Opinião

Demarcação e marco temporal são temas centrais no ATL 2024

Brasília acaba de receber a vigésima edição do ATL (Acampamento Terra Livre). O encontro terminou na sexta-feira (26) após uma semana. Entre 6 mil e 8 mil pessoas participaram, o que faz dele a maior mobilização de povos indígenas do Brasil e do mundo dos últimos tempos. A principal reivindicação continua sendo a demarcação de terras indígenas e a manifestação central foi contra o marco temporal.

O encontro nasceu em 2004 quando se via que ter direitos indígenas na Constituição de um país não significaria a sua concretização. O movimento precisava se organizar sempre para pressionar, dialogar, chamar atenção do Estado brasileiro e de governos. Assim, o Estado é um campo de lutas de diversos interesses.

Portanto, o ATL é uma das ferramentas de luta, que reúne os representantes de suas comunidades e povos de todas as regiões e biomas do país. Isto é, desde organizações locais, estaduais, regionais, de gêneros e geracionais, além dos aliados indigenistas, ambientalistas, profissionais indígenas e pesquisadores.

Desde os anos 1970, o movimento indígena tem travado uma série de batalhas por seus direitos. Foi com a Constituição que ele conquistou direitos fundamentais, incluindo memória, identidade, organização social, tradição, costumes, línguas maternas e processos de aprendizagem próprios. Além disso, garantiu direitos originários sobre as terras que ocupam, obrigando o Estado brasileiro a demarcá-las e respeitar seus bens.

O Estado Nacional Brasileiro, ou melhor, os colonizadores tentaram de todas as formas tirar a liberdade e os direitos naturais dos povos indígenas desde 1500. Praticaram contra eles genocídio, epistemicídio e glotocídio. Mas eles e seus aliados desviaram esse desejo perverso colonial. O Estado previu nossa extinção, mas hoje são os próprios povos indígenas que estão dizendo qual deve ser seus futuros e como devem ser respeitados. Com diálogo e consultas a fim de promover bem viver e proteger seus povos nos territórios.

Foram muitas articulações feitas durante o ATL. Quero destacar uma como perspectiva de construção mais importante, uma novidade fruto de longas décadas de luta que é o ensino superior específico. A Universidade Indígena. Já existiram outras tentativas neste sentido, que não se concretizaram.

Neste um ano e meio de governo Lula com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, passou a existir mais um espaço de diálogo, de articulação e com a força deste movimento tem acontecido uma retomada da política da educação indígena no país.
Durante o ATL 2024, o movimento conquistou a criação da Diretoria da Educação Escolar Indígena dentro do MEC, que terá o desafio de construir a primeira Universidade Indígena do país junto ao movimento, junto ao MPI e outros ministérios.

Os discursos das lideranças na reunião com o Ministério das Povos Indígenas trazem um ponto de preocupação. Um dizia que a universidade teria que considerar os povos indígenas do Brasil todo. As suas culturas, as suas línguas, os seus projetos, seu fortalecimento e seus interesses. As outras falas foram nesta mesma direção. De fato, uma universidade indígena pode representar os 305 povos e 274 línguas faladas no país? Talvez não seja esse o nome, Universidade Indigena, mas sim uma "Pluriversidade Indígena"?

O ensino superior específico é uma luta mais ampla, mas começar com a Pluriversidade Indígena será ótimo para estimular outras iniciativas como Institutos de Conhecimentos Indígenas. Quem sabe assim vai fortalecer a sonhada criação do Sistema Nacional da Educação Escolar Indígena.

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Os povos indígenas estão atravessando a colonização. E o ATL é um processo de transformação e reconstrução do bem viver de quase 1,7 milhão de indígenas do Brasil.

*André Baniwa é vice-presidente da OIBI (Organização Indígena da Bacia do Içana), empreendedor social, escritor, consultor e liderança do povo Baniwa desde 1992. Entre as conquistas do povo Baniwa está a produção e comercialização autogerida da Arte Baniwa (cestarias de arumã)/2000, Pimenta Jiquitaia Baniwa/2013 e a Escola Indígena Baniwa e Koripako EIBK Pamáali/2000 de gestão participativa com inovação e criatividade intercultural.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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