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Pesquisadores testam apps para facilitar tratamento de depressão pós-parto

Aplicativo Motherly está sendo testado por pesquisadores no tratamento de depressão pós-parto - Divulgação
Aplicativo Motherly está sendo testado por pesquisadores no tratamento de depressão pós-parto Imagem: Divulgação

Danilo Caseletti

Da Republica.org

27/04/2022 06h00

Nem sempre é fácil para uma mulher admitir a depressão pós-parto. O nascimento de uma criança é visto pela sociedade como um momento de felicidade quase que obrigatória. No entanto, fatores físicos e emocionais podem resultar em sintomas como tristeza, ansiedade, insônia, cansaço extremo, perda de interesse em atividades rotineiras e no próprio filho, entre outros.

Para ajudar no diagnóstico e no tratamento desse transtorno psicológico, que no Brasil atinge de 15% a 20% das mães, pesquisadores da área de saúde mental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo testem dois novos aplicativos gratuitos, o Motherly e o COMVC.

O estudo conduzido pela equipe liderada pelo médico psiquiatra e professor associado do departamento de psiquiatria da USP, Guilherme Polanczyk, tem como público-alvo mães entre 18 e 40 anos que tiveram filhos nos últimos 12 meses — essa última variável, por uma questão técnica de diagnóstico.

O psicólogo Daniel Fatori, pesquisador do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo), um dos profissionais envolvidos nesse estudo - batizado de Maay —, afirma que a ideia de utilizar aplicativos nasceu em um outro projeto do qual ele participou, anos atrás, que acompanhou mães adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Fatori diz que percebeu que essas jovens mães não tinham acesso ao tratamento psicológico ou psiquiátrico quando algum distúrbio as atingia. "O sistema privado é proibitivamente caro, e o público não dá conta de atendê-las", explica.

Por isso os aplicativos em teste têm justamente como objetivo ser um tratamento inicial para ajudar as mulheres que apresentam sintomas de depressão ou ansiedade. Para participar do estudo, além dos critérios de idade e tempo de maternidade, as mães precisam ter acesso a um smartphone para que possam acessar o conteúdo de psicoeducação e as técnicas psicológicas que os aplicativos oferecem.

O acesso é dado mediante uma inscrição no site. Após responder a um questionário, a participante, se preencher os critérios, é contatada por telefone por uma pessoa da equipe que vai confirmar as informações fornecidas e checar se ela entendeu a finalidade do estudo.

O próximo passo é passar por uma avaliação online com um psicólogo, que dura cerca de 1h e envolve questionamentos sobre saúde mental e qualidade de vida. Se aprovada, a mulher entrará em um sorteio que vai definir qual dos dois aplicativos ela vai testar. Um monitor, então, fará um novo contato para ajudar a participante a instalar o aplicativo e explicar suas funcionalidades.

"É como um medicamento, a gente precisa ter certeza de que ela usará corretamente. Se ela entrar no estudo e não fizer tudo de maneira correta, o tratamento perde seu efeito. Ele depende bastante do engajamento da pessoa", explica Fatori.

O tratamento dura cerca de 1 mês e inclui avaliações online. Depois desse período, a paciente é submetida a outra avaliação. Nos aplicativos, além dos conteúdos que esclarecem o que é a depressão pós-parto, há técnicas, por exemplo, de reestruturação cognitiva, que envolve comportamento.

"A depressão, muitas vezes, está ligada à forma como vemos o mundo. Essa técnica tenta ajudar a paciente a mudar esse viés. A partir do momento que a mulher entender esses vieses, ela poderá questioná-los e perceber, não o que é certo ou errado, mas o que é melhor para sua situação naquele momento", afirma o psicólogo.

As participantes também têm acesso a técnicas de meditação, para usá-las em momentos de ansiedade ou estresse. Apesar do conteúdo especializado, os pesquisadores deixam claro que os aplicativos não substituem a busca pelo atendimento presencial com um profissional especializado.

