Na adolescência, Pablo costumava passear dentro do Jardim Alfomares. "A gente brincava muito por lá", diz. Outra moradora, hoje com 80 anos, disse que andava "pelas alamedas com as estátuas'' do Alfomares, onde tudo "era muito bonito, muito verde e tinha muitos animais", disse a uma rádio.

Com tantos anos de indefinição, o Alfomares virou um lugar misterioso. A vegetação cresce sobre um portão com uma placa cada vez mais gasta pelo tempo. Ninguém sabia o que poderia acontecer.

Em 2003, a incorporadora anunciou a construção de um condomínio, mas a obra foi impedida pelo Ministério Público devido aos prejuízos ambientais a aquíferos e à vegetação. Desde a década de 90, os moradores lutavam pela conservação do espaço. É uma tarefa burocrática e cara.

"Só de custos com advogados, estimamos os gastos em R$ 100 mil", explica Guilherme Rodrigues Alves, presidente da Associação dos Amigos do Bairro Alto da Boa Vista. O valor é pago por contribuições dos moradores, vizinhos da região e apoiadores.

Em vez de construir uma praça ou mais um parque, os moradores concordaram que o bosque fosse intocado, tombado e usado apenas para conservação de espécies e aulas de educação ambiental sobre a Mata Atlântica. "É o pulmão do nosso bairro", defende. "E deve servir como uma espécie de santuário natural".

Pablo, Catherine e outros vizinhos mal dormiram por cinco dias. O grupo, então, teve uma ideia: convocar uma grande manifestação.

Em um sábado, seis dias após os primeiros cortes de árvores, moradores protestaram com cartazes a favor da fauna e flora do Alfomares. Crianças e idosos se uniram. A imprensa e os vereadores apareceram.

Eles tinham uma carta na manga: retomaram aquele pedido de tombamento feito pelo Conpresp, em 2002. O grupo pediu a reavaliação e conseguiu uma reunião para duas semanas após a grande manifestação.

O cálculo era simples: a construção no Alfomares seria paralisada se técnicos fossem ao terreno fazer uma análise histórica sobre o tombamento. "Não é possível que não seja considerado um patrimônio da cidade", especulava Pablo. Os vizinhos assistiram aflitos à reunião.

Em 7 de dezembro, o resultado. Por unanimidade, o conselho aprovou o processo de tombamento. Até que o Alfomares passe por estudos ecológicos, arquitetônicos e arqueológicos será preciso autorização do conselho da cidade para fazer qualquer intervenção.

"Não sabia que o bairro iria se unir tanto por uma causa tão nobre", diz Catherine. "É uma vitória momentânea, mas foi apaixonante", afirma Pablo, emocionado. "O parque mostra que temos prazo de validade nesse mundo e quero que fique para nossos filhos. Eu me senti... vivo, sabe?"

Graças aos moradores, a obra está paralisada desde o fim de 2020, mas o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), se reuniu com a incorporadora em dezembro de 2021. No mesmo mês, a Justiça foi favorável a derrubar as árvores da Mata Atlântica onde ainda vivem os saguis, as aves, as árvores. O MP apresentou novo recurso. A população fez um novo protesto e não pretende parar.