O desafiador de 220 volts

Presidente da JAC, Sergio Habib foca nos elétricos para brigar com as principais montadoras do país

Eugênio Augusto Brito e Fernando Calmon Do UOL, em São Paulo Keiny Andrade/UOL

Explicando vantagens do carro elétrico com duas garrafas d'água

Carro comum joga fora 80% do combustível; elétrico, não

Keiny Andrade/UOL

"Sempre fui disruptivo"

Ele tem 60 anos, 30 de indústria automotiva. Começou tudo, como gosta de dizer, "ainda garoto, nos anos 1970, com coleção [de revistas especializadas] 'Quatro Rodas', 'AutoEsporte" e a paixão por carros".

Filhos de franceses, Sergio Habib iniciou o lado empresário com um lava-rápido. Mas o perfil visionário começou a dar frutos a partir do governo de Fernando Collor, presidente que ficou pouco no cargo, por conta de acusações de corrupção e tráfico de influência, mas que ajudou a abrir o mercado brasileiro.

Assim, nos anos 1990, Habib decidiu abraçar o desafio de trazer a francesa Citroën para o Brasil, como importador. Também fundou a associação que representaria outras importadoras, a então Abeiva (hoje, Abeifa) -- nêmesis da Anfavea, que representava as poucas fabricantes localizadas.

Habib atuava não só como empresário, não só como industrial. Ele era -- e segue sendo -- um vendedor. Com 1,93 m, frequentemente é visto em eventos públicos das marcas que representa usando o mesmo uniforme de qualquer um que trabalhe na loja: sapato confortável, calça em sarja, camisa social ou polo com o logo da fabricante. O diferencial são as meias coloridas que atestam sua personalidade. Terno? Só em ocasiões muito formais. Assim, deste jeito, transformou a marca francesa em uma das mais conhecidas nos 18 anos -- e criou um grupo bilionário, que foi do automotivo ao educacional, no auge.

Em 2008, ele deixou a parceria com a Citroën e foi um dos pioneiros dos carros chineses por aqui. Fechou com a JAC Motors e contou até com o apresentador Faustão como garoto-propaganda, mas essa parceria decolou rápido e caiu ligeiro. O empresário culpa a crise econômica brasileira, medidas protecionistas e a forte inveja, que se transformou em lobby, de fabricantes locais. Outra frustração foi a fábrica brasileira da JAC que não saiu do papel.

Ele segue ao lado da JAC, mas agora o desafio é importar e montar carros elétricos, além de utilitários. Será que vai dar certo?

"Quando eu trouxe carro chinês em 2009, 10 e 11, foi a mesma coisa: 'como? Um carro chinês?'. Também foi disruptivo para o mercado. Tanto assim que teve montadora que teve de baixar preço por causa da gente. O carro elétrico é disruptivo mundialmente", disse em entrevista exclusiva de mais de 2 horas a UOL Carros.

Quando eu fui nomear concessionários para ser Citroën, eu fui ao Rio e conversei com os maiores grupos da época. Todos negaram falando que não ia dar certo. O interessante é que, dez anos depois, todos com quem eu tinha falado fecharam. Não sobreviveram à mudança

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

Cadê o Faustão?

"A JAC chegou ao Brasil para mudar tudo que você já viu". Em 2011, o apresentador Fausto Silva apareceu em vários intervalos falando de uma marca nova e desconhecida para o público brasileiro, a JAC Motors. Os carros apresentados eram o J3 e o J3 Turin.

No entanto, o cenário mudou completamente desde então e dificilmente você vai ver as novas apostas elétricas da JAC na TV aberta e em outras mídias tradicionais.

"Antigamente, era fácil. Hoje, esquece. Televisão acabou. Ninguém mais assiste televisão aberta. O que vale, hoje, é mídia digital. É um outro jogo", disse, sobre a mudança no foco para divulgação da JAC.

Não estou dizendo que o Faustão não funciona. Estou dizendo que eu não preciso do Faustão para vender carro elétrico. A audiência da Globo, quando dá 20%, os caras dão pulo de alegria

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

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"'Inovar-Auto' foi bom, mas protecionismo de Dilma foi um desastre"

A JAC Motors chegou forte em 2011 no mercado nacional com os carros chineses que contavam com itens de série que não constavam dos pacotes de veículos estabelecidos sequer como opcionais. O termo "completão" ganhou força.

