, mas foram raros os casos em que a transmissão oficial usou esse ângulo.

31. A final masculina teve uma polêmica na suposta dupla falta de Alcaraz que deixaria o placar igualado no quinto set (o árbitro deu bola boa, Alcaraz teve o primeiro saque outra vez no 15/40 e acabou confirmando o serviço). Muita gente disse que a transmissão não mostrar replay era "prova" de que o árbitro estava errado. Alguns pontos sobre isso: 1) um replay do ângulo original não provaria nada; 2) funcionaria, sim, um zoom da marca, mas com o árbitro ali e Zverev agachado, talvez nenhuma câmera teria o ângulo ideal para mostrá-la; e 3) a transmissão da NBC americana mostrou a imagem do Hawk-Eye, que indica bola fora, mas o Hawk-Eye também tem uma margem de erro, então não me parece justo tirar conclusões nem a partir dela (veja abaixo).

32. Qual a medida dessa margem de erro do Hawk-Eye? Ninguém divulga (e deve haver um motivo para isso!), mas dá para ter uma ideia vendo o que aconteceu com o mesmo sistema durante uma partida de Rafael Nadal no Masters de Madri deste ano. O sistema deu bola boa, mas a marca está nitidamente fora. Logo, trata-se de uma margem grande o bastante para que não adotemos a imagem do saque de Alcaraz como verdade absoluta.

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33. O Star+, que vai aumentar de preço, segue cortando as transmissões com áudio em inglês nas fases finais dos slams. O motivo? Possivelmente, obrigar o público a ver os comerciais da transmissão que vai ao ar na ESPN. Será que o novo pacote da Disney, que vai custar R$ 62,90 mensais, também vai nos obrigar a ver comerciais?

34. Ainda sobre televisão: o anúncio da Rolex que rodou nos comerciais da ESPN tem um erro grotesco de tradução. É quando o locutor fala em "busca incessante pelo adversário ideal" (no original, a expressão é perfect match, que tem duplo sentido e pode significar "partida perfeita" ou "combinação perfeita", mas nunca "adversário ideal"). Incrível como uma empresa desse porte deixa passar algo assim. Veja aqui o anúncio original.

Meu top 5

Para terminar este post com momentos felizes, eis aqui meu top 5 de pontos espetaculares no torneio. A começar com...

5. Iga Swiatek e uma aula de construção de ponto na final do torneio.

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4. Rafa só fez uma partida, mas também está na minha lista porque ele fez... coisas de Rafa.

3. O pódio começa com Casper Ruud, neste lance espetacular contra Tomas Etcheverry.


2. Quinto set, final, tudo em jogo, e Alcaraz faz uma passada de backhand com uma das mãos. Insano!

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1. Lorenzo Musetti é o campeão aqui porque gostamos de backhand de uma só mão. E quando esse backhand vem quase do estacionamento e contra Novak Djokovic, fica imbatível!

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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