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Mari Rodrigues

Pessoas LGBTI+ são protagonistas de suas próprias histórias

Mari Rodrigues

08/08/2020 04h00

Essa semana falarei sobre um outro tema que muito me intriga: o espaço que se dá às pessoas trans na condução de suas próprias vidas. Enquanto corpos tornados públicos, portanto sujeitos a toda sorte de escrutínios e julgamentos, perdemos toda a individualidade e livre-arbítrio para tentarmos ser o que quisermos; estamos sempre à mercê de respaldos de pessoas cis para tanto.

E com esta pauta, convidei Victoria Dandara Toth, estudante de Direito da Universidade de São Paulo, para contar de uma experiência que lhe aconteceu recentemente: ela participou de uma entrevista para um projeto de diversidade. Em torno de 30 pessoas no processo seletivo; ela era a única pessoa travesti.

"Como travesti que, por muita luta e por privilégios acaba ocupando espaços mais elitizados, sempre me deparo com públicos exclusivamente cisgêneros. Porém, o que me incomoda é que estes locais normativos busquem a discussão de diversidade e inclusão sem convidar travestis e pessoas trans à mesa".

É problemático pensar que, quando se trata de defesa da diversidade, ela pouco está presente. Verifico que em muitos espaços, é sempre o homem branco, cisgênero, de classe média, o protagonista da história; representantes das outras nomenclaturas e de outras realidades sociais ficam num lugar, digamos, subalterno. Tanto que há movimentos que defendem o separatismo total das letras da sigla LGBTI+. E isso não ajuda em nada.

Nas palavras de Victoria, "quando questionados, estes grupos se colocam sempre em defensiva e puxam para a si a defesa e salvação da transgeneridade, em papel nítido do ‘cisgênero salvador’. Somos o alvo da discussão, mas nunca as debatedoras, nunca as contadoras de nossas próprias histórias e demandas".

Falta isso, falta espaço para contarmos nossas próprias histórias. Tenho o meu espaço, mas tão pequeno em vista de tanta riqueza de histórias interessantes de pessoas LGBTI+, e especialmente de pessoas trans. Estamos sempre sob a salvaguarda de pessoas cis, que validam ou invalidam os nossos discursos. Uma verdadeira transformação para a aceitação deve começar por aí: pelo reconhecimento de que as pessoas podem falar por si mesmas, sem a aprovação tácita ou expressa do outro.

"Todo e qualquer projeto que busque ser aliado à nossa luta deve nos colocar à mesa como iguais, nos ouvir e ecoar nossas vozes, não sequestrá-las e usar como escudo para justificar se interesse em angariar mídia ou capital social como ‘defensor da diversidade’. É simples, se querem espaços inclusivos, incluam travestis e pessoas trans neles".

Com essas palavras de Victoria, encerro com uma reflexão: o quanto estamos à disposição de entender os discursos do outro, sem interrompê-los ou sem colocar a sua própria opinião como o parâmetro que valida ou invalida tal discurso?