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M.M. Izidoro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você se lembra da última vez que você foi feliz?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

M.M. Izidoro

05/06/2021 06h00

Você se lembra da última vez que você foi feliz?

Você lembra da última vez que você riu largado? Que nada mais existia a não ser aquele momento? Que tudo era perfeito e o tempo era infinito?

Quantas vezes no meio de uma semana cheia com muita coisa para fazer, o tempo parou por um momento e você foi transportado para uma tarde de verão com seus avós, para o primeiro beijo no amor da sua vida, para o momento que seus olhos encontraram os olhos dos seus filhos pela primeira vez?

Odair José canta "que a felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes."

Mas por que esses momentos são tão difíceis de lembrar, de guardar, de reviver?

Nesses tempos de fúria que estamos passando, parece que nunca fomos felizes e que nunca mais seremos.

Parece que querem nos matar de qualquer jeito. Seja por falta de vacina, pela cor da nossa pele, pela comunidade que a gente mora, pela nossa orientação sexual. Se você está vivo, você é um alvo.

Dizem que quem bate nunca lembra, mas quem apanha nunca esquece.

E só estamos apanhando, né?

De todo lado, a gente só apanha. É nosso peso, etnia, tipo de cabelo, gosto musical - ou por um competidor de reality show - estar fora de um padrão ou gosto popular que já é o suficiente para apanharmos e sermos mortos.

É o Sistema que faz a gente acreditar que temos de amar o que fazemos de trabalho, mas nem o Sistema ou o trabalho ama a gente de volta.

É a gente viver escravo de uma ideia chamada dinheiro, que nunca está satisfeito e precisa consumir tudo, começando com a gente mesmo, até o último serzinho sumir desse planeta.

Mas mesmo tudo estando errado, ainda tem coisas dando certo.

Ainda tem o pôr do sol de outono pintando o céu com suas cores de tirar o fôlego. Ainda tem aquele frio na barriga de ver a pessoa que você ama corresponder seus sentimentos. Ainda tem o sabor da sua comida favorita de infância que sua mãe nunca esqueceu a receita e se satisfaz mais te vendo comer do que comendo ela mesmo. Ainda tem as idas ao estádio com seu pai para vocês dois gritarem e colocarem para fora várias coisas que vocês não falam um para o outro. Ainda tem seu filho aprendendo a andar e falando as primeiras palavras. Ainda tem tanta coisa.

Ainda tem.

A dor marca a gente de um jeito que parece eterno. Tudo fica pesado, tudo fica sombrio. Parece que a gente nunca vai ser outra coisa do que aquela dor. A dor nos impregna tanto, quanto a felicidade nos esvai.

Hoje, a gente é uma nação em dor. Onde parece que a felicidade está passando longe.

Mas são nessas horas que temos de lembrar cada vez mais do que o Odair falou e que talvez a felicidade nunca existiu, mas a gente foi sempre cercado de momentos ridiculamente felizes.

Ser feliz é mais do que revolucionário, é evolucionário. É ir contra tudo aquilo que nosso cérebro foi projetado para nos deixar vivo no meio da floresta e da savana e que nos fez chegarmos até aqui como espécie. É ir contra o medo e de encontro à esperança.

Lembrarmos de sermos felizes é nossa chance de sermos transgressores. É sermos contra "tudo isso que tá ai". É sermos contra projetos genocidas de tanta gente, de tanto bicho, de tanto mundo.

Não precisamos ser felizes sempre, afinal a felicidade nem existe. Mas quando formos, temos de lembrar. Temos de guardar essa memória junto da gente. Bem coladinho. Em lugar de fácil acesso. No topo da pilha em cima das preocupações, dos medos e das coisas todas que fazem questão de tomar o primeiro lugar na nossa cabeça.

Para sempre que a gente precisar, a gente possa lembrar que a felicidade pode não existir, mas cada momento feliz nos faz infinitos.