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'Cocô é coisa séria': Sem fertilizante, fezes de animais viram alternativa

Ricos em nitrogênio e fósforo, os adubos orgânicos são um bom substituto ao uso de fertilizantes, que emitem grande quantidade de gases de efeito estufa - melGreenFR/ Pixabay
Ricos em nitrogênio e fósforo, os adubos orgânicos são um bom substituto ao uso de fertilizantes, que emitem grande quantidade de gases de efeito estufa Imagem: melGreenFR/ Pixabay

Maiara Marinho

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

23/09/2022 06h00

Com a escassez de fertilizantes causada pela guerra na Ucrânia, muitos têm aderido a adubos orgânicos como uma alternativa prática e que contribui com o meio ambiente. Além de serem ricos em nitrogênio e fósforo, duas substâncias essenciais que, no processo de compostagem, atuam como fonte de nutrientes, os adubos orgânicos causam um impacto positivo, pois não emitem a grande quantidade de gases de efeito estufa que caracteriza o uso de fertilizantes.

Nesse sentido, uma das alternativas que têm aparecido é o uso do cocô de cachorro como adubo. Será que realmente vale a pena?

Como funciona a compostagem de fezes de animais

O engenheiro agrônomo Caio de Teves Inácio, especialista e pesquisador em compostagem na Embrapa Solos, explica que a compostagem "precisa atingir temperaturas acima de 60°C". Segundo ele, o adubo deve descansar por pelo menos uma semana e a composteira pode ser feita diretamente no solo, de maneira uniforme, em uma pilha ou leira.

Caio recomenda, ainda, a utilização de luvas para manusear os resíduos e a mistura das fezes juntamente com resíduos alimentares à grama cortada — de preferência em quintais e jardins, ao ar livre. Não é recomendado esse tipo de compostagem em varandas e apartamentos.

Para maior eficiência, é importante ter em casa um termômetro e um medidor de umidade, que são essenciais para o monitoramento da temperatura do adubo orgânico.

O problema, como explica o especialista, "é que na compostagem caseira essas condições não são atingidas, em geral". Outra opção está no envio de amostras das fezes a um laboratório para assegurar que não há patógenos. Caso a compostagem com fezes de cachorro não seja feita nessas condições, ela pode representar um risco, transformando-se em um vetor de doenças.

Com a crise de fertilizantes, o adubo orgânico se torna uma alternativa sustentável e prática. - Confederação Nacional da Agricultura/Wenderson Araújo - Confederação Nacional da Agricultura/Wenderson Araújo
Com a crise de fertilizantes, o adubo orgânico se torna uma alternativa sustentável e prática.
Imagem: Confederação Nacional da Agricultura/Wenderson Araújo

Desperdício de resíduos orgânicos contribui para poluição

Resíduos orgânicos são diariamente enviados para aterros sanitários, causando desperdício de nutrientes importantes que poderiam ser reaproveitados e contribuindo para o aumento da poluição. Os processos de separação de resíduos, gestão e compostagem fazem parte dos 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), formulados pela ONU (Organização das Nações Unidas) em sua Agenda 2030 — um plano global visando ações concretas em direção ao desenvolvimento sustentável.

Como explica a Aliança Resíduo Zero Brasil, "a compostagem é um processo biológico de valorização da matéria orgânica e é uma das alternativas sustentáveis de aproveitamento das sobras de alimentos, uma forma de reduzir o desperdício de matéria orgânica e nutrientes, de resgatar o ciclo natural dos nutrientes (macro e micro) e inseri-los no solo". Quando misturados em aterro sanitário, os resíduos causam contaminação do solo e da água, resultando em um ciclo permanente de poluição.

Compostagem é coisa séria!

Pela importância que ocupa no debate público, a compostagem está prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos, que formula políticas públicas "de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos".

Para o engenheiro agrônomo, o assunto "é coisa séria", já que "compostagem é uma técnica que precisa ser bem feita, ainda mais quando envolve resíduos de animais". Esse tipo de adubação, com fezes de cachorros ou de bovinos, não deve ser utilizada em plantas comestíveis ou medicinais, por exemplo. A indicação, portanto, é para uso na jardinagem e arborização.

Apesar de os resíduos orgânicos urbanos terem o aterro sanitário como destino e de a compostagem contribuir para mitigar as emissões de gases de efeito estufa, Caio Teves recomenda que, para uso doméstico, o adubo com compostagem seja feito a partir de restos de alimentos, já que nós geramos muito mais esse tipo de resíduo orgânico do que fezes de cachorro. Para ele, "a compostagem de restos alimentares tem um impacto positivo bem maior'' e o manejo para uso doméstico é mais prático e seguro.

Mas, caso você queira contribuir com o meio ambiente ao não descartar as fezes de seu pet, em vez de utilizar o composto no seu quintal e nas suas plantinhas, é possível enviar o resíduo para empresas de compostagem especializadas. "Esse serviço já existe, e a coleta é domiciliar", comenta Caio. Antes de tudo, é importante garantir que as práticas sustentáveis não prejudiquem a saúde do seu lar.