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Pancadão no rio Negro: O dia que influencers de favela visitaram a Amazônia

Evento leva influenciadores periféricos a imersão na Amazônia - Helena Alba/Creators Academy
Evento leva influenciadores periféricos a imersão na Amazônia Imagem: Helena Alba/Creators Academy

Carlos Minuano

Colaboração para Ecoa, de Iranduba (AM)

19/09/2022 06h00

Localizada a quatro horas de barco de Manaus (AM), a tranquila comunidade ribeirinha do Tumbira teve recentemente sua rotina abalada por visitantes bem peculiares. Por toda a parte, pessoas fazendo selfies, gravando stories, ou curtindo um pancadão às margens do rio Negro, se misturavam com a população local, mais habituada ao som dos bichos, dos pássaros e ao cotidiano entre igarapés e a imensidão da mata.

Desde que se tornou uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) em 2008, junto com outras 18 comunidades do rio Negro, Tumbira nunca tinha recebido tantos visitantes como nesta primeira edição do "Creators Academy", um projeto focado em promover encontros entre influenciadores e biomas brasileiros.

A reportagem de Ecoa acompanhou a primeira expedição do projeto em solo amazônico, durante a última semana de julho. Entre os 50 convidados, a maior parte (35) era de favelas e periferias de todo o país. O pancadão comeu solto desde a saída no porto da capital amazonense.

'Quem tem voz são os influenciadores'

"A ideia de trabalhar com a Amazônia existe desde que eu comecei a fazer voluntariado pela região", conta a empreendedora social Kamila Camilo, uma das idealizadoras do projeto. A ideia da imersão amazônica veio da percepção da força dos influenciadores para engajar seus públicos com assuntos variados.

Uma pesquisa deste ano da Nielsen apontou que o Brasil possui mais de 500 mil influenciadores digitais, cada um com mais de 100 mil seguidores — número que supera o de médicos, dentistas, engenheiros civis e arquitetos formados no país. "Quem tem voz nesse país são esses novos comunicadores", constata Camilo. E são eles que diariamente seduzem milhões nas redes sociais.

Mas se o consumo e o comportamento podem ser influenciados, por que não aproveitar dessa fórmula para engajar audiências com as questões ambientais? Foi a partir dessa reflexão que, junto com o ativista Raull Santiago, a empreendedora começou a pôr em prática seu plano de levar influenciadores de diferentes perfis e partes do país para uma aventura na Amazônia.

O projeto envolveu uma logística complexa e cara, mas Camilo garante que saiu mais barato do que pagar o cachê de cada um para fazer uma campanha sobre o bioma. "Não contratamos eles, convidamos para uma imersão na floresta, e o que viveram vai reverberar."

A ideia da imersão amazônica veio da percepção da força dos influenciadores para engajar seus públicos com a causa ambiental. - Helena Alba/Creators Academy - Helena Alba/Creators Academy
A ideia da imersão amazônica veio da percepção da força dos influenciadores para engajar seus públicos com a causa ambiental.
Imagem: Helena Alba/Creators Academy

A aposta mirou no impacto que as narrativas dos influenciadores podem causar em suas audiências, objetivo que a empreendedora acredita ter alcançado. Mesmo com a produção de dados e a realização de debates, a grande diferença veio da experiência imersiva na maior floresta tropical do planeta. "Sentir o pé no chão, a temperatura da água, ouvir os sons dos bichos e da mata, isso estabelece outra conexão", comenta Camilo.

Encontro das favelas com a floresta

Os jovens periféricos do projeto New School, uma startup social de educação, embarcaram para a Amazônia com a ideia de conectar os alunos da rede pública com a floresta, por meio de exercícios que expliquem o sentido do bioma para quem vive em uma realidade urbana.

O New School nasceu a partir do descontentamento com a escola pública e, principalmente, quanto ao conteúdo das aulas. Para suprir lacunas de temas abordados no ensino médio, os criadores de conteúdos periféricos produzem séries sobre os mais variados assuntos — as quais ficam disponíveis na internet e nas redes sociais.

