O barato dos orgânicos

Procurando bem, não custa nada a mais - ou quase nada - deixar de levar agrotóxicos para casa

Tiago Jokura de Ecoa

Mais caro? Depende...

Quando se pensa em consumir orgânicos, uma das preocupações recorrentes para a maioria das pessoas é encaixar os produtos livres de agrotóxicos no orçamento. De acordo com o estudo Panorama do Consumo de Orgânicos no Brasil 2019, 75% dos 1.027 entrevistados, oriundos de todas as regiões do Brasil, consideram que produtos orgânicos são mais caros do que os não orgânicos. O levantamento foi publicado em setembro de 2019 pelo Organis (Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável), entidade que reúne empresas, produtores e fornecedores brasileiros do setor.

Só que não precisa ser assim: é possível ter acesso a orgânicos por preços praticamente iguais aos de produtos não orgânicos em supermercados. O segredo está em buscar formas alternativas de compra, como as feiras especializadas e os Grupos de Consumo Responsável (GCR), iniciativas de consumidores que se organizam para manter uma relação direta com os produtores (confira ao final da reportagem um mapa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor para encontrar a feira ou o GCR mais perto de você).

Uma pesquisa do Instituto Kairós, entidade civil sem fins lucrativos que apoia ações em prol da economia solidária, da agricultura familiar, da agroecologia e da soberania alimentar, mostra a variação de preços dos orgânicos de acordo com o local de compra. Publicado em 2016, o levantamento foi realizado durante um ano em supermercados, feiras convencionais, feiras orgânicas e Grupos de Consumo Responsável em cinco cidades do Brasil — Piracicaba (SP), São Paulo (SP), Salvador (BA), Alta Floresta (MT) e Rio de Janeiro (RJ). O valor médio no supermercado representa mais do que o dobro do preço no GCR.

Comparação de valores

O que é GCR?

Os Grupos de Consumo Responsável (GCR) são iniciativas de consumidores organizados que se aproximam de produtores e, juntos, propõem comprar produtos de uma forma diferente da que ocorre no mercado tradicional, pois agregam preocupações com as questões sociais, ambientais e de saúde, desde a produção até o consumo. O propósito desses grupos é fomentar o consumo diretamente do produtor, seja simplesmente por meio da aquisição de cestas de alimentos orgânicos ou do financiamento dos produtores. Esse último arranjo é conhecido como Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA). O Instituto Kairos disponibiliza uma série de informações para quem deseja formar um GCR, e o mapa de feiras orgânicas indica onde encontrar o mais próximo.

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Brasil, campeão mundial de agrotóxicos

Para uma terra que "em se plantando, tudo dá", como escreveu Pero Vaz de Caminha a Dom Manuel assim que os portugueses chegaram ao Brasil, nosso país ostenta um título indigesto: o de campeão mundial de consumo de agrotóxicos.

Em 2018, foram 500 mil toneladas nas lavouras nacionais. A quantidade coloca o país no topo entre os que mais utilizam veneno nas plantações em números absolutos. Em uso de agrotóxico por área plantada e por tonelada produzida, o Brasil fica em 7º e 13º no ranking mundial, respectivamente, segundo estudo da Unesp (Universidade Estadual Paulista), com dados da consultoria Phillips McDougall e da Agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a maioria dos alimentos comercializados no Brasil é considerada segura, com níveis de agrotóxico tolerados por lei. O mais recente levantamento do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), publicado em 2016, mostrou que 80,3% das 12 mil amostras de vegetais apresentavam níveis de agrotóxico dentro do limite tolerado.

No entanto, só em 2018 foram aprovados 450 novos registros de agrotóxicos, e a questão da segurança é controversa. Uma pesquisa do Instituto Butantan lançada este ano avaliando dez dos agrotóxicos mais usados no Brasil constatou que todos são prejudiciais à saúde, até em doses bem menores do que as toleráveis.

E há ainda a questão de que os parâmetros brasileiros são menos rigorosos do que os de outros países: por aqui, os limites máximos de resíduos tolerados (LMR) para o uso de glifosato - agrotóxico mais utilizado no Brasil - no plantio de soja, por exemplo, são 200 vezes maiores do que a União Europeia.

