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Menu de chef e drible bonito: Ex-jogador cria 1º time vegano das Américas

O elenco do Clube Laguna SAF, primeiro time vegano nas Américas - Annick Melo
O elenco do Clube Laguna SAF, primeiro time vegano nas Américas Imagem: Annick Melo

Rafael Monteiro

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

09/09/2022 06h00

Nasceu em 2021, na região de Seridó, no Rio Grande do Norte, o primeiro clube de futebol vegano do Brasil. Com camisa rosa e a certeza que é possível praticar esporte sem o consumo de alimentos de origem animal, o Clube Laguna vislumbra o sonho de chegar à elite do futebol nacional, sem abrir mão dos seus ideais mais caros: o futebol bonito e a sustentabilidade.

O principal nome por trás do projeto ambicioso é Gustavo Nabinger, ex-jogador e treinador de futebol com passagens pelas categorias de base de clubes tradicionais brasileiros. Adepto do veganismo há três anos, ele conta que a filosofia foi abraçada de forma natural pelo clube, criado com a ajuda dos sócios Rafael Eschiavi e Deia Nabinger.

"Na verdade, a nossa ideia era criar um clube de futebol. Nosso negócio é futebol, mas o veganismo é um valor inegociável para a empresa. Dois dos três sócios do clube são veganos. Como é um valor pessoal muito importante para nós, não fazia sentido servir produtos de origem animal aos jogadores", diz Nabinger, formado em propaganda e marketing e educação física.

Primeira Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do futebol potiguar, o Clube Laguna terá sua estreia em partidas profissionais na segunda divisão do Campeonato Estadual do Rio Grande do Norte, em 28 de setembro. Ainda sem estádio próprio, o clube tem realizado treinamentos em Tibau do Sul, num estádio coincidentemente conhecido pela pintura verde.

"Isso (a cor) foi uma casualidade, não tem a ver com a nossa causa. É um campo privado daqui da cidade que nós alugamos para usar como centro de treinamento. Ele pertence ao Palmeira Futebol Clube", explica Naginger.

O Laguna foi criado em 2021, na região de Seridó, no Rio Grande do Norte - Annick Melo - Annick Melo
O Laguna foi criado em 2021, na região de Seridó, no Rio Grande do Norte
Imagem: Annick Melo

A alimentação vegana

Lewis Hamilton no automobilismo, Serena Williams e Novak Djokovic no tênis, Marta e Alex Morgan no futebol, Kylie Irving no basquete. São muitos exemplos de atletas de alto nível adeptos do veganismo - uma filosofia de vida que busca excluir, a longo prazo, todas as formas de exploração e crueldade contra animais.

Seguindo à risca o ideal dos seus criadores, o Clube Laguna se preocupa em oferecer uma dieta diferenciada aos jogadores. Com o apoio da Sociedade Vegetariana Brasileira, a SAF conseguiu montar uma equipe profissional adequada para o projeto, com psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta e médico. O cardápio dos atletas, aliás, foi criado por duas chefs veganas de renome no Brasil: Mirna Ribeiro e Cá Botelho.

"Os jogadores ainda estão se adaptando à dieta vegana. Mas eu posso te dizer que o nosso cardápio é de primeiríssimo nível. A gente não fica atrás dos times da primeira divisão em questão de oferta de nutrientes aos jogadores", gaba-se Naginger, destacando a oferta de alimentos frescos da região, como o coco fresco usado na tapioca artesanal oferecida ao elenco. Os atletas não são obrigados a seguir a dieta vegana fora das dependências do clube.

"Os jogadores só reclamaram até hoje que o menu tinha pouco feijão, algo que já corrigimos. Eles ficam surpresos com o sabor dos pratos. Muitos até nos procuram e dizem: 'não é possível que isso não é carne!'. Eles estão descobrindo que é o tempero que dá o sabor para a comida", complementa.

O clube (mas pode chamar de startup)

O Clube Laguna não quer ser apenas um clube de futebol. Em seu site oficial, a SAF se autodefine como uma "startup de impacto socioambiental através do entretenimento". Como qualquer negócio de grande porte que se preze, a empresa também tem uma frase de efeito como slogan ("alegria de jogar"), que ajuda a explicar a visão dos sócios sobre o futebol.

Camisa do time traz o lema do clube: "Alegria de jogar" - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Camisa do time traz o lema do clube: "Alegria de jogar"
Imagem: Reprodução/Instagram

"Nós queremos um time que jogue o futebol brasileiro histórico, baseado na técnica, na ofensividade, no drible. No esporte americano, as pessoas vão aos estádios para se divertir, para apreciar um bom evento. Nós compartilhamos dessa ideia. Claro, a gente é super competitivo e quer ganhar sempre, mas nem sempre dá certo. Por isso nós queremos garantir, antes de tudo, que a torcida se divirta sempre", analisa Nabinger.

