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Júlia Rocha

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Jovens infartados do Brasil, uni-vos

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Imagem: iStock

14/07/2021 16h24

Em menos de cinco dias fui surpreendida com duas notícias igualmente apavorantes. Dois conhecidos, um de 36 e outro de 34 anos, infartaram. Em comum, eram saudáveis, não usavam drogas, não tinham pressão alta, diabetes ou qualquer outra condição que representasse um risco aumentado para um ataque cardíaco. Em comum também, havia o fato de que estavam trabalhando quase 14 horas por dia, de 6 a 7 dias por semana, sem vínculo trabalhista estável, sem direitos, sedentários por pura falta de tempo e energia, preocupados com o endividamento de suas famílias, profundamente entristecidos e angustiados pelas notícias do país e revoltados com a perda de familiares próximos para uma doença para a qual já temos vacina.

Ontem falei sobre esses dois casos nas redes e uma enxurrada de comentários descrevendo histórias semelhantes apareceram. Eu, uma jovem senhora amante dos esportes, fã de um pilates e de uma musculação, que há mais de um ano não consegue nem tempo nem ânimo para levantar que seja um pesinho de 2 quilos, tremi.

A genética já não me ajuda, os exames já não estavam lá essas coisas, a alimentação já não estava assim uma beleza. Decidi fazer algo. Não queria infartar agora. Se for para infartar, que seja de alegria quando o fascismo à brasileira for varrido do mapa.

Saí em busca de soluções. Para tratar de forma mais cuidadosa a Síndrome dos Ovários Policísticos que aumenta minha chance de ficar diabética e as minhas chances de infartar, procurei uma nutricionista especialista em saúde da mulher e em estratégias de redução da inflamação gerada por esta condição. R$ 400 a primeira consulta. Uma hora e 20 minutos de um atendimento muito cuidadoso. A cada 2 meses, uma nova consulta de acompanhamento me custará R$ 300.

Procurei também uma fisioterapeuta para me ajudar com as dores musculares que o sedentarismo e às 14 horas de trabalho diárias me causaram. Pontos de tensão e de gatilho de mais dor foram resultado de uma avalanche de preocupações, notícias tristes e revolta. Cada sessão custa R$ 120. Funcionar funciona, por que ela é uma excelente fisioterapeuta, mas talvez eu precise de um longo tempo com ela, já que o problema é crônico e a causa das dores segue ativa.

Marquei uma consulta com meu médico de família que pediu exames e me orientou a buscar uma psicóloga. Esta consulta e os exames, eu consegui fazer pelo plano, mas é um plano coparticipativo, e isso acabou me custando mais R$ 100.

A psicoterapia já vai começar! R$ 200 cada sessão.

Esqueci de comentar que assinei uma cesta de vegetais sem agrotóxicos, produzidos em sistema de agroecologia aqui pertinho da minha cidade. Estou tentando melhorar a alimentação da família toda. A assinatura custa R$ 220 por mês. No supermercado, as coisas estão muito caras. Não preciso nem falar sobre isso. Você sabe. Dia desses fui comprar meio quilo de lentilha, grão-de-bico e ervilha, cada saquinho estava custando dez reais. Vi a cena daquele punhadinho de coisa no fundo da minha sacolinha de pano e pensei: "Caramba, quem no Brasil tem condições de comer isso, Deus?!"

Decidi que ia voltar a fazer caminhadas. Só decidi. Ainda não comecei. Sei que um coach aqui diria:"Faltou disciplina", "Sem dor, sem ganho", "Não invente desculpas, invente soluções", mas a questão é que eu acordo às 6, saio às 7, trabalho de 8 às 18, chego às 19, ajeito a casa e a comida do outro dia, tomo um banho e desmaio na cama às 21 ou 22 horas. Não consigo arrumar nem tempo, nem energia, nem ânimo, nem forças pra caminhar. Então, a parte da atividade física segue só na vontade mesmo.

E veja: eu sou médica, autônoma, tenho uma casa, não pago aluguel, tenho um carro que me protege do transporte público lotado, tenho casa de vó para deixar minha filha para eu trabalhar, tenho dinheiro pra pagar algumas saídas, mesmo que temporárias para esta situação de adoecimento em que me encontro. Quantos brasileiros tem?

Foi pensando nisso que decidi lançar a minha própria campanha coach: "Jovens Infartados ou quase infartados do Brasil, uni-vos." Só unidos a gente vai conseguir tirar da nossa vida tudo que está aumentando terrivelmente o nosso risco cardiovascular.

Precisamos tirar tudo aquilo que nos impede de poder frequentar espaços seguros para a prática esportiva. Todos aqueles que desaconselham uso de máscaras, que não compram vacina, que distribuem cloroquina.

Precisamos tirar da nossa vida tudo aquilo que nos impede de exercer nossa soberania alimentar. Varrer para bem longe quem derrama agrotóxicos venenosos na nossa comida, que nega acesso a terra a quem de fato produz o que comemos, que incentiva o avanço do agronegócio ecocida, que desmata, promove queimadas e derruba os biomas brasileiros, do cerrado, a Amazônia, passando pela Mata Atlântica, para plantar desertos verdes de soja e eucalipto.

Não podemos esquecer de varrer da cena política com toda força do nosso ódio aqueles que encareceram o custo de vida, aumentaram o desemprego, promoveram reformas que acabaram com nossos direitos trabalhistas e com a nossa perspectiva de aposentar. São eles que nos fizeram trabalhar 12, 14 horas por dia, sem férias, sem descanso, sem direito a adoecer, a poder cuidar dos nossos filhos, a fazer uma compra com tudo que queremos comer no supermercado.

Além deste bando, precisamos também estar atentos aqueles que atacam o nosso sistema público de saúde. Sem condições de cuidar das nossas questões físicas, como a gente vai evitar nosso adoecimento?

Parece difícil fazer tudo isso, e é mesmo! Sozinho a gente não faz nada do que precisamos. O que eu quero te contar é que (leia com voz de coach quântico) eu sei como te ajudar a fazer tudo isso de um jeito eficiente e seguro.

No dia 24 de julho, eu e outras centenas de milhares, talvez milhões de brasileiros estaremos nas ruas pedindo pelo fim deste governo que já matou mais de 536 mil pessoas, só de COVID! Fora os infartados, os acidentados, os doentes de câncer, de hepatite, de insuficiência, renal, de Alzheimer, de meningite, que não encontraram assistência adequada no SUS.

Saúde é política. Não é bem de consumo individual. É direito de todos que se constrói a partir da luta popular. Não perca a oportunidade de extravasar sua revolta junto com outros tantos brasileiros quase infartados mas movidos pela força coletiva e por um senso de justiça que hoje parece estar em falta.

Se você acha que tudo isso que eu disse aqui faz sentido para você, organize-se politicamente. Busque coletivos e outras associações que te permitam lutar pelo presente e pelo futuro do nosso país. Por nós e por nossos filhos! Nós, os quase infartados, os adoecidos de Brasil, só temos uma única saída eficiente. A organização política. Ninguém para um genocídio sozinho, mas eu te garanto que hoje, neste momento, tem genocida gaguejando e tremendo com medo da força que temos quando a gente se organiza.

Beijos científicos, politizados e cheios de vontade de que você não morra, ao contrário de certos genocidas aí.