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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O petróleo não faz parte do futuro de um mundo em crise; a Amazônia sim

Voluntários retiram petróleo na praia de Itacimirim (BA) - Mateus Morbeck/UOL
Voluntários retiram petróleo na praia de Itacimirim (BA) Imagem: Mateus Morbeck/UOL

Carolina Marçal dos Santos e João Pedro Galvão Ramalho*

09/08/2023 06h00

Nós estamos vivendo uma crise climática sem precedentes. Os eventos extremos que estão acontecendo em todos os cantos do mundo estão aí para provar essa dura realidade. Atualmente, quando ligamos o noticiário muitas vezes temos a impressão de que estamos vendo cenas de um filme distópico pré-apocalíptico.

As chuvas torrenciais na Ásia, as ondas de calor extremo nos Estados Unidos, Ásia e Europa, e os incêndios na Grécia e Espanha que deixaram um rasto de destruição e morte e marcaram os jornais nos últimos dias são apenas alguns exemplos recentes que escancaram esse cenário.

No Brasil, em fevereiro de 2023, foi decretado estado de emergência em áreas de seis estados da Amazônia. No Acre, à época, a Defesa Civil estipulou mais 32 mil famílias atingidas. Sem mencionar, o deslizamento de terra em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, ocorrido em 2022, provocado também por fortes chuvas. Ambas as situações podem ser consideradas eventos climáticos extremos.

Apesar de desesperador, não podemos normalizar a crise climática e precisamos cobrar ações urgentes de quem tem mais responsabilidade pelo problema e pela solução: empresas e governos.

Com esse objetivo, nós - movimentos, redes, coletivos, ativistas, instituições e organizações de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caboclos, negros, camponeses, artistas, religiosos, defensores da natureza, comunicadores, académicos, mulheres e habitantes da Amazónia e de outras regiões do planeta - estamos reunidos entre os dias 4 e 9 em Belém do Pará, para a Assembleia dos Povos da Terra para a Amazónia.

O objetivo é influenciar a Cúpula dos Presidentes da Amazônia e acordar um processo articulado de mobilização de todos os povos da Terra para salvar a Amazônia da atividade predatória e das alterações climáticas. Afinal, nosso destino está entrelaçado com o da Amazônia, independentemente de onde a gente esteja no planeta.

A Cúpula da Amazônia, em Belém (PA), é uma reunião com os presidentes dos oito países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) que compõem o bioma amazônico. O objetivo é produzir uma posição de consenso a respeito da floresta, impedindo-a que chegue ao ponto de não retorno. O documento com esta posição será entregue pelas autoridades brasileiras aos 193 Estados-membros no debate geral da Assembleia Geral da ONU, que ocorrerá em setembro de 2023, à COP 28 e a outros fóruns.

É justamente na construção desse processo que temos a oportunidade de acordar um posicionamento ambicioso que pode mudar o rumo da história.

A proteção da Amazônia tem um papel estratégico no enfrentamento à crise climática global. Zerar o desmatamento no bioma certamente é parte fundamental desse processo, mas está longe de ser suficiente.

Caso o globo aqueça 1,5 grau celsius, a floresta estará ameaçada de qualquer forma, como já apontado em relatórios recentes do IPCC. Se queremos evitar o ponto de não retorno da maior floresta tropical do mundo e, consequentemente, o colapso climático, precisamos ter uma política transfronteiriça de eliminação dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão).

Por isso, é fundamental que os estados da Amazônia tomem medidas efetivas e concretas para evitar mais impactos neste território fundamental para enfrentar a crise climática global e promover novas alternativas de desenvolvimento.

O primeiro passo nessa direção é a demarcação de 100% das Terras Indígenas, garantindo também a sua integridade, e a criação de novas áreas protegidas, sempre sob uma perspectiva de fortalecimento dos territórios ancestrais e comunitários, bem como a autonomia desses povos e comunidades.

Em paralelo, é fundamental e indispensável decretar a Amazônia como uma zona de não proliferação dos combustíveis fósseis e iniciar uma via de saída do uso desses combustíveis, suspendendo toda a nova prospeção e exploração de petróleo e gás na região, incluindo a não oferta de novos lotes e a interrupção progressiva dos existentes.

Isso não significa que podemos permitir a perpetuação ou o agravamento das assimetrias sociais e econômicas entre norte e sul global na implementação das políticas climáticas. Pelo contrário. Não nos parece justo que os países do sul global, e especialmente os que partilham o território da Amazônia, sejam os primeiros a eliminar a exploração de óleo e gás enquanto os países do norte continuam a lucrar com essa indústria obsoleta e ultrapassada.

Defendemos que existem diversos mecanismos financeiros que podem ser empregados para viabilizar que os países da Amazônia tenham condições de implementar uma política de eliminação dos combustíveis fósseis

Será a partir da potência e da pluralidade da maior floresta tropical do mundo que conseguiremos iniciar um esforço global que vai gerar um efeito cascata: o de criar zonas de não proliferação dos combustíveis fósseis e os mecanismos econômicos necessários para viabilizá-las. Diante do agravamento das mudanças climáticas, pensar caminhos que viabilizarão um mundo pós-fósseis não é mais a nossa utopia: é uma necessidade premente.

*Carolina Marçal dos Santos atua no Instituto ClimaInfo e é mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira pelo INPA.

*João Pedro Galvão Ramalho integra o Fórum Social Pan-Amazônico e está na organização da Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia

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