O desafio de ser uma empresa num meio como o futebol, onde as relações entre os donos do dinheiro e torcedores costumam se tornar delicadas a depender de resultados esportivos e posicionamentos políticos, não assusta o responsável pela SAF. Para ele, o fato do Clube Laguna nascer como uma startup torna a relação mais transparente. Diferentemente de outros exemplos associativos do esporte, o Clube Laguna tem e sempre terá um dono.

"A Disney não é uma empresa? E ela não leva emoção para as pessoas? O Los Angeles Lakers, no basquete, leva emoção e também tem um dono. Na Premier League (liga de futebol inglesa, considerado o melhor campeonato nacional do mundo), a maioria dos times também têm donos. Além disso, tudo depende de gestão. Você acha que a torcida do Manchester City quer que o (Mansour bin Zayed) Al Nahyan vá embora?", questiona.

Um exemplo verde na Inglaterra

A maior inspiração para o Clube Laguna, por falar em futebol do Reino Unido, hoje disputa a League One, a terceira divisão do futebol inglês. Trata-se do Forest Green Rovers, a primeira equipe de futebol do mundo a receber a marca "Vegan" da Vegan Society. Embora criado em 1889, o clube se tornou referência sustentável no mundo após ser comprado em 2010 por Dale Vince, empresário de energia eólica.

Jogadores do Forest Green Rovers comemoram gol marcado em partida da League Two, da Inglaterra - Dan Mullan/Getty Images - Dan Mullan/Getty Images
Jogadores do Forest Green Rovers comemoram gol marcado em partida da League Two, da Inglaterra
Imagem: Dan Mullan/Getty Images

Desde a chegada do novo dono, o Green Rovers passou por transformações sustentáveis. O clube aboliu os alimentos de origem animal da dieta dos atletas - que agora aparecem em campo com camisas biodegradáveis. O estádio New Lawn também passou por grande transformação, adotando gramado vegano, mas o clube quer mais: já está em andamento o projeto do ECO Park, um estádio feito inteiramente de madeira.

Os resultados da mudança de gestão também foram vistos em campo. Antes um time amador, o Green Rovers se mantém nas ligas profissionais do futebol inglês desde 2017. "Eu já acompanhava o Forest Green por ser vegano. É um case de sucesso. Era um time super pequeno que viu a sua torcida aumentar significativamente no estádio. A gente pensa em repetir várias coisas legais deles", comenta Gabinger.

A meta: Clube Laguna na série A em 10 anos

Como jogador, Gustavo atuou pelo Atlético Clube Corintians, mais conhecido como Corinthians de Caicó, no próprio Rio Grande do Norte. Ele também jogou pelo Brasilis-SP (clube do ex-zagueiro da Oscar, titular na seleção brasileira na Copa de 1982), Clube Atlético Carazinho-RS e Campinas-SP, extinto em 2010.

"Eu fui um atleta teimoso. Logo de cara eu percebi que não tinha o talento suficiente para ser um jogador de alto nível. Então a minha carreira como jogador foi mais uma faculdade para treinador e gestor de futebol. Eu questionava o treinador, o preparador físico, os médicos, sobre os métodos propostos aos atletas", relembra Naginger.

O Laguna tem um plano para os próximos anos: conseguir jogar a série A do Campeonato Brasileiro - Annick Melo - Annick Melo
O Laguna tem um plano para os próximos anos: conseguir jogar a série A do Campeonato Brasileiro
Imagem: Annick Melo

Após encerrar a carreira, ele seguiu no futebol como treinador de base. No Guarani, ele ajudou a formar dois jogadores da elite nacional: Gabriel Menino, do Palmeiras, e Xavier, do Corinthians. Na mesma função, ele ainda trabalhou como Novorizontino, Figueirense, Ponte Preta (onde trabalhou com Vinicius Zanocelo, hoje meia do Santos) e Vila Nova.

"Quando eu saí do Vila Nova, eu estava muito desiludido. Eu percebi que não fazia mais sentido trabalhar com essa cultura do futebol sem projeto, de precisar a qualquer custo ganhar o próximo jogo. Com exceção do Vila Nova, eu sempre fui demitido por causa de troca de diretoria. Sempre fui demitido por briga política", lamenta.

Com o Clube Laguna, Nabinger acredita que poderá levar as suas ideias de esporte e sociedade para a elite do futebol brasileiro. "O nosso objetivo de longo prazo é chegar na Série A em 10 anos. O Cuiabá é um exemplo de clube que ascendeu muito rápido, assim como a Chapecoense", aponta.

Além de resultados esportivos, Nabinger, claro, também sonha ver arquibancadas cheias de torcedores do Laguna. Para isso, a bandeira do veganismo pode ser tão importante quanto a do clube.

"Nós queremos ter pessoas que comungam das nossas ideias na arquibancada. A gente já percebe uma onda pequena. Nós já temos muitos torcedores espalhados pelo Brasil. A gente recebe muita mensagem no direct no Instagram com gente pedindo para comprar camisa do Clube Laguna. Isso mostra o apelo do nosso clube e também da nossa causa", finaliza.