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Paulo Anshowinhas

REPORTAGEM

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Técnico da seleção de skate que recebeu rim da esposa ganha filme na Mostra

O técnico da seleção olímpica de skate Rogério Mancha e esposa Camila Borba - Arquivo Pessoal
O técnico da seleção olímpica de skate Rogério Mancha e esposa Camila Borba Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

21/10/2022 04h00

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No alto dos seus 1,90m, nascido no Jardim Morro Verde, na Vila Sônia (zona oeste de São Paulo), o técnico da seleção brasileira olímpica de street skate Rogério Manosa, o Mancha, de 45 anos, é um dos nomes por trás das medalhas prateadas do Brasil nos Jogos de Tóquio do ano passado. Nesta sexta-feira (21), ele será o personagem principal do documentário "O Skt Me Levou", do diretor Lecuk Ishida, que estreia na 46ª Mostra Internacional de Cinema.

Mancha era skatista amador nos anos 1980, profissional na décadas de 1990. Nos anos 2000, ele foi juiz e gerente de marcas de skate como Element, LRG, Etnies, Supra e Emerica e atualmente cuida dos talentos e revelações do skate nacional da disciplina street, entre elas, o fenômeno Rayssa Leal.

Em 2013, Mancha descobriu uma doença autoimune chamada Glomeroesclerose Segmentar Focal (GESF), em que o próprio corpo ataca o rim e não tem cura, sendo o único tratamento o transplante.

Em 2016, logo após os Jogos Olímpicos do Rio, Mancha conseguiu seu terceiro rim com sua própria esposa, a chef de cozinha do restaurante orgânico Carrito, a paulistana Camila Borba, e hoje respira aliviado em sua nova fase da vida.

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O skatista e técnico da Seleção Brasileira Olímpica de Skate, Rogerio Mancha
Imagem: Julio Detefon/ CBSK - Divulgação

O UOL Esporte conversou com Mancha sobre Olimpíadas, veganismo, doação de órgãos, futebol, lições de vida e até de skate.

UOL Esporte - Depois do seu encontro com o Scarpa tem gente que acha que seu apelido vem da Mancha Verde, é isso mesmo?

Rogério Mancha - Não, eu sou são-paulino. O apelido veio de uma roda de skate que meu pai me comprou ainda na infância manchada de azul e branco e eu adotei. Eu sou fã do Scarpa por sua representatividade com o skate. Ele anda faz dois anos, e sua conexão com o skate é tão grande que eu estou até torcendo para o Palmeiras ser campeão brasileiro (sorri).

Mancha - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O técnico da seleção olímpica brasileira de skate Rogério Mancha
Imagem: Arquivo Pessoal

UOL Esporte - Duas medalhas de prata no street olímpico, ouro no Sul-Americano, você se sente o Abel Ferreira do skate?

Mancha - Oficialmente, eu sou consultor técnico. Posso dizer que sou o head coach, e gosto de estudar o skate, futebol, Fórmula 1 e Olimpíadas. A CBSK, junto com o COB, me colocou em cursos para me conectar com outros esportes. E minha bagagem histórica, junto com o processo olímpico, me faz planejar os treinamentos com uma equipe multidisciplinar para elevar o nível dos skatistas.

mancha e rayssa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O técnico Rogerio Mancha com a medalhista Rayssa Leal em Tóquio
Imagem: Arquivo Pessoal

UOL Esporte - Você é vegano?

Mancha - Atualmente eu sou vegetariano. Eu brigo para ter saúde no meu corpo, que é meu templo sagrado, que veio de um medo de querer continuar vivendo e em busca de uma solução. A alimentação é um fator importante para a cura. Daí que surgiu a ideia da Camila (esposa de Mancha) de criar o Carrito, de comida orgânica, que virou restaurante e está sendo um sucesso.

UOL Esporte - Conte mais sobre o restaurante.

Mancha - Somos um restaurante plant based, que cuida do alimento do começo ao fim. Não usamos carne nem derivados, sem nada químico ou conservantes. Fabricamos nosso leite vegetal com coco para fazer café latte, e fazemos o próprio pão com farinha sem glúten, e oferecemos uma releitura de pratos brasileiros

UOL Esporte - Quando está na rua o que você come? Porque não é fácil encontrar comida saudável em todo lugar.

Mancha - O Bob Burnquist foi uma grande inspiração neste sentido, porque a primeira vez em que eu vi comida mexicana foi na casa do Bob em São Paulo, nos anos 1980. Quando fui para a Europa em 1999, fomos jantar e ele pediu uma lasanha vegetariana, ou seja, há 22 anos ele já estava plantando orgânicos e tinha um restaurante brasileiro vegetariano chamado Bossa Nova. Tudo isso era muito inovador para mim. Quando estou na rua no Brasil aprendi a ter calma para ver o que vou por no corpo. Nos EUA eles são muito fortes em alimentação sem carne. Nas Olimpíadas era incrível, tinham refeitórios sem carne, sem glúten, mas em outros lugares procuro comer frutas, nozes, sucos naturais. Não precisamos de muito, basta que seja eficiente

UOL Esporte - Depois de transplantado o que mudou para você?