Para driblar essas estatísticas, existem comunidades que se dispõem a consumir direto dos agricultores, ONGs que levam os orgânicos para a periferia ou mesmo atitudes simples que você pode adotar no dia a dia para ter uma alimentação mais saudável sem maltratar o meio ambiente e o seu bolso.

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Orgânicos caros x orgânicos baratos

O primeiro obstáculo na caminhada em busca do orgânico em conta está justamente no trajeto mais prático: o supermercado. "O supermercado geralmente não compra o alimento orgânico diretamente do produtor, mas de um intermediário. Assim, quem produz é pressionado a baixar o preço para garantir a venda de tudo o que colheu, e o consumidor final banca a margem de lucro dos intermediários e dos supermercados", explica Guilherme Prado, um dos fundadores do Grupo de Consumo Responsável Livres, localizado na Baixada Santista, litoral de São Paulo. Esse simples fator faz com que a gôndola seja o lugar menos indicado para "colher" orgânicos regularmente.

Feiras de orgânicos, em que os produtores expõem suas mercadorias, ou lojas baseadas em economia solidária, que fazem a intermediação entre produtores e consumidores, costumam ser mais baratas. Nesses espaços comerciais alternativos, como o Instituto Chão e o Instituto Feira Livre, ambos em São Paulo, produtores enviam os itens para serem vendidos e determinam os preços - o valor do que é comercializado é repassado integralmente para eles. Para custear o negócio, esse tipo de comércio sugere que o cliente faça uma contribuição sobre o valor da compra - que costuma variar entre 30% e 35%. A relação é de confiança entre as partes e, caso o cliente não possa contribuir, isso pode ser negociado, com o pagamento de uma taxa menor e até eventual isenção da taxa sugerida.

Já no caso dos Grupos de Consumo Responsável (GCR), uma das grandes sacadas é levar o orgânico até o consumidor em vez de fazê-lo se deslocar até o lugar de compra - não rola aquele olho no olho com feirante, mas a relação cliente-produtor é mais estreita. Seja assinando uma cesta orgânica seja escolhendo o que receber a partir de uma lista de produtos divulgada periodicamente, quem adere ao modelo garante a renda do produtor e a previsibilidade da(s) lavoura(s), evitando desperdícios e otimizando custos.

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Livres, leves e soltos

Em Santos, litoral paulista, funciona o Livres Baixada Santista, um GCR formado por cerca de 80 famílias que consomem orgânicos baratinhos, semanal ou quinzenalmente. Cada família contribui com uma mensalidade fixa - no mínimo R$ 20 -, que viabiliza a mobilização de cerca de 15 pessoas responsáveis por fazer a ponte entre o que os membros gostariam de receber em cestas periódicas (semanais ou quinzenais) e o que os produtores podem fornecer.

Sem contratos, mas com compromissos apalavrados, o Livres Baixada Santista regula a adesão e a contribuição dos membros para garantir o fomento aos agricultores da rede. Toda semana, uma lista com mais de 70 itens é disparada para os integrantes. Cada família tem seu perfil de consumo traçado e os produtores se organizam para supri-lo; a cada três meses, os consumidores atualizam seus perfis. Os membros podem coletar os produtos na sede do Livres ou solicitar a entrega por bicicletas.

"Eu trabalho com agricultura urbana em Santos, sou engajada no consumo de alimentos sem agrotóxicos, mas, até entrar em contato com o Livres, era custoso viver de orgânicos", explica Andreia Previato Botelho, que recebe produtos do grupo quinzenalmente.

"No Livres, eu consigo planejar meu consumo e contribuir com um valor justo, que não me pesa e ao mesmo tempo financia e apoia a agricultura local e familiar, que é a mais sustentável porque preserva a terra do lugar em que vivemos", completa.

Hoje o Grupo atende várias regiões de Santos (SP) e também tem uma pequena loja com produtos como café e feijão, que funciona na rua Carvalho de Mendonça, 530, na Vila Belmiro. Num futuro não muito distante, Guilherme Prado, um dos fundadores, espera que o Livres tenha capacidade para expandir e oferecer acesso aos orgânicos para bairros periféricos.

