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Como 'No Ritmo do Coração' fez história com atores surdos em drama familiar

Emilia Jones como Ruby em cena do filme 'No Ritmo do Coração' (2021)
Emilia Jones como Ruby em cena do filme 'No Ritmo do Coração' (2021)
Divulgação

De Splash, em São Paulo

16/09/2021 04h00

Uma amiga me mandou uma mensagem outro dia e disse: 'Meu marido chorou mais vendo o seu filme do que no nascimento da nossa filha'.
Siân Heder, em entrevista para Splash

Para a diretora e roteirista Siân Heder, receber esse tipo de reação ao seu filme "No Ritmo do Coração" virou rotina. Felizmente, as lágrimas costumam ser boas.

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Isso porque o filme vem arrancando elogios e suspiros desde que foi exibido para o mercado em janeiro deste ano, no tradicional Festival de Sundance, do qual saiu como vencedor da mostra competitiva.

Assista ao trailer

O sucesso vem de uma fórmula simples, aplicada com maestria. O filme acompanha uma família de quatro, dos quais apenas a filha mais nova é ouvinte. Aluna do ensino médio, Ruby (Emilia Jones) é cantora, mas precisa dividir o tempo entre os estudos e ajudar os pais e o irmão, surdos, com a pesca.

Ruby entra para o coral da escola, mas tem certas dificuldades para se expressar por não se sentir confortável no centro das atenções. Ironicamente, ela é a mais talentosa da turma.

CODA?

O título original do filme é "CODA", que em inglês é uma sigla para "filhos de pais surdos" (children of deaf adults, no original). Mas há um duplo sentido, já que "Coda" é como é chamada a parte final de uma música, e no filme tudo se conecta.

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A história, afinal, é sobre o fim da infância de Ruby e todos os laços que se rompem nessa etapa da vida.

O conflito de Ruby com os pais é o maior diferencial do longa, que trata esta relação navegando entre momentos que arrancam risadas genuínas e outros que trazem as lágrimas que costumam conquistar a audiência.

Parte do mérito disso está na escolha do elenco. O filme é uma versão do francês "A Família Bélier" (2014), e Heder optou trabalhar com atores surdos para os papéis dos pais e do irmão. No caminho, ela denuncia a falta de acessibilidade em grandes projetos do cinema.

O filme francês é maravilhoso, mas foi uma oportunidade perdida de trazer mais autenticidade para os personagens e explorá-los de forma tridimensional, como uma família de verdade.
Sian Heder, em entrevista para Splash
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Reprodução - Reprodução
Cartaz de 'A Família Bélier' (2014)
Imagem: Reprodução

No desejo de corrigir essa questão em seu filme, Heder acabou encontrando outro problema:

Não há muitos atores surdos famosos por aí. Tem Marlee Matlin, e é isso. Precisávamos escalar atores desconhecidos, o que nos deu um certo medo por questões de financiamento.

No fim, escolher escalar atores que não estampam as capas das principais revistas fez com que Heder decidisse rodar o filme de forma independente. E ela tinha motivos claros para isso.

Eu sou ouvinte, esta não é a minha comunidade. Eu sentia que não deveria contar essa história a não ser que me cercasse de colaboradores surdos, por trás e à frente das câmeras.
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Mark Hill - Mark Hill
A diretora Siân Heder e a atriz Emilia Jones nos bastidores de 'No Ritmo do Coração'
Imagem: Mark Hill

A escolha, para ela, teve resultados claros.

Isso me trouxe mais liberdade enquanto diretora. Eu sentia uma responsabilidade imensa de acertar, porque estava representando uma cultura que raramente é vista nas telas.

Para garantir a precisão, Siân contou com tradutores de ASL nas locações e passou por um processo de constante aprendizado dentro de sua perspectiva ouvinte.

Seacia Pavao - Seacia Pavao
Daniel Durant (Leo), Marlee Matlin (Jackie), Troy Kotsur (Frank) e Emilia Jones (Ruby) em 'No Ritmo do Coração'
Imagem: Seacia Pavao
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"Eu comecei a assistir a peças do Deaf West Theatre, uma companhia de Los Angeles que faz peças em ASL (Língua Americana de Sinais) e tem atores de voz fazendo a dublagem.

Foi em uma dessas peças que a diretora encontrou sua estrela: o ator Troy Kotsur, que interpreta o patriarca, Frank. E através das pesquisas, ela descobriu que a autenticidade do filme estava nos momentos simples: "O roteiro era a planta. Depois que entramos na casa, começamos a decorá-la".

Que tipo de alarme essa família teria? Qual a tensão com a filha? O quanto de responsabilidade ela tem e o quanto são eles tentando estar em contextos em que não precisam estar?

A recompensa de seguir este caminho veio em janeiro, quando "CODA" quebrou um recorde do festival de Sundance, ao ser adquirido pela Apple, nos Estados Unidos, por US$ 25 milhões. No Brasil, chega aos cinemas na próxima quinta (23), pela Diamond Films.

Seacia Pavao - Seacia Pavao
Emilia Jones como Ruby em cena de 'No Ritmo do Coração'
Imagem: Seacia Pavao
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Será que o filme teria o mesmo desempenho se Heder tivesse escalado atores ouvintes apenas por serem mais famosos?

Para ela, a honestidade das emoções expressas pelos personagens é o segredo. E este segredo dependia da equação correta na construção da história.

Penso sobre muito sobre o humor. Eu escrevi aquelas piadas, e talvez elas já fossem boas. Mas quando Troy as tomou, elas ficaram melhores. O mesmo acontece com outras emoções.

Quem é Sian Heder?

Heder já trabalhou em pelo menos uma série bastante badalada: ela foi roteirista e produtora de "Orange Is the New Black", da Netflix, mas também é um dos nomes por trás da antologia "Little America", do Apple TV+, e escreveu e dirigiu "Tallulah" (2016), com Elliot Page.

Divulgação - Divulgação
Cartaz da série 'Little America', do Apple TV+
Imagem: Divulgação

Em sua carreira variada, embora tenha assumido projetos de vários nichos diferentes, há sempre algo em comum: a busca por boas histórias em lugares esquecidos? "Gosto de falar sobre pessoas que estão à margem da sociedade e não são retratadas como heroínas. São histórias que criam conexões."

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O segredo é contar histórias simples que sejam subversivas, porque estamos olhando para personagens que não enxergamos normalmente.