Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A semana de uma morte a cada 45 segundos
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Desembarcaram de mim, ao longo dessa semana, um punhado de palavras que guardei para contar a você que ainda existem pessoas que merecem a nossa fé e a nossa escuta. Alguma paz interna que me manteve de pé, mesmo quando doeu a partida de doze pessoas próximas, em doze meses.
Não pude me despedir, nem abraçar aqueles e aquelas para quem essas pessoas eram importantes demais para serem resumidas a um número, no último jornal da noite. Não pude ritualizar suas passagens, dizer um até depois. Suas mães, seus pais, seus amigos mais queridos não puderam se abraçar em conforto. E isso nem deveria ser permitido, de tão cruel: a gente não enterrando os nossos mortos.
Se foi, entre a terça e quarta-feira, um pedaço da minha esperança de que chegaríamos ao outro lado disso tudo sendo um pouco melhores, como pessoas e como sociedade. Um pouco mais unida, talvez. Mais solidária, certeza. Menos indiferentes com a dor e o sofrimento de quem se senta ao nosso lado nos ônibus das primeiras horas da manhã. Mas, não.
Perdemos para a covid-19, e para a absoluta falta de um plano minimamente decente e humano de cuidado coletivo, um irmão, uma irmã, a cada 45 segundos. E ainda existe quem relativize o auge do inacreditável. (Quarenta e cinco segundos.) Quem desdenhe deste número. Quem diga que ele faz parte de uma mentira, uma invenção, uma história contada por quem quer espalhar o caos no país. Cabe perguntar a quem pensa assim o que ela entende como caos para além do que já estamos vivendo. Pois se existe mais alguma coisa depois deste momento, isso é a barbárie. E depois dela não existe mais nada.
Um ano de pandemia e somos uma sociedade em três. Ou mais, pense aí sobre isso. Uma parte busca desesperadamente maneiras de sobreviver em meio a um cenário para o qual nunca treinamos a cabeça, o corpo e o coração. Outra está se desdobrando encontrando recursos e pessoas para fazer chegar cestas básicas, kits de higiene e outras formas de cuidado. E uma terceira parte que toca normalmente a vida, reduzindo a meme ou mimimi, a dor da mãe que já enterrou duas de suas três filhas. Ou a imagem do corredor do hospital em que não cabe mais ninguém, todo mundo deitado no chão. Estamos em 2021, e há quem morra, no Brasil, por falta de oxigênio.
Me disseram essa semana que se alguém segue se sentindo bem e tranquilo neste momento do mundo, das duas uma: ou ainda não entendeu para onde estamos caminhando. Ou não se importa muito com isso. Prefiro acreditar que a maioria de nós se encaixa na primeira opção.
É que a fé nos move para a crença e o trabalho para que tudo seja diferente amanhã. E nunca precisamos tanto dela para continuarmos fazendo o que for preciso para vencer este momento difícil. Continue se cuidando atentamente. Neste nosso tempo isso é uma declaração de amor.
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