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Ash Barty anuncia fim da carreira: tênis perde sua estrela mais pé no chão

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

23/03/2022 01h50

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Não foi um anúncio numa exclusiva bombástica para uma revista de celebridades; não foi uma entrevista para um talk show badalado; e não veio na forma de frases feitas e revisadas cautelosamente por um assessor de comunicação. Nada disso. Ashleigh Barty deixa o tênis bem a seu estilo. Em uma entrevista gravada com sua amiga Casey Dellacqua, com quem dividiu momentos importantes dentro de quadra, revelou que vai deixar o tênis profissional agora, aos 25 anos, enquanto lidera o ranking mundial.

Não é uma revelação precoce. Não haverá tour de despedida nem exibições aqui e ali para dar adeus a seus torneios preferidos. Ash simplesmente parou, e sua aposentadoria, embora soe precoce a um público que vem acompanhando veteranos obcecados por recordes esticando carreiras e desafiando os limites do tempo e da medicina, é perfeitamente compreensível para quem acompanha a australiana, vê suas entrevistas e conhece seus pontos de vista.

"É difícil dizer, mas estou tão feliz e tão pronta que sei, no meu coração, que é o certo para mim como pessoa. Já fiz isto antes, mas com uma sensação muito diferente. Sou tão grata a tudo que o tênis me deu. O tênis me deu todos meus sonhos e mais, mas seu que o momento é agora para eu parar, buscar outros sonhos e descansar as raquetes", disse Ash. Veja no vídeo abaixo.

Mas por que agora? "É algo em que venho pensando há muito tempo. Alguns momentos incríveis na minha carreira foram divisores. Wimbledon, no ano passado, mudou muito para mim como atleta e como pessoa. Quando você trabalha duro por toda a sua vida por um objetivo, e compartilhei isso com pessoas incríveis, mas conseguir vencer Wimbledon, que era meu sonho verdadeiro no tênis, aquilo mudou minha perspectiva. Eu tive aquela sensação depois de Wimbledon e conversei com meu time depois. Havia uma pequena parte de mim que não estava totalmente satisfeita. Veio o desafio do Australian Open, e acho que aquilo, para mim, foi minha maneira perfeita de comemorar a incrível jornada que foi minha carreira. Como pessoa, é isso que quero. Quero buscar outros sonhos e sempre tive esse balanço saudável, mas estou muito empolgada", explicou a número 1 do mundo.

E mais: "Minha felicidade não dependia de resultados. E sucesso, para mim, é saber que dei tudo que posso. Estou realizada, feliz e sei quanto trabalho é necessário para tirar o melhor de si. Disse para o meu time várias vezes: 'Não tenho mais isso em mim. Não tenho a motivação física, a emoção, a vontade, tudo que é necessário para se desafiar até o topo'. Apenas sei que estou cansada. Fisicamente, não tenho mais nada a dar. Isso, para mim, é sucesso. Dei tudo que tenho a esse lindo esporte que é o tênis e estou muito feliz com isso. Para mim, esse é o meu sucesso. Sei que as pessoas podem não entender, e estou de bem com isso porque sei que, para mim, Ash Barty, a pessoa, tem muitos sonhos que ela quer buscar e não envolvem necessariamente viajar pelo mundo, estar longa da minha família e do meu lar, que é onde sempre quis estar. Nunca parei de amar o tênis. Sempre será uma grande parte da minha vida, mas agora é importante que eu curta a próxima fase da minha vida como Ash Barty, a pessoa, e não Ash Barty, a atleta."

Pés no chão

Sem Ashleigh Barty, o tênis perde a mais "normal" de suas estrelas. Não, não há nada de ordinário no talento da australiana nem em seus slices ou no fato de que a líder de aces da WTA durante um bom tempo tem apenas 1,66m de altura. Ash, a atleta, a Ash que entra em quadra, não é "normal". O que coloca essa jovem de 25 anos em uma prateleira diferente é seu jeito pé no chão. Ash nunca se deslumbrou com o sucesso, nunca se julgou acima das companheiras de profissão, e jamais sequer tentou ser a "celebridade" que outras números 1 buscaram ser por meio da ação de agentes e empresários nos bastidores.

Ash é a número 1 (seu nome ainda aparece no topo do ranking enquanto escrevo este texto) que chega, te cumprimenta, olha nos olhos e, se o papo estiver bom, pede uma cervejinha sem pudor nenhum para continuar a conversa. É também a número 1 que dá o devido mérito à adversária quando perde e o faz sem mágoa, aceitando que não era seu dia. É ainda a número 1 que, durante a pandemia, topou passar seis meses sem voltar à Austrália e, ainda assim, jamais reclamou das restrições de seu país ou pediu exceção ao governo. Nunca pisou numa quadra com a desculpa pronta para aceitar a derrota sem lutar até a última gota de suor.

Mais do que uma vencedora ou a dona de um jogo completo e versátil, o tênis perde uma pessoa exemplar, que nunca deixou de citar o quanto é preciso trabalhar duro para alcançar os objetivos; nunca deixou de mencionar a importância da equipe que esteve a seu lado em todos os momentos; e que nunca tentou furar uma fila ou tomou uma atitude egoísta durante a pandemia. Quando recebeu da WTA a chance de se vacinar contra covid durante um torneio nos EUA, Barty fez questão de saber se não estaria se vacinando antes de pessoas da comunidade local (não era o caso - havia doses adicionais no local).

E se o jeito pé no chão certamente ajudou Barty a conquistar tudo conquistou, é esse mesmo jeito de ver as coisas que colabora para a aposentadoria neste momento. Ash poderia seguir ganhando milhões e liderando a WTA numa época de equilíbrio, em que ela claramente tem mais recursos do que o resto do circuito. Em vez disso, fala que venceu em Wimbledon e Melbourne e que, para ela, isso já basta no tênis. É hora de buscar outras metas, viver outras coisas. Atitude tão rara e tão comovente ao mesmo tempo. Postura que merece de nós, fãs de tênis, toda torcida do mundo.

Parabéns, muito obrigado e boa sorte, Ash.

Coisas que eu acho que acho:

- Em números, Ash Barty se aposenta com 15 títulos de simples, três slams (RG/19, W/21 e AO/22), uma conquista no WTA Finals (2019) e US$ 23,8 milhões em prêmios conquistados dentro de quadra. Termina 2022 invicta (11 vitórias e dois títulos) e ocupa o posto de número 1 do mundo há 114 semanas seguidas, o que significa a quarta maior sequência da história do tênis feminino, atrás apenas de Graf (186), Serena (186) e Navratilova (156). Ao todo, Barty soma 121 semanas no topo da lista da WTA.

- O anúncio de Barty choca e faz total sentido ao mesmo tempo. Choca porque não estamos acostumados. Faz sentido porque tem tudo a ver com o que a australiana é, foi e sempre será para o tênis.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: "Good Riddance (Time of Your Life)", do Green Day. Porque it's something unpredictable, but in the end is right. I hope you have the time of your life, Ash.

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