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M.M. Izidoro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Milton Nascimento, continuamos aqui com essa mania de ter fé na vida

Milton Nascimento em 1974 - Eder Chiodetto/ Folhapress
Milton Nascimento em 1974 Imagem: Eder Chiodetto/ Folhapress

M.M. Izidoro

Colunista do UOL

03/09/2022 06h00

Todo novo começo vem do fim de um outro começo.

Essa frase está vivendo na minha cabeça desde o final de semana passada, quando tive uma das experiências mais bonitas da minha vida em dois shows da turnê "A Última Sessão de Música", a despedida de Milton Nascimento dos palcos.

Nós vivemos em uma sociedade que parece odiar e temer o fim, estão sempre procurando e discutindo sobre o que vem depois que tudo acaba. O que tem do lado de lá da vida, da carreira, de um relacionamento ou de um governo.

O fim assusta.

Dai a beleza de existir algo como "A Última Sessão de Música", uma turnê idealizada por Augusto Nascimento, filho do Milton, para celebrar o fim da carreira do pai.

Mais do que um show, "A Última Sessão de Música" é uma elegia em vida para um dos mais importantes artistas mundiais do último século. É a nossa chance de se despedir e de agradecer a tudo que ele fez para nós nesses mais de 60 anos de carreira, coisa que normalmente fica relegada a editorias de jornais e, hoje em dia, posts de redes sociais nos dias após a morte dessas figuras míticas e importantes da nossa cultura e imaginário.

Acho que nunca antes havia tido a experiência dessa celebração do fim. Da celebração do que aconteceu. Da celebração do que estava acontecendo ali.

A emoção era gigante para as milhares de pessoas que encheram uma casa de show de São Paulo numa noite fria de agosto para celebrar um senhor de 80 anos, que segurou com "coração, juventude e fé" mais de duas horas de show e da emoção latente no ar.

Emoção esta que carrego comigo aqui e que a cada toque no teclado para escrever esse texto, vira uma lágrima.

Não de tristeza, mas de alegria.

Alegria de ter vivido ao mesmo tempo de Milton Nascimento e de poder celebrá-lo quando ele e seu filho tiveram a coragem de dizer chega.

A ideia de parar algo, para muita gente é assustadora. Quer dizer que você falhou. Que você não deu o seu melhor. Que você é um fracassado.

Mas muitas vezes é o contrário. Parar é um ato de coragem. É fazer algo que falta muito a gente fazer, que é saber quando e quanto é suficiente. Quanto nosso corpo e mente aguentam. Quando a gente acha que não tá mais legal.

Seja no trabalho, seja num relacionamento, seja até com uma doença.

Parar ao invés de fracasso, pode ser uma vitória.

Pois não temos como falar que o Milton Nascimento é um fracassado. Ele viveu intensamente. Criou alguns dos maiores clássicos da música brasileira e universal. Amou. Ficou doente e se curou. E assim como ele criou tudo isso, ele resolve parar, mas sabendo que sua obra é eterna e vai continuar para sempre.

E talvez aí está uma lição tão importante para nós. Algo que a natureza já nos mostra diariamente e que teimamos em esquecer, que sem o fim não tem nenhum começo. É a morte que alimenta a vida. É a escuridão que faz a gente celebrar a luz. O fim é parte de qualquer ciclo. E muitas vezes o mais saudável para nós é abraçá-lo e entendê-lo como a coisa natural que ele é.

"A Última Sessão de Música" foi muita coisa pra mim e queria aqui agradecer ao Augusto Nascimento por fazer isso acontecer. É uma das declarações de amor mais bonitas que já vi um filho fazer para o seu pai. Uma declaração de amor coletiva dividida em milhares de corações espalhados entre Europa, Estados Unidos e Brasil, lugares por onde multidões assistirão e celebrarão o pai do Augusto.

Alguns meses atrás, meu avô de 97 anos olhou para mim após eu lhe contar sobre uma conquista pessoal minha e depois de um tempo em silêncio, ele apenas falou: "Não é que valeu a pena?". Perguntei para ele o que ele queria dizer com aquilo, e ele complementou:

"Não é que valeu a pena eu ter deixado tudo pra trás lá em Minas quando eu era novinho para vir para cá e hoje meu neto estar tendo essas chances que você está tendo?"

Um dia escrevo mais sobre esse momento com o meu avô, pois foi outro momento muito especial na minha vida. Mas, olhando o Milton sentadinho naquele palco, e ridiculamente parecido com o meu avô, eu só desejava que ele, ao olhar para nossos olhos cheios de lágrimas e rostos de admiração, tenha sentido a mesma coisa que meu avó e que ele saiba que tudo valeu a pena.

Em uma nota pessoal, talvez essa tenha sido uma das noites mais importantes da minha vida, pois em 1998 ou 1999 o Milton fez um show chamado "Tambores de Minas" e um adolescente com seus 13 ou 14 anos estava lá e sentiu muitas coisas bonitas.

Coisas que ele não sabia que uma pessoa em cima do palco podia fazer alguém sentir.

E ali, naquele show, ele resolveu que queria fazer as pessoas sentirem as mesmas coisas. E hoje o adolescente está aqui escrevendo coisas bonitas nessa coluna para quem o fez sentir a mesma coisa 25 anos atrás.

Nesse show da semana passada, tive a chance de olhar nos olhos do Milton e falar tudo isso pra ele no camarim depois do show. Tremi e chorei tanto depois. Igual contínuo chorando agora.

Pra mim também foi um final de ciclo. Um agradecimento e pedido de benção. Pois minha vida valeu, e vale a pena, porque um dia fui ao show do Milton Nascimento.

Obrigado por tudo, Milton. Obrigado pela chance de agradecer, e pelo amor que tu tem com seu pai, Augusto.

Faça o que você fizer ao fechar das cortinas do último show dessa turnê, saiba que valeu a pena e que continuaremos aqui, com "essa estranha mania de ter fé na vida", Milton.

Muito obrigado. Valeu a pena.