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André Rocha

Vanderlei Luxemburgo é o verdadeiro "encantador de serpentes"

Vanderlei Luxemburgo e Maurício Copertino, do Palmeiras - Cesar Greco/Ag. Palmeiras
Vanderlei Luxemburgo e Maurício Copertino, do Palmeiras Imagem: Cesar Greco/Ag. Palmeiras

Colunista do UOL Esporte

10/08/2020 12h50

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Em novembro de 2016, Diego Lugano afirmou no programa "Bola da Vez", da ESPN Brasil, que Tite seria um "encantador de serpentes":

- O melhor que o Tite tem, a parte mais forte, é que é um grande encantador de serpentes, porque tem todos vocês da imprensa adormecidos, disse à época o uruguaio, ídolo são-paulino.

Tite assumira o comando técnico da seleção brasileira poucos meses antes e transformara a sexta colocada na líder absoluta das eliminatórias. Um ano depois de conquistar um título brasileiro pelo Corinthians apresentando nítida evolução profissional. De um treinador que poucos anos antes, no mesmo clube, havia faturado o título da Libertadores e do Mundial de Clubes.

Vivendo o auge da carreira e recebendo merecidos elogios. Também críticas, por ter aceitado prestar serviços a CBF depois de demonstrar sua clara oposição ao modus operandi da entidade, além das entrevistas um tanto enfadonhas para o público em geral, com termos complexos ou técnicos demais.

Corte para novembro de 2019. Exatamente três anos depois. Flamengo e Vasco empataram no Maracanã por 4 a 4 pelo Campeonato Brasileiro. Jogo antecipado para que o time rubro-negro decidisse a Libertadores em Lima no sábado. Dando atenção à competição nacional que liderava com folga, mas obviamente focado na final do principal torneio sul-americano depois de 38 anos. A ponto de Marcelo Gallardo, treinador do River Plate, afirmar que desconsideraria o desempenho do adversário no clássico carioca porque o nível de concentração estava muito abaixo, por motivos óbvios.

Mas no Brasil emergiu uma espécie de delírio coletivo. O treinador vascaíno, que não venceu a partida e viu seu time sofrer quatro gols, empatando no final em um "abafa", sem nenhuma organização, foi alçado à condição de "grande estrategista". "O Professor voltou!" gritavam os mais empolgados. Para muitos jornalistas, Gallardo deveria copiar a estratégia para vencer a decisão continental. Teria sido um "nó tático" em Jorge Jesus.

No domingo, a realidade: com a derrota do Palmeiras para o Grêmio por 2 a 1, o Flamengo de Jesus foi campeão da Libertadores e Brasileiro em 24 horas. E o Vasco terminou na 12ª colocação.

O time de Vanderlei Luxemburgo. Que foi parar no Palmeiras, que pensou em Jorge Sampaoli e Miguel Angel Ramirez, mas decidiu investir na experiência e no currículo vitorioso do técnico veterano no clube. Escolha legítima, mas com riscos assumidos.

Minimizados por um Luxemburgo disposto a trabalhar. Levando o antenado auxiliar Maurício Copertino e mostrando aos comandados vídeos do "Gegenpressing" de Jürgen Klopp no Liverpool. Mas na prática com dificuldades para transformar as ideias em desempenho condizente com as pretensões de um dos clubes com maior capacidade de investimento do país.

Sim, o trabalho foi prejudicado pela pandemia e por conta da saída repentina de Dudu, o craque do time que fizera Luxemburgo idealizar uma proposta que desse total liberdade ao camisa sete. Mas mesmo antes da saída do grande destaque individual, o Palmeiras oscilou demais e não conseguiu vencer no Paulista nenhuma equipe da Série A nacional. Nem o problemático Santos de Jesualdo Ferreira, nem o indecifrável São Paulo de Fernando Diniz.

Mas bastou a conquista do título paulista depois de empates em dois jogos de nível sofrível para que Luxemburgo novamente fosse incensado e alavancado à condição de um dos grandes treinadores da atualidade. Fazendo uma conexão direta entre o passado glorioso e a conquista do fim de semana, sem contextualizar os muitos fracassos por um longo período, considerando que o último grande feito foi o Brasileiro de 2004, com o Santos. Há quase 16 anos.

Tudo é esquecido para exaltar o treinador do Palmeiras. Porque venceu seu quinto estadual pelo clube. Especialmente por interromper uma sequência de vitórias em jogos decisivos do rival Corinthians. Mesmo nos pênaltis, depois de praticamente entregar o empate no Allianz Parque ao desperdiçar contragolpes e cometer faltas desnecessárias até a penalidade máxima de Gustavo Gómez sofrida e convertida por Jô.

Weverton virou a final do avesso e garantiu a taça que não vinha desde 2008. Com Patrick de Paula convertendo a última cobrança. Ele e Gabriel Menino representam uma mudança estratégica do Palmeiras, utilizando os talentos oriundos das divisões de base. Luxemburgo tem seu mérito por dar confiança aos garotos, porém não há nada de transgressor ou inovador. Está apenas cumprindo ordens da direção do clube.

E de repente vemos colegas que tantas e tantas vezes cobraram uma evolução no futebol brasileiro batendo palmas para quem não vem entregando tanto e adota um discurso nocivo ao debate. A narrativa de que "nada mudou", "somos pentacampeões e temos que ensinar, não aprender". Sem contar análises equivocadas como "Athletico do Tiago Nunes era reativo".

Incoerentes com a prática diária, mas que agradam os ouvidos mais ingênuos, românticos e desatualizados. Ou a ala palestrina da imprensa que confunde análise com gratidão.

Vanderlei Luxemburgo tem história fantástica, além de ser um personagem incrível, com tiradas espetaculares e a imperfeição humana que coloca ainda mais molho na receita. Particularmente este que escreve nada tem contra ele. Pelo contrário, até pelas origens parecidas no Rio de Janeiro existe até uma certa admiração.

Mas não é possível recolher a crítica. Ou a observação de que há muita incoerência e paixão nos elogios desmedidos desde sábado à noite. Por conta de um estadual que não pode ser superdimensionado pelo contexto. Ou pelo argumento até desonesto de que Palmeiras x Corinthians é um mundo à parte. Continua sendo futebol.

Menos na visão dos fãs incondicionais. Ou de ocasião. Para estes, Vanderlei Luxemburgo é o verdadeiro encantador de serpentes.