Eu gasto menos e o produtor recebe mais do que se vendesse para o supermercado ou para um atravessador. Eu regulo meu consumo e evito desperdício em casa. O produtor se planeja e diminui o desperdício da colheita. Todo mundo sai ganhando"

Andreia Previato Botelho, consumidora do GCR Livres

Com sete meses de funcionamento, o Livres Baixada Santista tem dois grupos, num total de 80 pessoas. Estamos caminhando para o terceiro grupo, o que deve constituir uma comunidade de 120 pessoas consumindo diretamente dos produtores da nossa base"

Guilherme Prado, um dos fundadores do GCR Livres

Benefício para todo lado

Jardiel Carvalho/Folhapress Jardiel Carvalho/Folhapress

Resgate alimentar

O empreendedor social Thiago Vinicius Silva (foto acima) já trilha há três anos a estrada que o Livres da Baixada planeja seguir. O cenário, no caso, é a periferia da Zona Sul de São Paulo. Thiago foi um dos idealizadores, há três anos, do Armazém Organicamente, no bairro do Campo Limpo.

A iniciativa faz parte da Agência Popular Solano Trindade, um coletivo que desenvolve serviços e produtos que dialogam com a qualidade de vida do morador da periferia há dez anos. Dentre as várias tecnologias sociais criadas pela agência, está o microcrédito para os moradores da periferia investirem em negócios próprios. "Concedendo microcréditos, a gente percebeu que 70% desses empréstimos eram para comprar comida. Ou seja, mesmo vivendo em um dos lugares mais ricos da América Latina, as pessoas se endividam para se alimentar", explica Thiago.

"Então começamos a compreender o que significa a alimentação para o morador da periferia e passamos a combater os chamados desertos alimentares, manja? É quando a pessoa tem que andar mais de 400 metros para encontrar comida in natura", explica o empreendedor. "Nossa ideia, na verdade, não tem muita novidade: está mais para um resgate da tradição alimentar que se perdeu e reconectar a população com alimentos de verdade", continua, referindo-se aos plantios que vicejavam pela região há poucas décadas, antes de a ocupação urbana desordenada dizimar pequenas lavouras e plantar asfalto e concreto no lugar.

O Armazém é pequeno e recebe os alimentos de plantações de fora da cidade, atendendo in loco e pelo serviço Da Roça Delivery. Os produtores ajudam a organizar as 500 entregas mensais, feitas tanto em bairros centrais de São Paulo como na própria quebrada do Campo Limpo e imediações. Os pedidos são feitos pelo WhatsApp (11 94946-1583): os clientes recebem uma lista com mais de 100 produtos, selecionam aqueles que desejam até terça e recebem em casa - ou retiram no próprio Armazém - na quinta-feira. Até o fim de 2019, deve estrear o site para comércio on-line.

Para otimizar o negócio e combater o desperdício, Thiago está expandindo o Armazém e acaba de montar um restaurante. O Organicamente Rango abriu as portas em outubro com bufê de salada orgânica à vontade e pratos feitos por R$ 20. Fica na rua Batista Crespo, 105, no Campo Limpo, em São Paulo (SP).

A verdadeira rede social é a mesa. E, além de ser mais um canal para alimentar quem mora na quebrada com comida saudável, nosso restaurante reaproveita tudo o que sobra nas prateleiras do Armazém"

Thiago Vinicius Silva, idealizador do Armazém Organicamente

Podemos melhorar

Divulgação/Muda Meu Mundo Divulgação/Muda Meu Mundo
Divulgação/Muda Meu Mundo

Modelo de negócio no Ceará

Em 2016, a empresária Priscilla Veras (destacada na foto sorrindo e segurando folhas de couve) largou o trabalho em uma ONG internacional para montar uma empresa junto com a irmã Deborah em Fortaleza (CE). Nas palavras da própria empreendedora, que agora está solo no comando da empresa, "a Muda Meu Mundo é uma agritech reinventando a alimentação sustentável por meio de um mercado justo".

O modelo de negócio era ambicioso: viabilizar a oferta de orgânicos para mais pessoas, com preço justo para clientes, lojistas e produtores - um negócio com benefícios sociais, ambientais e econômicos de alcance regional para todos os envolvidos na cadeia produtiva.

