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Júlia Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não há como se manter neutro diante de Cuba

Relatos de Cuba - lições de resistência. - Julia Rocha
Relatos de Cuba - lições de resistência. Imagem: Julia Rocha

20/01/2023 06h00

Manhã de 18 de janeiro de 2023

Escrevo de Havana, ainda internalizando os primeiros impactos do que é estar aqui. Aos que não me conhecem e me leem hoje pela primeira vez, sou uma militante política brasileira que neste momento realiza o sonho de conhecer pelos meus próprios olhos a ilha que ousou enfrentar o império estadunidense e triunfou.

Este aqui será um espaço para as minhas memórias sobre este país.

Não esperem de mim neutralidade. Sou uma mulher comunista, uma médica comunista, uma cantora comunista, uma escritora comunista e, obviamente, uma viajante comunista. Meu objetivo é aproximar você que me lê agora, mas não tem a possibilidade de estar aqui, da realidade vivida pelas pessoas comuns em Cuba.

Aliás, preciso dizer que esta minha sinceridade inicial pode lhe parecer inusitada ou inadequada mas, a meu ver, você deveria pensar sobre isso sempre que se puser em contato com qualquer notícia sobre Cuba. Diante desta ilha, de sua história, de sua ousadia revolucionária e do seu triunfo, não há como se manter neutro. Esta é a verdade.

Contudo, há os que se dizem neutros. E é aí que mora o perigo.

Se isto para você ainda é algo difícil de entender, ao longo dos próximos dias você terá a oportunidade de compreender com riqueza de detalhes do que estou falando.

Cuba é um país de 11 milhões de habitantes e seu território equivale a menos que um estado como Minas Gerais.

Além de todos os desafios típicos de qualquer país do mundo, como por exemplo as questões de produção agrícola, a questão energética, a manutenção dos serviços públicos de educação, saúde, segurança, além de investimentos em ciência e tecnologia, em infraestrutura e tantas outras coisas, o povo aqui precisa lidar com desafios extras. São condições incomuns impostas pelo embargo cada vez mais rigoroso por parte dos Estados Unidos.

De oxigênio às seringas para aplicar as vacinas contra covid-19 produzidas por Cuba. Dos quimioterápicos ao petróleo. As proibições imperialistas de comércio com este país foram ao longo das últimas décadas uma tentativa brutal de sufocar o regime socialista da ilha.

Durante a pandemia foram tomadas medidas por parte dos Estados Unidos que avançavam na imposição de restrições comerciais. Eram centenas as restrições. Além de serem inúmeras as regras, a cada novo avanço estadunidense, elas iam se tornando cada vez mais escandalosas. Chegou-se ao ponto de, no início da pandemia, tempo em que todos os países se preparavam para o enfrentamento do potencial letal da infecção, Cuba ter se voltado aos seus parceiros comerciais habituais para conseguir suprimentos e equipamentos de saúde e ter como resposta a negativa de venda até mesmo de respiradores. Seus parceiros comerciais costumeiros foram terminantemente proibidos de fornecer sequer respiradores, esses aparelhos essenciais para tratar doentes graves de covid-19, sob pena de altíssimas multas.

Estas são histórias que dividirei aos poucos com vocês. Cada ponto deste enredo merece muito da nossa atenção. A princípio, eu diria o que disse para Tony e Irma, o casal de cubanos que me recebe em sua casa neste momento:

É de se esperar que os Estados Unidos façam as maiores atrocidades para sufocar o regime e o povo cubano. O que se pretende é atribuir isto a uma consequência natural de uma revolução socialista.

É de se esperar que recrudesçam as regras do embargo, que espalhem mentiras sobre o que acontecem aqui dentro do país.

É preciso usar Cuba como um mau exemplo para domesticar e moderar todos os focos de luta política na América Latina.

A intenção é justamente dizer aos trabalhadores de toda a região: não se organizem. Não ousem contestar o poder estabelecido. Não lutem por uma vida melhor e pelo fim da exploração. Do contrário, faremos com vocês o mesmo que já estamos fazendo com Cuba.

Semana que vem, conversaremos sobre a história recente de Cuba, especialmente sobre as manifestações ocorridas em 11 de julho de 2021. Penso que será uma boa maneira de compreendermos juntos e com profundidade como acontece o enfrentamento cotidiano do povo cubano diante do imperialismo estadunidense.

Até lá.