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Júlia Rocha

Covid-19 pós-aguda. Há pessoas que não melhoram há meses

Mister Shadow / Estadão Conteúdo
Imagem: Mister Shadow / Estadão Conteúdo

07/09/2020 11h27

Covid-19 pós-aguda, Covid longa, Síndrome pós-Covid, Covid prolongada, Covid persistente. De tão novo, ainda não sabemos ao certo como chamar esse conjunto de múltiplos e variados sintomas que persistem mesmo após meses do início dos primeiros sinais da Covid-19. É o que vem sendo observado por profissionais e pesquisadores no Brasil e no mundo: uma parcela relevante das pessoas, mesmo entre aquelas que tiveram quadros leves a moderados de Covid, persiste com sintomas por semanas a meses após a doença aguda.

A Covid-19 pós-aguda vem sendo definida como a manifestação estendida de sintomas por mais de três semanas desde o início do quadro. Já a denominação Covid-19 crônica vem sendo usada para se referir aos quadros de manutenção dos sintomas por mais de 12 semanas.

Receber estes pacientes no cotidiano das unidades básicas de saúde tem se tornado cada vez mais comum. No Reino Unido, estima-se que 10% dos pacientes que testaram positivo para Covid-19 mantenham sintomas por mais de três semanas. Esta porcentagem pode variar a depender do perfil dos pacientes analisados. Aqueles com doenças mais graves, que tiveram necessidade de internação, intubação e longa permanência em unidades de tratamento intensivo tendem a evoluir de forma diferente, sendo que uma maior parte deles segue sintomática por períodos prolongados.

Um estudo italiano publicado em julho e que avaliou estes pacientes com quadros mais graves e que demandaram internação e suporte respiratório mostrou que aproximadamente 32% deles ainda apresentavam 1 ou 2 sintomas e 55% deles, seguiam com 3 sintomas ou mais, mesmo passados 2 meses do início dos primeiros sinais da infecção.

Os sintomas são muito variados e vão de tosse, fadiga intensa, falta de ar, dificuldades de concentração, dores no corpo, depressão, chegando a condições tromboembólicas e lesões dermatológicas, entre outros.

No Brasil, muitos pacientes com quadros clínicos compatíveis com Covid-19 sequer foram testados. Muitos tiveram quadros leves de Covid e não suspeitaram da doença. Ou seja, são pessoas que ainda não encontraram explicação para o que sentem hoje. Há um desconhecimento sobre essas condições não só entre a população mas também entre os profissionais. E para os sistemas de vigilância e contagem de casos, estas pessoas são sumariamente desconsideradas. São casos que oficialmente sequer existem.

As implicações desses sintomas vão além da óbvia perda de funcionalidade e dos efeitos na qualidade de vida. Há relatos internacionais de pessoas que foram demitidas ou tratadas como hipocondríacas por profissionais de saúde. É válido ressaltar que muitas destas pessoas são jovens e apresentavam boas condições de saúde antes da infecção pelo novo coronavírus.

Num cenário de desemprego e de precarização do trabalho como é hoje o cenário nacional, esta realidade assume aspectos ainda mais preocupantes. São brasileiras e brasileiros já empobrecidos desde antes da doença, fora do mercado e agora sem condições físicas para ganhar a vida, mesmo na informalidade.

Os estudos realizados nos municípios vêm demonstrando, na prática, a subnotificação já apontada desde que a Covid-19 chegou ao Brasil. A dramática ausência de testes vivenciada no início da pandemia e a consequente ausência de isolamento dos casos, o absurdo retorno ao trabalho das pessoas com quadros leves que não podiam parar, já que tinham vínculos trabalhistas precários e, por isso, não receberiam seus salários, o parco isolamento social, o retorno a uma vida normal, sem máscaras e com aglomerações desnecessárias nos trouxeram a uma realidade preocupante.

Os casos oficiais já passaram dos 4 milhões. Desconsiderando a subnotificação e estimando que se repetiria no Brasil uma taxa semelhante à do Reino Unido, onde cerca de 10% das pessoas com Covid experimentaram sintomas prolongados característicos da Covid longa, estamos falando de 400 mil brasileiros sintomáticos. Obviamente, não se trata de 400 mil incapazes. Há intensidades diversas, e a incapacidade não é a realidade de todos.

Há ainda um desconhecimento dessas condições por parte dos profissionais de saúde. As publicações que orientam o manejo dos casos ainda são carregadas de incertezas quanto às melhores abordagens. Já sabemos que uma parcela dos pacientes vai demandar reabilitação em diversos aspectos: fisioterapia respiratória, programa para reganho de massa muscular, acompanhamento em saúde mental entre outras coisas. O cenário de fragilidade do Sistema Único de Saúde, a limitação dos investimentos, o aumento da miséria e da pobreza, o aprofundamento da crise econômica, a impossibilidade de se ampliar os recursos destinados à saúde pública e o desemprego tornam este enfrentamento ainda mais difícil.

Mais que reconhecer esta condição e saber abordá-la tecnicamente como profissionais, é tempo de advogarmos pelo direito de que esses pacientes, muitos deles profissionais de saúde que se expuseram à infecção para salvar outras vidas, sejam amparados pelo Estado brasileiro para que tenham tempo e condições materiais para buscar sua recuperação plena.