Onda proibida no RS é comparada a mar perfeito e fatal do 'crânio quebrado'

Surfistas brasileiros dizem que a Ilha dos Lobos, no Rio Grande do Sul, tem uma das melhores ondas do mundo. Apesar de ser boa para a prática de surfe, o esporte lá é proibido há 20 anos, por um motivo ambiental: o local é refúgio de lobos e leões-marinhos.

Quem já surfou por lá compara os tubos na praia gaúcha com os de uma região muito mais distante e conhecida por suas ondas perfeitas e perigosas: Teahupo'o, no Taiti.

Como é Teahupo'o

"Teahupo'o" significa crânio quebrado, em tradução literal do taitiano para o português. A explicação para o nome da praia é simples: suas ondas encontram uma bancada de coral bem rasa e afiada, capaz de rachar a cabeça de atletas, como já aconteceu algumas vezes ao longo da história.

A praia no Taiti é sonho de vários atletas
A praia no Taiti é sonho de vários atletas Imagem: Ben Thouard / AFP

Cinco mortes já foram registradas por lá, sendo a de Briece Taerea, um surfista local, a mais lembrada delas. Ele foi engolido por uma onda de quase 5 metros e morreu após quebrar o pescoço e as costas, em 2000.

A praia no Taiti é sonho de vários atletas e faz parte do Circuito Mundial de Surfe, mesmo com o perigo evidente. Isso ocorre graças à formação perfeita para a manobra mais clássica do surfe, o tubo, em que o esportista flui por dentro da onda.

Brasileiros em Teahupo'o

A experiência de brasileiros em Teahupo'o se divide entre o triunfo e o pesadelo: em 2014, Gabriel Medina chocava o mundo ao ser campeão sobre Kelly Slater por lá.

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Gabriel Medina durante competição em Teahupo'o, no Taiti
Gabriel Medina durante competição em Teahupo'o, no Taiti Imagem: Matt Dunbar/WSL via Getty Images

Já Neco Padaratz foi sugado por uma onda e arremessado para cima dos corais, onde acabou ficando preso, em 2000. O catarinense teve de ser resgatado e saiu de lá traumatizado, tanto que desistiu de voltar ao evento três anos depois. O brasileiro só retornou ao Taiti em 2004 e, dessa vez, surfou a onda sem problemas.

Todo ser humano tem seu limite e, hoje, meu limite é Teahupo'o. Não tenho problemas com outras ondas. Teahupo'o pode ser fatal, não estou preparado e minha vida vale mais.
Neco Padaratz, em carta enviada à imprensa após desistência

A superação também marcou a história de Bruno Santos. Natural de Itacoatiara, em Niterói (RJ), ele ainda tentava ganhar a vida como surfista de competição, em 2008, quando conseguiu surfar a "onda perfeita". Considerado um dos especialistas em ondas tubulares no mundo, ele sequer fazia parte da elite do esporte —entrou no torneio por meio das seletivas locais—, levou 15 pontos na perna após uma queda no mar e ainda quebrou todas as suas pranchas antes da etapa principal. Com uma prancha emprestada de um israelense que nunca tinha visto na vida, ele conseguiu levar o caneco da etapa.

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E a onda na Ilha dos Lobos?

A Ilha dos Lobos está localizada no litoral do Rio Grande do Sul, em Torres, a 1,8 km da costa. Em condições especiais, suas ondas se formam com um tubo tão perfeito que fica fácil entender por que ela é reconhecida, de forma quase unânime entre os surfistas, como "a melhor onda do Brasil".

Onda grande na Ilha dos Lobos, pico no Rio Grande do Sul conhecido pelas ondas mais perfeitas do Brasil
Onda grande na Ilha dos Lobos, pico no Rio Grande do Sul conhecido pelas ondas mais perfeitas do Brasil Imagem: Luis Reis Fotografia

O detalhe é que ela quebra praticamente sozinha há 20 anos. A prática de surfe na Ilha dos Lobos está proibida desde 2003 —e até a observação com barcos não é autorizada no local.

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Motivo: o lugar é um refúgio para lobos e leões-marinhos, além de outras espécies como focas e elefantes-marinhos. A área é protegida pelo Revis (Refúgio de Vida Silvestre da Ilha dos Lobos), uma unidade de conservação federal gerida pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

"É como se estivesse surfando uma onda parecida com Teahupo'o. Você sente que o fundo desaparece, fica muito oca, uma onda de slab [fundo de pedra] mesmo, só que perfeita", contou Carlos Burle, que teve a oportunidade de pegar um dia de ondas épicas na Ilha dos Lobos, em 2003, ao lado dos surfistas Rodrigo Resende, Alemão de Maresias, Pato Teixeira, Rodrigo Dornelles e Sylvio Mancusi.

"Esse dia estava muito perfeito, superou as minhas expectativas. Eu já tinha ouvido falar, sabia que era boa, mas naquele dia lembro que todo mundo falou 'não acredito que tem esse tipo de onda aqui'. Muito perfeita mesmo", complementou Burle.

*Com informações das reportagens "Surfistas da elite mundial se arriscam na onda que quebra o crânio", publicada em 20 de agosto de 2011, "Crânios quebrados: Mundial de Surfe chega à onda tão perfeita quanto temida", publicada em 11 de agosto de 2022, e "Conheça o brasileiro que domou mar que 'quebra crânios' bem antes de Medina", de 18 de agosto de 2016

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