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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Manifesto pede destaque para escultura de Carolina Maria de Jesus em SP

A escritora Carolina Maria de Jesus - Acervo UH/Folhapress
A escritora Carolina Maria de Jesus Imagem: Acervo UH/Folhapress

24/02/2022 06h00

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É do filme "Uma História de Amor e Fúria", do Luiz Bolognesi, uma das frases mais importantes que escutei até hoje. Diz assim: "Meus heróis não viraram estátua, morreram lutando contra aqueles que viraram". Na boca do Guerreiro Imortal, personagem que ganhou a voz de Selton Mello, a síntese do Brasil e da humanidade: a história oficial é uma costura infinita de violências e gente dizendo adeus, como uma vez escreveu o Oswald de Andrade.

Não tem uma semana, a Câmara dos Vereadores de Olinda, Pernambuco, aprovou lei que proíbe batizar obras e vias públicas homenageando escravocratas ou agentes da ditadura militar. Debora Britto escreveu sobre isso. É a primeira lei com este objetivo de que se tem notícia no país. Nunca consegui entender como isso foi tudo bem um dia, na verdade.

Sabemos, o passado, feito o futuro, está em disputa. Quem primeiro me ensinou foi a Gisele Britto, que colocou na minha cabeça que cada registro de encontro é um documento histórico, não só uma foto de alimentar Instagram. Desde então, mesmo não sendo estudioso de história ou sobre memória, me interesso sobre qual passado deixaremos para os nossos futuros. Assim mesmo, no plural.

Recupero aqui o historiador Pedro Puntoni, que disse "Quem são os heróis? Depende de quem coloca a pergunta e de quem os escolhe". Pois foi assim que atravessei todo o ensino médio sem escutar sobre a Revolta dos Malês, por exemplo. Ou durante a faculdade, que nunca apontou o jornal Irohín, do Edson Cardoso, como exemplo de jornalismo de excelência. A história oficial, demorei tempo para entender, tem raça, classe e gênero.

"As estátuas, os marcos. Os lugares onde estes heróis são celebrados tendem a ser construídos por aqueles que detêm o poder e que têm, portanto, relação com aqueles que venceram o passado", ainda no mesmo vídeo, o Puntoni. Escrevendo sobre tudo isso, porque outro dia me emocionou o mural que o artista plástico Mauro Neri fez da filósofa e poeta cearense Maria Vilani, personagem importante na construção da cidade de São Paulo. E, em especial, das periferias da zona sul. Quem registrou e quem foi registrada estão do mesmo lado da história e do mapa. Não é uma coincidência, é o espírito do tempo.

No último dia 19 brotou na mesma região um movimento que reivindica construir uma escultura de Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes escritoras que o Brasil já teve, em um ponto central de Parelheiros, no extremo sul paulistano. O contexto do pedido, que é um manifesto aberto e livre que todos e todas podem assinar, vem na esteira da manifestação incendiária da estátua do bandeirante Borba Gato em 2021. Naquele momento, a Prefeitura de São Paulo anunciou a produção e instalação de monumentos de personalidades negras. Carolina será uma das homenageadas.

Acontece que, segundo o manifesto, foi escolhido um espaço que, mesmo sendo importante para a região, não faz jus à grandeza histórica da escritora. É de difícil acesso, o que não permite construção de vínculo e afeto com a obra. Monumentos como esse precisam alimentar a imaginação diária de quem passar, fazer nascer perguntas que provoquem pesquisas, outras novas homenagens. Em especial, que alimentem o contato de quem talvez não a tenha conhecido até aquele dia.

Em um trecho, o movimento defende: "Entendemos que mais uma vez Carolina estaria sendo instalada no 'quarto de despejo', e mesmo diante do descontentamento dos familiares ao serem informados sobre o local, não aceitamos nenhum motivo para que a escultura não seja instalada na Praça Júlio César de Campos". O lugar que sugerem é um importante ponto turístico e histórico dentro do polo de ecoturismo da cidade. "Queremos Carolina na Sala de Visitas" é o mote do manifesto que já reúne mais de 2 mil assinaturas em apenas quatro dias. O documento completo pode ser acessado aqui.

Dei essa volta ao mundo para contar que este mesmo mundo está em mudança. Ainda mais lenta do que gostaríamos, mas em um movimento constante para o futuro em que caiba todas e todos nós. E é tudo que precisamos para momentos feito agora. O autoritarismo tem fetiche pela inação. Destrói de começo o primeiro passo, que é para a gente achar que não tem motivos de continuar, mas tem.

Cruzar com o rosto de quem abriu os caminhos, lá atrás, na praça principal do seu bairro, é uma das maneiras de esperançar os dias, como escutei outro dia. E esperançar é verbo, como diz o poeta. É aquilo que nos coloca em movimento para o que vem depois de amanhã.