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Pioneira das importações, Lada passa de 'mico' a carro de colecionador

Exemplares em perfeito estado como essa Laika SW são raríssimos - Reprodução/Flavio Gomes
Exemplares em perfeito estado como essa Laika SW são raríssimos
Imagem: Reprodução/Flavio Gomes

Vitor Matsubara

Do UOL, em São Paulo (SP)

12/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Marca foi uma das primeiras a desembarcar no Brasil após reabertura das importações
  • Problemas abalaram reputação da marca, que deixou país em 1995
  • Fãs da marca criaram clube e se reúnem para trocar experiências
  • Engenheiro abriu até comércio online com venda de peças vindas da Rússia

A reabertura das importações em 1990 foi marcada pela trajetória de uma das marcas mais famosas da Rússia no Brasil. A Lada foi a primeira empresa a trazer carros para cá e logo fez sucesso com modelos que seduziram clientes muito mais pela relação custo-benefício do que por atributos como o design.

A meta da Lada era ousada: vender cerca de 50 mil carros por ano, o que representava 6,5% do mercado nacional. Logo no primeiro ano, 15 mil veículos foram faturados e a rede de concessionárias chegou a 126 revendas.

Lada Samara - Divulgação - Divulgação
Hatch Samara foi um dos primeiros modelos da Lada no Brasil
Imagem: Divulgação

"Eram carros com motor 1.6, espaçosos e que custavam US$ 5 mil, enquanto um Uno era vendido por US$ 6.500. A marca fez muito sucesso, especialmente entre os taxistas, que viram no Laika um carro espaçoso e barato para trabalhar", relembra o jornalista Flavio Gomes, um dos maiores entusiastas da marca russa no Brasil.

Porém, problemas de qualidade nos carros (que vinham da Rússia sem qualquer adaptação para as altas temperaturas do nosso país) fizeram as vendas desabarem com a mesma rapidez. A queda foi de 66% em 1991 e os números só pioraram até a marca sair do Brasil em 1995.

Mico ou raridade?

Desde então, pouca gente se aventura a comprar um Lada no mercado de usados. A única exceção é o Niva, o robusto jipe que tem uma legião fiel de fãs. Outros modelos, como o Samara (um dos primeiros modelos a vir para o país, ao lado do Niva), são quase impossíveis de serem encontrados em estado decente de conservação.

Mesmo assim, a marca ganhou espaço no universo do antigomobilismo nos últimos anos. Alguns exemplares em estado impecável de conservação já são vendidos por valores muito acima do usual, especialmente por lojistas conhecidos por inflacionar preços.

Lada Laika anunciado na internet - Reprodução/OLX - Reprodução/OLX
Exemplares como este Laika são anunciados na internet por valores exorbitantes
Imagem: Reprodução/OLX

Um dos motivos para a inflação acontece porque os carros da Lada já podem receber placa preta neste ano. Uma perua Laika SW azul foi o primeiro Lada a receber o sonhado atestado de originalidade.

Sonho antigo

Acostumado a viajar o mundo quando cobria a Fórmula 1, Gomes namorava os carros da Lada há anos. Mas só no começo dos anos 90 é que a paixão virou amor de verdade.

"Meu primeiro contato foi em 1991, quando fui cobrir o GP da Hungria e fiz questão de alugar um Lada. A porta não abria direito e a buzina não funcionava, mas me encantei mesmo assim", afirmou.

Atualmente, Flavio possui seis modelos da Lada: um Niva, um Samara, dois Laikas sedã e duas Laika SW.

Lada Laika - Flavio Gomes/Acervo Pessoal - Flavio Gomes/Acervo Pessoal
Laika sedã foi o primeiro Lada de Flavio Gomes
Imagem: Flavio Gomes/Acervo Pessoal

Todos ficam guardados em um galpão em São Paulo, mas isso não significa que o jornalista da Fox Sports não tenha contato com a marca no Rio de Janeiro, onde mora atualmente. Uma das peruas Laika - justamente o carro que abre esta reportagem - é sua fiel companheira pelas ruas cariocas.

