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Marcelo Damato: O Flamengo deveria estudar história

Flamengo: Everton Ribeiro, Diego Alves e Diego levantam o troféu de campeão da Taça Guanabara - Thiago Ribeiro/Agif
Flamengo: Everton Ribeiro, Diego Alves e Diego levantam o troféu de campeão da Taça Guanabara Imagem: Thiago Ribeiro/Agif

05/03/2020 04h00

O Flamengo, que vive sua melhor fase em mais de 35 anos, de repente encontrou um adversário sua altura: ele mesmo. O que o time encanta em campo, a diretoria desencanta fora dele. Para evitar os erros em que se mete, poderia consultar a história do futebol brasileiro. Está cheia de exemplos.

O primeiro é o Santos. Nos anos 50, o clube nem era o maior da sua cidade. Algumas diretorias fizeram um trabalho inovador e montaram um esquadrão em torno de um moleque que veio de Bauru. Nos anos 60 e 70, ganhou tanto que a diretoria achou que poderia viajar de avião de janela aberta. Se deu mal. Uma mala com dinheiro de uma excursão caiu no meio do voo e nunca foi encontrada (não sou eu que diz que a janela estava aberta, mas os dirigentes da época, para justificar o sumiço do dinheiro). Quando Pelé parou, o clube era uma bagunça. Ficou assim por décadas.

Nos anos 70, o Flamengo também estava em dificuldades e resolveu trabalhar. O garoto posto para liderar o time era de perto da Gávea. O clube inovou na gestão, na preparação física e o time foi campeão mundial. Quando Zico foi embora, ainda restava organização, mas ela foi se esfacelando, até atingir a fase "eles fingem que pagam e eu finjo que jogo."

Em São Paulo, o São Paulo seguiu outro caminho. Depois da construção do Morumbi começou de forma mais suave a ganhar títulos e protagonismo. Em 1987, liderou a formação do Clube dos 13. Em 1990, após um tombo, apostou num treinador que já estava aposentado, e ao fim de três anos foi bicampeão mundial, e o fez de uma forma tão suave que gerou pouca rejeição das torcidas adversárias, a ponto de pais fanáticos por outros clubes terem filhos tricolores. O clube não incomodava. E, ao contrário do senso comum, não incomodar é ótimo. Quem não incomoda cresce mais rápido.

E assim fez o São Paulo. Mas, com tanta vitória, uma hora a soberba chega. No começo de 1995, depois de o Expressinho (o time B, quase só sub-23) ganhar a Copa Conmebol-94 -atual Sul-americana-, um diretor disse que o clube descobrira a fórmula de ser campeão sempre. Vieram dez anos de seca, Paulistas à parte.

Em 2005, voltaram os títulos, mas junto veio uma soberba tamanho GG. Uma pesquisa de opinião levou os dirigentes a concluir que a característica dos seus torcedores era a arrogância, o exclusivo.

E aí veio a época do acordo com a Disney, da venda de joias assinadas na loja "SAO Store" da rua Oscar Freire, do Morumbi Concept Hall. Era o Soberano a todo o vapor. Outros clubes tentavam imitar e, o São Paulo, em vez de liderar, só queria avançar na cota de TV deles. Admiração virou ressentimento. Veio a crise e o fim do Clube dos 13, e o Soberano virou um clube na maior fila de sua história e com a estrutura política mais engessada entre os grandes.

Quando o São Paulo terminava sua fase de glórias, o Flamengo ganhou um Brasileiro, em 2009, mas era um clube tão bagunçado que o presidente foi campeão num dia e perdeu a reeleição no dia seguinte. E o que não podia piorar, piorou.

Nesse espaço o Corinthians, que vinha se reerguendo, conseguiu enfim chegar à sua Libertadores e Mundial. Ainda em Tóquio, os torcedores e dirigentes gritavam cheios de entusiasmo que iriam se manter humildes e que não iriam repetir os erros do São Paulo. Como onde há entusiasmo, a humildade não viceja, o Corinthians já começou a errar antes mesmo de sair do Japão, com a contratação de Pato. Aí perdeu o rumo na gestão, trocou a visão de longo prazo pela de curto e desde então, se não afundou, nunca recuperou o brilho.

Quando o Corinthians ainda comemorava, o Flamengo começava a trocar a marca de clube mais bagunçado do Brasil pela de mais organizado. Levou sete anos, até um Jesus atravessar o oceano Atlântico e transformar os jogadores em seus apóstolos.

Mas bastou isso acontecer para a diretoria repetir os erros do Santos, do Flamengo, do São Paulo, do Corinthians e também dar sua contribuição -como ver os demais times não como concorrentes, mas como meros coadjuvantes do seu show. Hoje, o Flamengo parece ter uma superioridade de gestão, de recursos, de equipe como nunca houve no futebol do Brasil. Mas não é assim. Outros já pareceram invencíveis.

Não existe fórmula para vencer. Mas todo time campeão uniu muito trabalho da base ao topo, visão de longo prazo, inovação, ciência, controle de gastos, sorte e uma boa equipe.

Existem muitas fórmulas para perder. Em geral, incluem arrogância, populismo, mesquinhez, visão de curto prazo, gastos a descoberto, azar e menosprezo a seus adversários.

O Flamengo mandou na primeira parte. Seguirá assim?

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