Caso um dos avaliadores perceba que o caso requer o atendimento presencial com um médico ou psicólogo - como em casos de idealização suicida, por exemplo -, a mulher é encaminhada para uma rede referenciada, como o IPq, por exemplo.

O projeto é financiado pela Open Society Foundations, rede internacional de filantropia fundada pelo magnata George Soros, e custou US$ 100 mil. Para ter sua eficácia testada, precisa atingir 264 mulheres. Desde o final do ano passado, quando os aplicativos entraram no ar, cerca de 80 participantes já participaram dos ensaios clínicos.

Fatori diz que ainda não pode fazer grandes avaliações sobre os resultados dos testes já concluídos, mas, um outro estudo, realizado dois anos atrás, que, além do aplicativo, incluía sessões de psicoterapia, foi aprovado pelas mulheres.

"Percebemos que as mulheres gostam desse tipo de iniciativa e também que elas têm certa dificuldade de encontrar bons aplicativos, aqueles que foram desenvolvidos por médicos e psicólogos e pensados no contexto da mulher brasileira", diz.

O psicólogo diz que, quando se trata de estudos e de desenvolvimento de novos produtos, há sempre certa dificuldade em migrar para o mundo real, porém, além do desejo para que isso aconteça, caso os resultados se mostrem positivos, existe a percepção que os aplicativos são totalmente viáveis para serem implementados por empresas ou instituições como aliados dos primeiros diagnósticos e dentro da universalização de técnicas de tratamento.

Diagnóstico precoce. O psiquiatra Joel Rennó Jr, diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do IPq - o estudo é realizado por meio do instituto - acredita que aplicativos como os propostos pelo estudo são importantes não só para o diagnóstico, mas também para o acompanhamento da melhora clínica das pacientes.

O médico afirma que os profissionais que lidam com as mulheres durante e após a gravidez - ginecologistas e pediatras - precisam estar atentos para os sinais de depressão que elas possam apresentar - muitas vezes, o distúrbio aparece antes mesmo do parto.

"A literatura médica mostra que 60% dos quadros de depressão pós-parto são oriundos da doença não diagnosticada e não tratada no período da gravidez. Por isso, hoje usamos os indicadores de periparto (como a escala de Edimburgo, por exemplo) que ajudam a fazer esse rastreamento desde o início da gestação. Infelizmente isso ainda não está bem estruturado na saúde pública brasileira", afirma Rennó Jr.

Segundo o médico, todas as mulheres têm tendência a desenvolver depressão pós-parto - por isso o estigma deve ser evitado. "Há mulheres mais sensíveis às oscilações dos níveis hormonais, como acontece no pós-parto. É um fator biológico. Além disso, há situações de gatilhos estressores, como gravidez não planejada ou oriunda de um estupro e situações socioeconômicas", explica.
Rennó Jr chama atenção para o índice elevado de mulheres que apresentam quadro de depressão pós-parto -- uma em cada 5. A esquizofrenia, por exemplo, atinge 1% da população e o transtorno bipolar, 2%.

O psiquiatra diz que o tratamento do distúrbio também envolve mitos e preconceitos. "Infelizmente, muitas mulheres procuram ajuda quando o caso já está grave, depois de três meses do início do quadro. Aí não há outra alternativa que não o uso de medicamentos. Em quadros leves, a psicoterapia pode ser a primeira escolha", diz.

O médico explica que, nos casos em que a mulher precisa fazer o uso de medicamentos, a preocupação sobre a amamentação também não deve ser fator que impeça o tratamento, já que existem medicamentos que não passam quase nada ou muito pouco para o leite materno - um especialista sempre deve ser consultado.

"O tratamento é sempre necessário. Uma depressão não tratada prejudica o vínculo da mãe com o filho e isso atrasa o desenvolvimento cognitivo e socioemocional da criança", explica Rennó Jr.

Esta reportagem foi desenvolvida em parceria com a Republica.org, organização social apartidária e não corporativa que se dedica a contribuir para a melhoria do serviço público no Brasil, em todas as esferas de governo.