De tão fanático pela marca, Flavio até converteu um Laika sedã em um carro de corrida, que atualmente curte uma merecida aposentadoria após seis anos competindo pelos autódromos do país.

"Gosto da Lada por dois motivos. Primeiro por uma questão política, já que todos os carros foram fabricados por operários da União Soviética. E também porque, além de ter sido o mesmo carro durante todo o tempo em que esteve em produção (de 1970 a 2012), o Laika foi um dos carros mais produzidos do planeta. Então ele tem seu lugar na história", analisou.

Bom para preparação

Não é só no mercado de carros antigos que a Lada está lentamente reconquistando espaço. Os modelos da marca estão sendo procurados por pessoas que desejam um carro mais barato com tração traseira, inclusive fãs de preparação.

"Até pouco tempo atrás o Laika era muito desvalorizado, mas os preços subiram muito, especialmente pelo fato de ser um carro com tração traseira. Conheço alguns carros que foram preparados, sendo um deles com 320 cv na roda e o outro preparado para provas de track day", afirma Paulo Gastaldo, fundador do Lada Clube SP.

O clube nasceu de forma tímida nas redes sociais, mas cresceu rapidamente e hoje realiza até encontros mensais na Praça Charles Miller, em São Paulo (SP).

"Nosso grupo tem por volta de 700 pessoas no Facebook e 300 carros. Já fizemos alguns passeios, como viagens para Pedra Grande e Paranapiacaba, e uma vez por mês fazemos um churrasco comunitário, normalmente às terças ou quartas-feiras", declarou.

Apuros no Consulado

O engenheiro de produção conheceu a marca quando era criança, já que seu pai foi dono de um Laika e sua mãe dirigia um Samara.

"Lembrei da Lada quando estava procurando um carro com tração 4x4. Pesquisei um (Jeep) Cherokee, mas me assustei com o custo de manutenção, e aí fui atrás de um Niva porque queria um carro pequeno e com câmbio manual".

Lada Niva - Paulo Gastaldo/Reprodução - Paulo Gastaldo/Reprodução
Paulo comprou seu Niva pela internet sem sequer ver o carro
Imagem: Paulo Gastaldo/Reprodução

Depois de comprar algumas peças para seu Niva pela internet, Paulo resolveu abrir um negócio para vender peças de reposição para carros da marca. Faltava, porém, uma maneira de trazê-las de forma mais rápida, e foi aí que Paulo viveu uma situação hilária que mudou sua vida.

"Resolvi ir até o Consulado da Rússia em São Paulo e fui atendido muito bem até a hora em que descobriram o motivo da visita. Fui expulso ouvindo palavrões de todos os tipos em russo (risos). Entrei em comunidades de brasileiros na Rússia e encontrei um rapaz que morava em Moscou e conhecia um amigo em Togliatti (cidade-sede da Lada). E esse cara conhecia um amigo que trabalha na linha de montagem da Lada", revelou.

As conversas evoluíram e rapidamente a loja online de Paulo cresceu. "Consegui o contato de algumas fornecedoras e hoje sou o representante oficial de um deles aqui no Brasil".

Um Niva 0km?

Lada Niva 2020 - Divulgação - Divulgação
Niva é produzido na Rússia desde 1977 sem grandes alterações
Imagem: Divulgação

Agora, Paulo está envolvido em um projeto ainda mais ambicioso. Se tudo der certo, ele será o primeiro e único dono de um Niva 0km no Brasil.

"Estou trabalhando para importar um Niva da Rússia e pretendo trazê-lo pronto de lá. O processo (de importação) é relativamente fácil, mas a conversão direta de valores faz com que ele passe dos R$ 45 mil que custa lá para R$ 125 mil. Poderia até trazê-lo de um dos países em que a Lada vende carros na América do Sul (Peru, Chile ou Bolívia), mas aí precisaria pagar dois impostos de importação, uma vez que o chassi do Niva é de origem russa".