"Eu preparei a vinda da JAC no Brasil durante dois anos, mas era outro mercado, outro câmbio. Os carros, na época, no Brasil, não tinham airbag e ABS. A gente lançou a JAC com grande sucesso", disse.

"A gente, instantaneamente, vendeu três mil carros por mês e era 1% do mercado. A gente fez um investimento maciço em rede abrindo 50 lojas no mesmo dia. Minha mulher, que é mineira, falava para mim: 'Sergio, vai com calma. O Brasil é um país arriscado. As leis mudam'. Eu falei: 'amor, fica tranquila'", completou.

O que deu errado?

Habib culpa as medidas protecionistas do governo Dilma Rousseff e o lobby das fábricas instaladas no Brasil pela queda nas vendas nos anos seguintes. Foi criado no final de 2011 um 'Super IPI' para limitar as importações, criando uma taxa de 30 pontos percentuais após ultrapassar um limite de vendas. A ideia da JAC de ter no futuro uma fábrica em Camaçari, na Bahia, nunca se concretizou.

"A gente lançou o nosso carro e logo depois teve um lobby fortíssimo das montadoras e da Anfavea para proteger o mercado brasileiro. Esse lobby bateu no ouvido da Dilma, que é uma pessoa protecionista. O (Guido) Mantega (ex-ministro da Fazenda), também."

"A Anfavea fez muita pressão e então aconteceu esse 'Inovar-Auto', que para um monte de coisas foi um desastre. Para outras, foi positivo, como por exemplo baixar o consumo de combustível. Mas toda essa lei de protecionismo, de conteúdo local, que hoje não existe mais, foi muito ruim. Nós diminuímos nossa operação violentamente. Hoje nós estamos vendendo ao redor de 300 carros por mês", completou.

Em um governo atual, que é de direita, teria sido diferente. Mesmo no do FHC teria sido diferente e talvez até no governo Lula. Mas com a Dilma, foi uma calamidade

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

"Não tem nada para pifar no carro elétrico"

Sergio Habib está empolgado com o crescimento dos carros elétricos. Na Europa, países como Alemanha, França e Reino Unido já criaram legislações para promover os veículos de energia limpa em detrimento aos de combustível fóssil.

Embora o Brasil esteja muito atrasado em comparação a Europa e a China, o empresário acredita no potencial dos elétricos especialmente na questão da manutenção, mas admite que algumas limitações especialmente para quem quiser uma autonomia para longas distâncias.

"As concessionárias vão ser bem menores. O pós-venda pode ser longe porque você vai fazer uma vez por ano. O carro elétrico não pifa. Não tem nada para pifar no carro elétrico", disse.

O carro elétrico tem as suas limitações. Tem um cliente que queria comprar um carro elétrico e ir para praia no litoral sul (de SP), Falei: 'não compra o carro'. Porque você vai se angustiar na volta . Você vai ter que rodar a 80 km/h e vai ficar olhando a autonomia o tempo todo

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

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"Montadoras gigantes estão assustadas"

Segundo Sergio Habib, o mercado automotivo vive um momento disruptivo por parte de consumidor, montadora e legislação. As mudanças mais drásticas com a troca da frota de combustível fóssil por energias renováveis serão a redução de empregos por parte dos fabricantes.

"Quando você é a GM e percebe que carro elétrico está aumentando, tem que entrar na maré. Assusta quando percebe que só vai fabricar 11% daquilo que você vende. Terceira coisa, precisa de 40% de pessoas a menos para montar um carro elétrico do que um carro térmico (comum)", afirmou.

"Na Europa, a associação de montadoras de carros está falando para o governo: "você quer que em 2030 eu faça essas normas de poluição draconianas que você está pedindo, ok. Eu vou demitir 40% das pessoas nos próximos 12 anos. Com carro elétrico, eu não preciso de nada. Carro elétrico é o seguinte, bateria... sabe qual é o tamanho de um motor de um Tesla de 400 cavalos? É uma melancia. O nosso carro é entre um mamão papaia e um mamão normal", completou.

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"Fiz montadora baixar o preço por causa da JAC"

Sergio Habib se orgulha por ter criado uma rede de concessionárias da Citroën nos anos 1990 e comemora que "causou" no início desta década com a JAC Motors, quando forçou que algumas rivais baixassem o seu preço.

