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M.M. Izidoro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As coisas ruins acontecem rápido

"Tal qual uma série de ficção científica, estamos no entre-mundos nesse exato momento. Um mundo está morrendo e o cheiro da putrefação está por todo lado". - iStock
"Tal qual uma série de ficção científica, estamos no entre-mundos nesse exato momento. Um mundo está morrendo e o cheiro da putrefação está por todo lado". Imagem: iStock

M.M. Izidoro

25/06/2022 06h00

Eu tentei começar a escrever essa coluna de diversas formas. Pensei em continuar a escrever sobre o Amor ou algumas ideias de algo inspirador para você que me acompanha.

Eu juro que eu tentei. Contando aqui com os textos que eu salvei, essa é a quinta vez que eu começo a escrever esse texto.

Eu pesquisei textos, notícias, histórias e sentimentos para contar para vocês aqui. Mas foi uma citação do pensador Stewart Brand que traduziu exatamente como eu tô me sentindo e o por quê de eu não estar conseguindo escrever algo inspirador até aqui:

"Em média, coisas ruins acontecem rápido e coisas boas acontecem devagar."

Como eu posso nesse exato momento escrever algo inspirador que se tudo lá fora parece tão ruim.

Não tem como eu e você estarmos felizes com tanta coisa que está acontecendo nesse exato momento. Tudo e todos que eu amo e prezo estão sendo atacados ou destruídos sistematicamente.

É o povo da floresta, é a floresta em si. São os direitos das mulheres. É o ódio contra pessoas que amam as pessoas "erradas". São adolescentes sentindo tanta dor que a única coisa que eles conseguem fazer para acabar com ela é tirar a vida de outros adolescentes. São políticos e empresários se juntando para ficarem mais ricos em um planeta morto.

Não tem felicidade e otimismo que aguenta tudo isso.

Eu não tô feliz. Eu não to bem. Eu to bem puto. Mas puto mesmo.

Mas eu sou um eterno otimista, e se estou aqui recomeçando esse texto pela quinta vez é por que ainda acredito que dá para fazer algo, pois como diz a própria citação acima, "coisas boas acontecem devagar."

E é nessas coisas que eu quero focar. Isso inclui não só o que eu quero viver e as histórias que eu quero contar, mas muito mais o que eu não quero repetir ou reviver.

Essa é uma lição que eu aprendi com um dos meus maiores mestres do cinema, Paolo Gregori, que sempre dizia que o mais importante para um cineasta não era saber o que ele queria fazer em um filme, mas o que ele não quer. Por que o que a gente quer muda constantemente dependendo de diversas coisas. Mas o que a gente não quer, normalmente acaba ficando bem sólido dentro da gente.

E cada vez mais eu tô vendo esse momento que estamos vivendo como a chance de aprendermos o que não queremos para o futuro.

Eu não quero ter de ficar de luto por grupos étnicos inteiros de novo. Eu não quero governos tirando a opção das mulheres de ficarem ou não grávidas. Eu não quero viver num planeta que está destruído pela gente mesmo. Eu não quero viver sem amor. Eu não quero.

Tem uma citação do filósofo Antonio Gramsci que diz:

"A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem."

Tal qual uma série de ficção científica, estamos no entre-mundos nesse exato momento. Um mundo está morrendo e o cheiro da putrefação está por todo lado. E assim como dois corpos não conseguem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo, dois mundos também não.

Um dia depois da publicação desta coluna vai ser meu aniversário. O fim de um dos ciclos mais intensos e transformadores da minha vida. Desde sobreviver a um incêndio, passando por realizar sonhos e desejos de uma vida inteira, até entender que as coisas que eu amo podem ser destruídas e o importante é que o amor que elas deixaram em mim vai continuar.

É por isso que eu me obriguei a escrever esse texto até o final. Não só por que eu tenho um acordo com o UOL, mas porque eu posso estar puto, eu posso estar triste, eu posso estar sofrendo. Mas isso vai passar e do outro lado disso tudo, de alguma maneira, vamos estar bem. É como o Stewart Brand disse, "as coisas boas demoram." E elas tão vindo. Talvez não agora. Talvez não num tweet ou numa chamada de portal. Mas elas já estão ai. Se acumulando e multiplicando.

Nesse novo ciclo que começa, eu tenho certeza de uma coisa, que se o velho está morrendo, um dos meus papéis é ser doula do que tá vindo aí. Letra por letra. Palavra por palavra. História por história.

E pra você que me acompanhou até aqui, fique triste. Fique puto. Sofra mesmo. Sente tudo isso aí dentro, igual eu to sentindo aqui. Que logo mais a gente vai voltar a sorrir. Que como diria o filósofo Renato Manfredini, Jr:

"E nossa história não estará pelo avesso assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar e até lá, vamos viver. Temos muito ainda por fazer. Não olhe pra trás. Apenas começamos."

Obrigado por estarem comigo até aqui.

Apenas começamos.