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Refugiados plantam 360 mil mudas e transformam deserto africano em floresta

Plantio de mudas transforma acampamento de refugiados em floresta em Camarões - Xavier Bourgois/ ACNUR
Plantio de mudas transforma acampamento de refugiados em floresta em Camarões Imagem: Xavier Bourgois/ ACNUR

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa

11/12/2021 06h00

A vegetação que cobre atualmente o campo de Minawao, no nordeste de Camarões, área que recebeu quase 70 mil pessoas em situação de refúgio em 2014, em nada lembra a vasta extensão de areia ao redor dos abrigos vista há sete anos. Na época, a vinda dos novos moradores acelerou o processo de desertificação da região, que já era árida e afetada por mudanças climáticas. As poucas árvores que existiam nas redondezas tiveram de ser cortadas para garantir lenha para as famílias vindas da Nigéria, que fugiam de ataques violentos liderados pelo grupo islâmico Boko Haram.

A transformação nesse cenário ocorreu graças a um programa desenvolvido pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a Federação Luterana Mundial (FLM) e a Loteria de Código Postal Holandesa, responsável pelo plantio de 360 mil mudas na região. "Para onde quer que olhemos, agora é verde", define o representante dos refugiados da Nigéria no campo, Luka Isaac, que junto com as famílias moradoras da região está empenhado em restaurar a vegetação por meio das três instituições.

Tecnologia do casulo

Lançada em 2018, a iniciativa está revertendo o desmatamento no campo e em aldeias da vizinhança, em uma área de 119 hectares. A mudança veio após o treinamento dos habitantes do campo de Minawao, que aprenderam a "tecnologia do casulo". Diferentemente de técnicas tradicionais, essa forma de plantio é voltada ao cultivo de mudas em ambientes hostis, em que haveria menos chance de desenvolvimento para as plantas.

A tecnologia foi criada pela companhia holandesa Land Life e envolve o uso de um pequeno tanque de água em formato redondo, feito com material reciclável e biodegradável, o Cocoon. Esse tanque é enterrado ao redor das raízes da planta, junto a um barbante. A técnica permite que a muda seja protegida e receba a umidade necessária para se desenvolver durante os seus estágios mais vulneráveis. Após essa fase, o Cocoon se desintegra no solo.

Campo de Minawao, no Nordeste de Camarões - Xavier Bourgois/ ACNUR - Xavier Bourgois/ ACNUR
Acampamento de refugiados africanos se transformou em floresta
Imagem: Xavier Bourgois/ ACNUR

Cerca de US$ 2,7 milhões foram investidos pela Loteria de Código Postal Holandesa no programa, participante da Grande Muralha Verde. A iniciativa tem como objetivo a criação de uma faixa verde da costa do Senegal até o leste da Etiópia, em aproximadamente 8 mil quilômetros de extensão, até 2030. Vinte países estão envolvidos no projeto.

Impacto positivo

Quatro anos depois do plantio das primeiras mudas, os resultados no campo de Minawao já fazem a diferença na vida dos moradores, conta Isaac. Ele relata que o crescimento das árvores gerou sombra, a possibilidade de cultivo de alimentos — o que antes não existia — e um ambiente bonito e saudável. "Antes, o ar estava muito empoeirado", contou ele à Federação Luterana Mundial.

Assistente de campo da ACNUR, Zara Maina observa que encontrar uma solução para o desaparecimento da floresta em Minawao era uma medida crucial para a comunidade. "O preço da madeira aumentou consideravelmente, causando conflitos com comunidades anfitriãs. As mulheres foram forçadas a entrar no mato para buscar lenha, expondo-se a potenciais ataques. Os animais tinham cada vez mais dificuldade de se alimentar", comentou ela à agência ONU.

Campo de Minawao, no Nordeste de Camarões - Xavier Bourgois/ ACNUR - Xavier Bourgois/ ACNUR
Campo de Minawao, no Nordeste de Camarões
Imagem: Xavier Bourgois/ ACNUR

Hoje, as folhas e ramos mortos da nova floresta são transformados em fertilizantes. A área verde tem ajudado ainda a reduzir erosões. "A floresta também atrai e retém água. As chuvas até aumentaram", reforçou Lydia Yacoubou, uma jovem nigeriana em situação de refúgio.

Carvão ecológico substitui madeira

Para evitar que a vegetação voltasse a ser transformada em lenha para suprir necessidades básicas dos moradores do campo, como cozinhar, também houve treinamento para produzir carvão ecológico. As famílias passaram a enviar seu lixo doméstico para centros de produção capazes de transformar esse material em carvão, destinado a fogões adaptados.

O trabalho nesses centros de produção é remunerado e não voluntário, como é o cultivo de mudas no viveiro do campo. Segundo a Fundação Luterana Mundial, mais de 5,5 mil famílias já foram treinadas na produção de carvão ecológico e cerca de 11,5 mil fogões adaptados foram distribuídos ao longo do programa.

Há, inclusive, uma cooperativa formada por cerca de 100 mulheres que produz e vende carvão e fogões adaptados para a comunidade. A renda gerada através da atividade possibilita que as famílias envolvidas comprem alimentos para complementar suas refeições.