Mancha - (pausa, respira, para para pensar, se emociona e diz) Você pode viver né? (nova pausa). Antes do transplante eu ficava cansado para ficar em pé, o corpo era algo estranho, parecia velho, cheirava forte, não tinha força. Quando fiz um tratamento mais agressivo, ficava inchado, mais gordo, sentia muito sono, você corre o risco de pegar alguma doença oportunista e pode morrer. Hoje tudo mudou, apenas faço consultas a cada três meses, tomo remédio pela manhã e a noite e bola pra frente.

UOL Esporte - O que a sua esposa representa para você, já que uma parte dela está dentro de ti?

Mancha - No Brasil se fala muito de transplante, mas se fala pouco do doador. As pessoas têm medo de falar de doação de órgãos no Brasil porque envolve morte, mas existe doação entre vivos, como é o caso do transplante renal e de fígado. Tem mais de 50 mil pessoas na fila à espera de um órgão. A Camila, por meio do seu gesto altruísta, me deu essa oportunidade, essa chance de continuar vivendo com saúde, e criamos esse laço espiritual, familiar, que não é fácil ser compatível também, foi um gesto gratificante e sou muito grato a ela por ter sido minha doadora.

UOL Esporte - Qual a lição de vida que você conquistou com essa adversidade?

Mancha - A gente está vivendo e aprendendo sempre. Eu digo sempre para a molecada que vive reclamando, que tudo isso é muito pequeno. Acreditem mais no final do que no começo. Se o moleque teve uma derrota, diga que faz parte do processo, que o sucesso vem no final, assim você vive mais e planeja menos a longo prazo. Parece até uma utopia para alguém como eu que está planejando as Olimpíadas de 2024, e criando sub planejamentos para chegar até lá. Vai tranquilo, só de poder conseguir subir uma escada e apreciar tomar um café estando vivo, vale mais do que querer viver até os 100 anos.

UOL Esporte - Uma mensagem para finalizar

Mancha - Viva, viva e viva o momento. O futuro é viver o dia a dia, ser grato, pedir perdão, pedir desculpas e aprender que a gente não é perfeito.

Filme sobre Rogério Mancha estreia na Mostra de Cinema nesta sexta em São Paulo

O documentário longa metragem O Skt Me Levou, do diretor Lecuk Ishida, que narra a trajetória de vida do primeiro técnico da seleção brasileira olímpica de street skate, é um dos selecionados da 46ª Mostra Internacional de Cinema, que terá sua avant- premiere nesta sexta-feira (21), no Espaço Itaú de Cinema, no Shopping Frei Caneca, na Consolação, zona sul de São Paulo, às 21h.

Com produção da Bobó Filmes e roteiro de Tetê Cartaxo, o documentário narra de forma cruzada a trajetória de Rogério Mancha e as memórias de skatistas brasileiros por várias décadas, entre eles o tatuador Jun Matsui, o ativista da Ong Social Skate, Sandro "Testinha" Soares, a atleta olímpica Yndiara Asp e o Dj e produtor Zegon do N.A.S.A e Tropikillaz.

jun matsui - Ivan Shupikov/ O Skt Me Levou - Divulgação - Ivan Shupikov/ O Skt Me Levou - Divulgação
O skatista e tatuador Jun Matsui um dos personagens do filme
Imagem: Ivan Shupikov/ O Skt Me Levou - Divulgação

Para o diretor Lecuk, 56, que se orgulha de ser um dos poucos diretores asiáticos no país que também é skatista além de cineasta, e ter sido o criador da marca icônica de skate Lifestyle, "a relação entre o ser humano e seus gadgets, aqui representado pelo skate, cria um novo olhar na forma de pensar e agir, porque ele está acostumado a ver a cidade de lado e em uma outra velocidade", afirma.

A exibição desta sexta-feira (21) e sábado (22) às 15h no Cineclube Cortina, terão os ingressos à venda por R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). No dia 23 de outubro, as sessões serão gratuitas às 18h no Circuito SPCine dos CEUs Perus e Vila Atlântica.

A estreia oficial está programada para dia 9 de novembro na Cinemateca Brasileira, com mais uma exibição extra na Matilha Cultural (R. Rego Freitas, 542, na República) nos dias 12 de novembro às 19h, e depois entra para as plataformas de streaming na Apple TV, Net Claro, Vivo e YouTube Originals.