'O que a floresta ensina' foi um dos temas abordados nos encontros - Helena Alba/Creators Academy - Helena Alba/Creators Academy
'O que a floresta ensina' foi um dos temas abordados nos encontros
Imagem: Helena Alba/Creators Academy

"Em nossa aula amazônica, abordamos várias questões, como os problemas da região, desmatamento, garimpo ilegal, invasão de territórios de povos tradicionais e a urgência de políticas", conta Ronaldo Pinheiro, líder de pesquisa e desenvolvimento de quebrada da New School.

Uma figura central no "eixo quebrada" da viagem a Tumbira foi a cineasta periférica do Recife, Yane Mendes. "Ela foi inclusive a nossa grande estrela em termos de comunidade, uniu as pessoas, criou jargões", comenta a organizadora Kamila Camilo.

Mendes coordena, junto com outras pessoas, uma rede chamada Tumulto, além de integrar o PerifaConnection, coletivo que reúne comunicadores e lideranças periféricas de todo o país.

"Trabalhamos com a disseminação e produção de conteúdo além de formação de jovens e mulheres". Apesar do audiovisual ser o foco, ela conta que sua ferramenta central é a comunicação. "Se a pessoa só tem recursos para ouvir áudio, eu transformo em podcast".

A cineasta Yane Mendes - Helena Alba/Creators Academy - Helena Alba/Creators Academy
A cineasta Yane Mendes
Imagem: Helena Alba/Creators Academy

Para além dos aprendizados pessoais, a cineasta conta que a experiência em Tumbira pode gerar um grande impacto coletivo para sua comunidade. "Vou levar para as pessoas da minha comunidade essa ideia de que as lutas da favela e da Amazônia são semelhantes, para além da floresta ou da quebrada, estamos falando de pessoas que sobrevivem nesses territórios."

Descobrindo uma nova cidade

O intercâmbio do Creators Academy com o tema amazônico também incluiu experiências em Manaus. Essa foi a parte que mais marcou o influenciador Dayrel Teixeira, que, mesmo morando na cidade, nunca tinha entrado no teatro ou ido ao museu da Amazônia. Depois da viagem, já levou outros 30 adolescentes da comunidade onde vive para conhecer o espaço.

"Trabalho com funk, literatura, cultura e juventude periférica", diz Teixeira. "Tumbira foi uma das maiores experiências da minha vida". No plano pessoal, segundo ele, foi uma "parada" muito particular. "Nunca tinha entrado numa floresta, e por ser de periferia não tive acesso aos espaços culturais", conta.

Alguns convidados quase não toparam a viagem por medo. Medo de escuro, altura, mato, bichos. E, segundo Kamila Camilo, havia ainda os que não sabiam nadar — todos eles, pessoas pretas que, provavelmente, não tiveram acesso a praia ou piscina na infância, observa a empreendedora. "Mas eles botaram o colete e se jogaram no rio", conta.

Em vários momentos a viagem foi desafiadora. "No passeio noturno de barco tinha gente tendo crise de pânico", relembra Camilo. Olhar de frente para os próprios medos não ficou restrito aos temores mais comuns, como da mata e dos bichos. Para alguns o mais assustador era ter que se relacionar.

Inlfluencers passeiam de barco pela Amazônia - Helena Alba/Creators Academy - Helena Alba/Creators Academy
Inlfluencers passeiam de barco pela Amazônia
Imagem: Helena Alba/Creators Academy

"É muito fácil você se relacionar com a tela do seu celular e medir o amor pela quantidade de likes e comentários que recebe", comenta Camilo. "Teve gente na viagem que estava reaprendendo a fazer conexões."

A próxima viagem do Creators Academy será para o Cerrado, e quem quiser embarcar na expedição pode tentar a sorte preenchendo o formulário de interesse, disponível nas redes sociais, que fica aberto até o próximo dia 30 de setembro.

Podem se inscrever pessoas comunicadoras de diferentes perfis, avisa Camilo. Na primeira expedição para a Amazônia, estiveram presentes influenciadores com mais de 5 mil seguidores, mas a empreendedora afirma que o critério de seleção é outro. "O que nós avaliamos vai além do número total de seguidores, isso importa, mas a história e capacidade de furar bolhas é o que realmente procuramos."