"Trazer uma montadora que não era uma das quatro era disruptivo, porque muita gente não acreditava. Quando eu trouxe carro chinês, foi a mesma coisa: 'como? Um carro chinês'. Também foi disruptivo para o mercado. Tanto assim que teve montadora que teve baixar preço por causa da gente", comentou.

Visão sobre a China

O turista vai para Xangai e fala: 'fui para China'. Não, não. Você quer ir para China? Vai para Chongqin que tem 50 milhões de habitantes e é a maior aglomeração urbana do planeta. O aeroporto de Chongqing tem feira, vende legume, vende banana. Isso é a China

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

Essa é a diferença entre democracia e economia dirigida porque em uma democracia tudo é mais lento. Eu não estou falando que eu sou contra a democracia, mas uma empresa não é uma democracia, nunca foi, porque quando você tem um monte de gente decidindo, ninguém decide nada

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

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Sem a fábrica na Bahia, a saída pode ser parceria

A JAC Motors prometeu construir uma fábrica em Camaçari (BA) para produzir carros da marca chinesa no Brasil. Embora até tenha enterrado um carro no que seria a planta da fábrica, ela nunca saiu do papel em razão das turbulências econômicas.

A JAC chegou a vender 23.747 unidades em 2011. No ano passado, foram apenas 3.886 carros vendidos.

Segundo Habib, a saída provavelmente será uma futura parceria, dessa vez em Goiás, mas com outras fabricantes.

"Goiás é o melhor candidato. Mas é uma coisa que nós estamos ainda analisando, estudando. Nós não vamos fazer tudo por que hoje as fábricas têm capacidade ociosa. A gente pode fazer em uma fábrica mais simples", disse.

"Eu, em Goiás, tenho duas coisas que são interessantes para gente por haver duas fábricas que estão com capacidade ociosa: a da Mitsubishi e a do Caoa, então eu consigo usar as fábricas deles para fazer uma parte do processo produtivo, que exigiria muito investimento, como estamparia e linha de pintura. O resto eu faço."

O problema que o Brasil é um país caríssimo. Um engenheiro júnior talvez ganhe entre R$ 6 mil ou R$ 7 mil, mas ele custa R$ 14 mil para a empresa porque tem uma carga tributária em cima do trabalho. O Brasil não tributa renda, o Brasil tributa consumo

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

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"É mais barato não vender carro no Brasil"

Sergio Habib alerta que a decisão da Ford em fechar a fábrica de São Bernardo do Campo é mais um alerta sobre os problemas que enfrentam um país tão burocrático que está ficando para trás em um mercado cada vez mais globalizado e tecnológico.

"Por incrível que pareça, o preço do carro no Brasil, a carga tributária e o câmbio fazem do negócio de fabricar e vender carro no Brasil um negócio ruim. Por que a Ford está decidindo fechar uma fábrica? A decisão de fechar uma fábrica pode levar um ano. Quando você fecha uma fábrica, você não está fechando para reabrir daqui a dois anos", disse.

"Por que a Ford está deixando de fazer caminhão no Brasil? A Ford tem 12% do mercado de caminhão. A decisão foi pensada lá fora com muito cuidado e falaram: 'olha, não vale a pena'. Conclusão, será que se ganha dinheiro no Brasil? Se ganhasse, você não fecharia a fábrica. Os últimos anos que esse pessoal ganhou dinheiro no Brasil foi 2011 ou 2012. Depois, nunca mais ganhou. É mais barato não vender carro no Brasil."

A GM falou que estava querendo ir embora e não é papo, não. A GM não ganha dinheiro no Brasil faz vários anos. A Fiat empata e a Volks perdeu uma fortuna no Brasil. Eles não divulgam o balanço por país, mas tem gente que estima que a Volks, em 2016, perdeu 100 milhões de euros por mês no Brasil. Um bilhão em um ano.

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

Nossos carros que dão menos prejuízo ou alguma rentabilidade para as montadoras são produtos simples. O Fiesta é um carro europeu. Qual é o carro europeu que vende no Brasil dando lucro para montadora? Na minha opinião, nenhum. Os carros que funcionam no Brasil são simples e robustos. O Onix foi desenvolvido pela Coreia. É um carro simples

Sergio Habib, presidente da JAC Motors

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