A originalidade de Priscilla está, inclusive, em fugir do termo "orgânico". "Trabalhamos com alimento 'sustentável', e isso está estampado em nossos rótulos e prateleiras", conta a empresária. "Além de nos preocuparmos em incentivar uma agricultura familiar e ambientalmente responsável, com reflorestamento e bom uso do solo, também estamos de olho nos materiais de nossas embalagens, substituindo plástico por papel, por exemplo."

A empresa começou capacitando agricultores para adotarem um cultivo ambientalmente responsável. Aos finais de semana, a Muda Meu Mundo organizava feiras para levar os produtos para a capital, sem atravessadores entre quem vende e quem compra. "Foi uma grande vitória ver alguns agricultores aumentarem seu faturamento em 80% três meses depois da capacitação. Ainda mais num país em que 80% dos agricultores vivem na pobreza", declara.

Esse novo modelo compensa muito. Sempre trabalhei com agricultura ecológica, mas, quando negociava com supermercados ou atravessadores, cheguei a vender um excedente de melancia por 30 centavos o quilo. Hoje, com a mediação da Muda Meu Mundo, vendo por R$ 1,30"

Vítor Esteves, produtor de alimentos no Ceará

Atualmente, além das feiras, a startup tem entrada em supermercados da capital cearense. E aproveita para vender seus "sustentáveis" 20% mais barato do que os orgânicos convencionais. Como parte do conceito de mercado justo proposto por Priscilla, os produtos nas prateleiras da Muda Meu Mundo são identificados com etiquetas que informam os valores praticados em cada etapa produtiva. A informação cria uma relação de transparência e de diálogo entre a empresa e o consumidor, que pode avaliar seu papel no processo e o quanto cada envolvido está investindo e ganhando.

O próximo passo é "exportar" a tecnologia do negócio para outros estados e regiões do Brasil. "O mercado só consegue ser justo quando acontece localmente", completa Priscilla.

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Como driblar agrotóxicos sem orgânicos

Se o orgânico não for uma opção viável mesmo com as alternativas de consumo, não é preciso entrar em pânico. Há maneiras de minimizar o impacto de agrotóxicos nos alimentos por meio de higienização ou descascando-os.

Alguns agrotóxicos, porém, são incorporados pelo alimento e não são removíveis. Nesse caso, uma maneira de driblar concentrações mais altas de agrotóxicos é saber quais são os alimentos de época e consumi-los de acordo com esse calendário, já que a tendência é que as substâncias sejam menos aplicadas para estimular ou proteger cultivos fora de época.

Veja as dicas

  • Higienizar corretamente

    Descascar os alimentos ou lavar aqueles que têm casca firme com uma escova, sabão neutro e água é o mais indicado para higienizar, eliminando parasitas e microrganismos. A medida, contudo, elimina somente os agrotóxicos superficiais (a maior parte do veneno fica incorporado no alimento). O Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, recomenda a lavagem dos alimentos (tanto não orgânicos quanto orgânicos) em água corrente seguida por deixar o alimento de molho por 15 minutos em uma solução com uma colher de sopa de água sanitária ou bicarbonato de sódio para cada litro de água. Por fim, mais uma lavagem com água potável corrente

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  • Aproveitar todo o alimento

    Vale a pena aproveitar talos (brócolis, couve), sementes (melão e abóbora), cascas (abóbora, banana, laranja) e folhagens e ramas (beterraba, cenoura, couve flor) de alimentos. Consumir o máximo possível de cada um diminui o desperdício e acaba sendo mais sustentável, além de poupar dinheiro. O programa Mesa Brasil, do Sesc, oferece várias receitas para aproveitar os alimentos.

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  • Observar a época

    Ficar de olho em que épocas do ano são mais indicadas para a colheita de cada alimento ajuda a saber aqueles que podem ter menos agrotóxicos, já que não precisaram ser estimulados a crescer fora de época. Para isso, vale procurar on-line por tabelas que indicam a sazonalidade dos produtos, como a do Ceagesp.

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Encontre seu caminho

Do Oiapoque ao Chuí, o que não falta são feiras, lojas, serviços de delivery e GCR feitos para incentivar a agricultura familiar e ampliar a oferta de orgânicos. Quanto mais consumidores engajados nessa rede, maior a perspectiva de melhores preços. Para identificar o local mais perto de você, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) disponibiliza o Mapa de Feiras Orgânicas.

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