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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com letra de 2004, rapper GOG explica a importância da utopia para este ano

O rapper e escritor GOG - Divulgação
O rapper e escritor GOG Imagem: Divulgação

20/01/2022 06h00

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Eu pensando: a utopia não é um lugar em que se chega com o corpo, mas algo como um sopro que nos coloca em movimento. Um empurrão. É que tem dias em que o Sol está lá fora, quente e alto, num céu sem nuvem de janeiro em Jaboatão dos Guararapes. Mas existe uma tempestade de mil anos para dentro de nós. Essas terças existem na vida e existem nas lutas. A utopia é, então, aquele fio de luz que dribla a maior nuvem para dizer que um depois existe.

Eu sou dos rituais. E por ser dos rituais, eu me despeço do ano que vai e deixo as boas-vindas para o ano que chega. Converso com o mar, uma das 7 bilhões de explicações para Deus, e foi numa dessas que ele me contou: está perto nosso amanhã de esperança, feito um primeiro de janeiro é aos 18 anos.

Nisso, dos rituais, eu gosto que a primeira foto publicada, e a última também; que o primeiro texto escrito, e o último também, sejam sempre um abrir e fechar de portas, sigam o ciclo. Então, por mais que o Brasil de hoje grite desesperadamente absurdos atrás de absurdos, só por este, exercitarei algo fora de moda para nossos dias: o cultivo da utopia, o Sol já vem.

Não consigo imaginar um veículo de comunicação responsável e jornalisticamente comprometido com a verdade dos fatos, arriscando sua credibilidade ao abrir espaço para um artigo que defenda que a Terra é plana. Ou que a ditadura militar nunca existiu. Mas para a falsa ideia de racismo reverso, ao que parece, pode. O Brasil de 2022 explica de 1500 até ontem. Que do outro lado desse momento que penaremos para explicar aos nossos netos e netas, relativizações e distorções não tenham palco. E que a luta contra o racismo seja um ato, não discurso.

Uma pandemia que, quando não matou o corpo, levou a saúde mental de uma multidão, aquilo de mentes e corações que se arrastam ao vazio de tudo. Sem horizontes. Que este e os próximos anos sejam sobre repactuarmos a confiança entre nós e no que diz a ciência. Um tempo de restaurar algo que já parecia resolvido, mas vimos, não está: a vacina é um combinado coletivo de cuidado com quem cruza o meu caminho.

Foram os irmãos Wagner e Anderson Gabriel que me apresentaram ao Genival Oliveira Gonçalves, o GOG. E foi o GOG um dos meus professores de sociologia e história do Brasil, mesmo sem saber disso. Suas músicas alfabetizaram o meu olhar, deram uma gramática para o que gostaria de fazer na e da vida. Foi ele quem, primeiro, me mostrou o poder e a função da utopia. Em Tarja Preta, seu disco de 2004, cantou assim em "Rua Sem Nome, Barraco Sem Número":

E desde então, para além das tradicionais listas de começo de ano, o que também não pode faltar por aqui é o aquecer das utopias. Este artigo é uma das maneiras de fazer isso. Uma revisita àquilo que dá horizonte, sustentação. Daquilo que não nos deixa esquecer do nosso Norte. Ou do nosso Sul. O individual e o coletivo.

Do começo ao fim, "Rua Sem Nome, Barraco Sem Número" é a minha trilha sonora da esperança para o meu 2022. Escute o invisível da letra, atente-se à utopia de linha a linha. E o seu som da mudança, qual é?