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Mara Gama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Só 20 empresas concentram insumo do plástico descartável que polui mundo

Mali Maeder/ Pexels
Imagem: Mali Maeder/ Pexels

Colunista do UOL

20/05/2021 06h00

Os descartáveis estão jogados por toda parte, causando poluição da terra, do ar, rios e mares. Em forma de sacolas, saquinhos, talheres, pratos, canudos, cotonetes, bandejas, copos, garrafas, frascos e misturadores, eles são comercializados aos milhões pelas indústrias de bebidas, alimentos e cosméticos, supermercados e comércios.

Movimentos como o Break Free From Plastic, que une ONGS na luta contra a poluição plástica, vêm realizando anualmente coletas de resíduos plásticos pelas praias, ruas e zonas rurais do mundo - no ano passado, em 55 países - e divulgando as marcas impressas nesses restos, como forma a apontar seus fabricantes e pressionar por providências. Quem sujou tem de limpar.

No último relatório, de 2020, apesar da necessidade de distanciamento e dos "lockdowns" em diversas localidades, mais de 14 mil voluntários participaram de coletas que registraram 346.494 pedaços de plástico para fazer as chamadas "auditorias de marcas". Em 63% dos materiais, as marcas dos produtos estavam impressas nos resíduos. Com os resultados, o Break Free From Plastic elaborou o ranking dos dez maiores poluidores globais: Coca-Cola; PepsiCo; Nestlé; Unilever; Mondelez Internacional; Mars, Inc.; Procter & Gamble; Philip Morris Internacional; Colgate-Palmolive e Perfetti Van Melle. Conhece?

Agora, uma nova pesquisa segue o dinheiro e a matéria-prima e avança para dentro da cadeia de produção do plástico descartável para apontar petroquímicas produtoras das resinas que originam esses produtos, seus financiadores e os países de onde vêm, além do consumo per capita de plástico descartável.

O objetivo é expor a cadeia de suprimentos e apontar para consumidores, indústria, investidores e governos como a poluição plástica é financiada, produzida e descartada, na esperança que essa transparência ajude a organizar as pressões sociais por mudanças para frear a poluição e as catástrofes climáticas.

O novo índice "Plastic Waste Makers Index: Revealing the source of the single-use plastics crisis", realizado pela fundação australiana de filantropia Minderoo e divulgado no último dia 18, foi elaborado com a colaboração de pesquisadores do London School of Economics, do Instituto Indiano de Tecnologia de Delhi, do Instituto do Meio Ambiente de Estocolmo, da consultoria Wood Mackenzie, do think tank Planet Tracker e da gigante australiana de minério de ferro Fortescue (cujo CEO, Andrew Forrest, é o fundador da Minderoo). O índice é auditado pela KPMG.

Em texto de apresentação do relatório, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, diz que "rastrear as causas básicas da crise do lixo plástico nos capacita a ajudar a resolvê-la". E aponta o dedo: "As trajetórias da crise climática e da crise do lixo plástico são surpreendentemente semelhantes e cada vez mais interligadas. À medida que a conscientização sobre o pedágio da poluição do plástico cresceu, a indústria petroquímica nos disse que é nossa própria culpa e direcionou a atenção para a mudança de comportamento dos usuários finais desses produtos, em vez de abordar o problema em sua origem".

Um panorama desenhado pelo relatório: um terço da produção global de plástico é de descartáveis, que são 98% feitos de derivados de petróleo. Mais de 130 milhões de toneladas métricas desse material acabaram em aterros, incinerados ou descartados no meio ambiente em 2019. Quase 20% desse total, cerca de 25 milhões de toneladas métricas, foram para oceanos e terrenos. Cem empresas estão por trás de 90 por cento da produção global de plástico descartável. Os plásticos descartáveis contêm aditivos químicos que já foram encontrados em humanos e estão ligados a uma série de problemas de saúde reprodutiva. Se o crescimento da produção de plástico descartável continuar nas taxas atuais, eles poderiam ser responsáveis por 5% a 10% das emissões mundiais de gases de efeito estufa até 2050.

O relatório aponta as companhias, bancos e regiões responsáveis pela produção de polímeros que são usados para fabricar os descartáveis. E revela que apenas 20 empresas produzem mais de 50% de toda a resina mãe. Os top 3 são ExxonMobil, com 5,9 milhões de toneladas de contribuição para o lixo plástico global, a norte-americana Dow e a Sinopec. A concentração da produção também se repete nos investimentos. Quase 60% dessa produção de uso único é financiada por apenas 20 bancos globais.

Segundo o documento, a indústria de plásticos opera com baixa regulamentação e transparência e as políticas de controle tendem a se concentrar nas empresas que vendem produtos plásticos acabados, enquanto pouca atenção é dada para a base da cadeia de abastecimento que produz os polímeros, matéria-prima quase exclusivamente derivada de combustíveis fósseis.

Além das listas, o estudo aponta cinco particularidades importantes dessa cadeia. Em primeiro lugar, a já mencionada concentração. ExxonMobil, Dow e Sinopec respondem por 16% do lixo plástico de uso único global. Ou seja, de cerca de 300 produtores que operam globalmente, "uma pequena fração detém o destino da crise mundial dos plásticos em suas mãos", diz o relatório. "Sua escolha de continuar a produzir polímeros virgens, em vez de polímeros reciclados, terá repercussões massivas sobre a quantidade de resíduos coletados e gerenciados e vazamentos para o meio ambiente", adverte.

