Pelada, um bioma brasileiro

Sou peladeiro desde moleque. Sempre tive uma peladinha semanal cativa para destilar minha essência futebolística. Deus me deu esse talento de trombar com os zagueiros e empurrar pro gol, procuro honrar a camisa que visto com muito humor inteligente e raça burra, aquela que nos faz dar carrinho em campo de terra batida, deslizar na grama sintética tatuando nossa coxa e jogar gripado na chuva. Só que uma coisa sempre me saltou aos olhos: o ecossistema da pelada e seus habitantes. As peladas, não importa em qual região do Brasil é disputada, têm um mesmo ecossistema com os mesmos tipos de frequentadores e funcionam perfeitamente como uma complexa engrenagem movida a resenha, suor, churrasco e cerveja. Vamos conhecer um pouco mais os personagens deste bioma tão brasileiro?
Toda pelada que se preza tem ao menos um Perna-de-Pau Piadista e motivador, cuja principal função é ficar de fora narrando os jogos, bebendo cerveja, sacaneando os atletas em campo e recepcionando os perdedores que acabaram de sair do gramado com zoações ou frases motivacionais.
Outro tipo indispensável a toda pelada é o Gordinho Habilidoso. O Gordinho Habilidoso é um jogador traiçoeiro, não no sentido maléfico da palavra, mas por possuir suas artimanhas, pois ao olhar o tipo físico do gordinho habilidoso, um atleta que chega pela primeira vez na pelada pode confundi-lo com um gordinho normal, também muito presente nos gramados do Brasil e do mundo, e seus marcadores tendem a entrar mais relaxados nas jogadas por acharem que vai ser fácil roubar a bola de uma pessoa sedentária. Mas, apesar do tipo físico, o gordinho habilidoso é ágil e na primeira oportunidade que tiver vai te dar uma caneta e desmoralizar perante seus amigos e o perna de pau piadista, te tornando o assunto principal da resenha pós-jogo.
Outro tipo que nunca falta em nenhuma pelada é o Driblador Guloso Reclamão. Responsável por boa parte das discussões no gramado, o Driblador Guloso Reclamão é normalmente o mais habilidoso e mais fominha dentre os membros do futiba, e, por uma maldade divina, também possui a característica de ser o mais reclamão e sem noção, ele nunca passa a bola, mas na primeira vez que alguém não o vir e tentar o chute a gol em vez do passe, ele vai dar um chilique, ficar dois minutos reclamando contigo e depois vai botar a culpa em você se o time perder. É um ótimo atleta para treinar nossa paciência.
O tipo mais carismático da pelada é o Pereba Gente Boa, o pereba gente boa é esforçado, nunca desiste de uma bola, não reclama dos companheiros, muitas vezes cede seu lugar no campo para alguém melhor no intuito de ajudar o time e é o mais boa praça entre os frequentadores da pelada. Ele não é exatamente o pior jogador em campo (sempre é o perna-de-pau piadista), mas nunca vai se destacar numa partida. É responsável por grande parte das entregadas porque é humilde e se oferece pra jogar atrás, mas ele é tão gente boa que pouca gente tem coragem de brigar com ele.
Um tipo que particularmente me irrita é o Jogador Medíocre de Autoestima Alta. Esse sim é um perigo. Ele joga direitinho, mas se acha o Cristiano Ronaldo, quer tirar o time, quer armar o time em campo, fica cantando todas as jogadas, pede a bola o tempo inteiro, quer bater pênalti escanteio, lateral, vez ou outra mete um gol, tem preguiça de marcar e adora colocar a culpa nos outros quando o time perde. O Jogador Medíocre de Autoestima Alta, se colocado no mesmo time do Driblador Guloso Reclamão, pode acabar com uma pelada ou desencadear uma porradaria generalizada. Muito cuidado.
Eu poderia passar um dia inteiro escrevendo aqui sobre os tipos de jogadores de pelada: o Zagueiro Que Não Ri; o Magrelo Alto Habilidoso; o Goleiro Suicida; o Playboy Craque de Bola... Ah, esse fantástico mundo do futebol amador. Numa próxima oportunidade, falaremos desses outros animais exóticos que habitam os campos, ruas e quadras de todo o país. Abraço para a rapaziada que me atura na peladinha de segunda na Pompeia! Até semana que vem!
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