Com atores surdos, 'No Ritmo do Coração' leva representatividade ao Oscar
História de uma adolescente que é a única ouvinte em uma família com pais e um irmão com deficiência auditiva, o longa "No Ritmo do Coração" foi premiado com o Oscar melhor filme na noite de domingo (27).
O filme de Sian Heder também foi premiado nas categorias de melhor roteiro adaptado e melhor ator coadjuvante, pela performance de Troy Kotsur como Frank, o pai da protagonista. No Brasil, o filme está disponível no streaming, em plataformas como Prime Video e Apple TV+.
Kotsur foi o primeiro ator surdo a ser indicado e a ganhar um Oscar. No filme, ele contracena com Marlee Matlin — no papel de sua esposa, Jackie —, primeira (e única) atriz surda a ganhar um Oscar em 1987, e com Daniel Durant, que interpreta o filho do casal, Leo. As atuações do trio têm sido reconhecidas como um ponto forte do longa.
Na trama, a protagonista Ruby Rossi (Emilia Jones) cursa o último ano da escola. Ela se divide entre o dever de ajudar no ofício da família — a pesca marítima —, atuando também como intérprete para os pais e o irmão, e o sonho de se dedicar à música, com a perspectiva de deixar a cidade para estudar numa universidade de prestígio.
Embora tenha relação com a particularidade do contexto familiar da personagem, o conflito de se desprender da família para seguir o próprio caminho é comum em histórias de amadurecimento e é tratado pelo filme sem antagonismos fáceis. À medida que percebe a importância da música para Ruby, a família a apoia mesmo sem poder ouvi-la. Muito ligada aos pais e ao irmão, ela também sofre com a perspectiva de ir para longe, mas entende que eles ficarão bem na sua ausência.
Na maior parte do tempo, o tom de "No Ritmo do Coração" é leve e se equilibra entre enternecedor e divertido. Com isso, se distancia do retrato típico feito pelo cinema da vida de pessoas com deficiência.
O longa também usa estratégias para enfocar a experiência dos personagens surdos. Grande parte dos diálogos são em língua de sinais e, em determinadas cenas — como em um recital no qual a família vê Ruby cantar — o som é mutado para que o espectador ouvinte seja colocado na perspectiva deles.
Mas ainda é possível avançar: alguns espectadores criticam a maneira em que o filme coloca a família como totalmente dependente da interpretação de Ruby e a abordagem simplista dada à relação de pessoas surdas com a música.
Bastidores da produção
"No Ritmo do Coração" é uma refilmagem de "A Família Bélier", filme francês de 2014 em que os personagens surdos foram interpretados por atores ouvintes.
A prática é vigente no cinema comercial e criticada pela comunidade surda. Em entrevista à revista norte-americana Variety, a atriz Marlee Matlin afirmou que o filme acendeu irreversivelmente em Hollywood o debate sobre "casting autêntico" — a ideia de que papéis de pessoas com deficiência, trans ou racializadas devem ser interpretados por atores desses mesmos grupos.
A escolha da diretora Sian Heder de escalar atores surdos para dar vida aos personagens do filme indicado ao Oscar, em vez de atores ouvintes mais famosos, contrariou o estúdio de cinema que estava tocando o projeto inicialmente. Heder decidiu então rodar o filme de maneira independente.
Preocupada com a acessibilidade no set, a diretora aprendeu ASL (a língua de sinais norte-americana) para se comunicar diretamente com os atores, contando com o suporte de intérpretes quando necessário. Houve também uma etapa de pesquisa junto à comunidade surda e a consultoria de artistas surdos para traduzir as falas dos personagens para os sinais mais adequados e expressivos.
Todo esse trabalho foi reconhecido quando o filme venceu o Festival de Sundance e foi comprado pelo serviço de streaming Apple TV+ pelo valor recorde de U$ 25 milhões (cerca de R$ 128 milhões), sucesso que culmina nas indicações recentes ao Oscar.
Nos EUA, todas as exibições do filme nos cinemas contaram com acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva.
Profissionais surdos na frente e atrás das câmeras
Nos últimos anos, atores surdos conquistaram maior visibilidade em blockbusters como "Eternos", da Marvel, (com Lauren Ridloff) e na franquia de terror "Um Lugar Silencioso" (com Millicent Simmonds). Seu espaço também cresceu na TV norte-americana e no streaming.
Como no caso de "No Ritmo do Coração", essas filmagens também têm contado com mais colaboradores surdos atrás das câmeras. A experiência desses profissionais contribui para tornar os filmes mais fiéis a detalhes e nuances que dificilmente estariam no radar de pessoas ouvintes, além de deixar atores surdos mais confortáveis.
"Há muitos atores, roteiristas, diretores e produtores surdos e muitas histórias para contar", disse a veterana Marlee Matlin em uma reportagem publicada pelo New York Times em 2017.
Documentário indicado traz história de atleta surdo
"Audible", um curta documental da Netflix, acompanha Amaree Mckenstry, um jogador de futebol americano com deficiência auditiva, e seus companheiros de time na Escola de Maryland para Surdos. O jovem atravessa um momento difícil: o luto pelo seu melhor amigo que cometeu suicídio e a preparação para um jogo importante.
O filme de cerca de 40 minutos de duração também foi indicado ao Oscar de 2022, na categoria de melhor documentário em curta-metragem, mas não foi premiado. A experiência do protagonista é oposta à retratada em "No Ritmo do Coração", já que Mckenstry cresceu em uma família na qual era o único surdo. Mas, assim como no longa ficcional, a narrativa é centrada no amadurecimento de um personagem prestes a iniciar a vida adulta.
"Audible" foi dirigido por Matt Ogens, um cineasta ouvinte, mas contou com o ator e ativista surdo Nyle DiMarco na produção executiva.
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