O segundo ponto de destaque é que os principais investidores e bancos globais estão viabilizando a crise dos plásticos de uso único: "Vinte gestores de ativos institucionais - liderados pelas empresas americanas Vanguard Group, BlackRock e Capital Group - detêm mais de US$ 300 bilhões em ações das empresas-mãe desses produtores de polímeros, dos quais cerca de US$ 10 bilhões vêm da produção de polímeros virgens para plástico de uso único". O relatório não afirma, mas diz "estima-se" que 20 dos maiores bancos do mundo, incluindo Barclays, HSBC e Bank of America, tenham emprestado quase US$ 30 bilhões para a produção desses polímeros desde 2011.

Em terceiro lugar, o relatório aponta falha coletiva da indústria, com falta de políticas, compromissos, prazos e metas em relação à adoção de matérias-primas não baseadas em combustíveis fósseis: "Os 100 maiores produtores de polímeros continuam a depender quase exclusivamente de matérias-primas virgens (de combustíveis fósseis)". Isso se reflete nos baixos índices de produção e uso de polímeros reciclados. Em 2019, a produção de polímeros reciclados a partir de resíduos plásticos representou cerca de 2% da produção mundial.

Como quarto ponto, o relatório indica um horizonte nada promissor. A oferta desses polímeros virgens nos próximos cinco anos pode crescer mais de 30% e provavelmente manterá novos modelos circulares de produção e reutilização fora dos investimentos e sem estímulos regulatórios. "A expansão planejada da capacidade de produção de polímero virgem ameaça esmagar as esperanças de uma economia circular de plásticos", aponta. Como resultado, mais poluição nos países em desenvolvimento com sistemas de gerenciamento de resíduos deficientes.

Em último lugar, o estudo afirma que o problema é geopolítico, o que seria demonstrado "pelo alto grau de propriedade estatal dos produtores de polímeros - cerca de 30% do setor, em valor, é estatal, com Arábia Saudita, China e Emirados Árabes Unidos entre os três primeiros". Por isso, a transição para um modelo circular - de reaproveitamento e reciclagem - e o fim dos descartáveis exigirá "mais do que liderança corporativa e mercados de capital verdes ou comprometidos com metas ambientais".

Serão necessárias vontade política e ações internacionais coordenadas para resolver desequilíbrios e desigualdades regionais profundamente enraizados. "Os países de alta renda normalmente fornecem aos países de renda baixa e média-baixa volumes significativos de polímero; e embora este último grupo de países gere muito menos resíduos plásticos descartáveis por pessoa, o inverso é verdadeiro em termos de resíduos mal administrados e poluição por plásticos", diz o estudo.

Para ilustrar: Austrália e os Estados Unidos produzem as maiores quantidades de resíduos plásticos de uso único per capita de poluição, com mais de 50 kg por pessoa por ano. Na China, o maior produtor de plástico descartável em volume, a média por pessoa é de 18 kg de resíduos plásticos descartáveis por ano. Na Índia, a média é de 4 kg por ano.

"Devemos agir agora. Porque, enquanto brigamos, os oceanos estão sendo destruídos com plástico e o meio ambiente está sendo destruído pelo aquecimento global", alerta Andrew Forrest, fundador da Minderoo. Como? "Parar de fazer plástico novo e começar a usar resíduos de plástico reciclado, realocar capital de produtores de resinas virgens para os que usam reciclados e redesenhar o plástico para que não cause danos e seja compostável e não se torne nanoplástico", afirma Forrest.

Recomendações

O relatório faz recomendações aos produtores de polímeros, investidores e bancos, formuladores de política e demais empresas da cadeia de abastecimento. Transparência, rastreabilidade e compromissos na luta a crise do clima são princípios norteadores.

Para as petroquímicas que produzem polímeros, a melhor é: "Pare de defender a sustentabilidade da boca para fora e aproveite a oportunidade para reformular as ferramentas". Entre as mais importantes, estão a divulgação dos níveis de produção de polímero virgem versus reciclado e sua "pegada" de resíduo plástico de uso único associada, a definição de compromissos reais, quantificáveis e com prazo determinado para reduzir a dependência de matérias-primas de combustíveis fósseis e mudar para polímeros reciclados circulares e a adoção de ferramentas de medição e relatório de circularidade (o relatório recomenda o uso do Circulytics, da Ellen MacArthur Foundation).

Para investidores e bancos, o relatório aconselha a divulgação do nível de empréstimo e investimento na produção de polímero virgem versus produção de polímero reciclado e a geração associada de resíduos plásticos de uso único, o financiamento da economia circular de plásticos, a eliminação gradual investimento e financiamento de expansões para fabricação de plástico virgem de uso único.

O relatório defende a formulação de um tratado global sobre poluição do plástico que aborde o problema em sua origem, com metas para a eliminação dos polímeros baseados em combustíveis fósseis e encorajando o desenvolvimento de uma economia circular de plásticos.

A lista

Vinte empresas produzem os polímeros que estão na composição de 55% dos plásticos descartáveis. Eis a lista das empresas:

ExxonMobil
Dow
Sinopec
Indorama Ventures
Saudi Aramco
PetroChina
LyondellBasell
Reliance Industries
Braskem
Alpek AS
Borealis
Lotte Chemical
INEOS
Total
Jiangsu Hailun Petrochemical
Far Eastern New Century
Formosa Plastics Corporation
China Energy Investiment Group
PTT
China Resources

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado, o nome correto da empresa é Procter & Gamble. A informação foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL