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Motocicletas retrô são máquina do tempo para uma época de charme

Cícero Lima

Colaboração para o UOL

30/05/2013 18h57

Alguns motociclistas parecem querer viajar no tempo, como se estivessem presos ao passado. Comecei a notar isso ao publicar alguns alertas a respeito da segurança das motos da década de 1980 que rodam até hoje. Quase 200 internautas enviaram comentários. Muitos repudiando as críticas e, em sua maioria, demonstrando admiração pelas motos antigas.

Esse motociclista, ligado ao estilo retrô, representa um consumidor que a cada ano ganha mais atenção dos fabricantes. As marcas têm a missão de desenvolver modelos capazes de agradar a esse público com um design clássico e, ao mesmo tempo, oferecer desempenho, conforto e segurança.

Desafio também vivido pela indústria automotiva, que oferece carros inspirados nos anos de 1950. Modelos como o Fiat 500, Mini Cooper e o extinto Chrysler PT Cruiser comprovam essa tendência.

No mundo das motos, existem diversas marcas que usam o apelo do "fashion vintage" para agradar aos pilotos. Modelos como a Triumph Bonneville (famosa nas mãos do ator Steve McQueen) são um exemplo claro de sucesso capaz de salvar uma marca: a Triumph passou por tempos difíceis e retornou das cinzas.

A fábrica, localizada na Inglaterra, sucumbiu às chamas durante um incêndio em 2002. Dez anos depois, a marca chegou oficialmente ao Brasil e apresenta ao consumidor fascinado pelo estilo retrô uma versão repaginada da Bonneville (lançada originalmente em 1959). A resposta do público foi imediata: nos primeiros quatro meses de 2013, os amantes do estilo compraram 210 unidades. Com motor de 865 cc, a moto é capaz de oferecer 68 cavalos de potência máxima para movimentar seus 225 kg.

Ao contrário da Bonneville original, o modelo adotou soluções mais modernas e econômicas. Perdeu a dupla de carburadores e ganhou injeção eletrônica de combustível, que, com o catalisador no escapamento, reduziu a emissão de gases na atmosfera. Afinal, charme e poluição não combinam. (Por falar em charme, o fabricante teve ousada ação de marketing ao expor a moto na Casa Cor 2013.)

VINTAGE E DESCOLADO
De acordo com Adriano Rodrigues, supervisor de vendas da concessionária Triple Triumph, de São Paulo, o público que compra essa moto pode ser definido com um motociclista "descolado", em busca de um modelo que o caracterize como pessoa "antenada" e original. Segundo Rodrigues, é uma percepção ligada às décadas de 1950/60 e tudo que o período representou em termos de arte e cultura.

Mas não é só no Brasil que a tendência ganha força. Fabricantes como a japonesa Kawasaki também apostam na força do retrô. A W 800 é uma releitura das motos dos anos 1950. O modelo, à venda na Europa, foi lançado em 2004 e, em quase dez anos, teve de evoluir: perdeu os carburadores e ganhou injeção eletrônica. Com 217 kg, usa motor de 773 cc com potência máxima de 48 cavalos.

A volta ao passado também faz sucesso nos Estados Unidos. A Yamaha, num ataque frontal à americana Harley-Davidson, lançou a minimalista Star Bolt. Ao esbanjar no design, essa custom (que usa o moderno motor de 950 cc da Midnight Star) parece mesmo ter saído do túnel do tempo. Apesar do visual clássico, o modelo oferece motor de 942 cc e potência máxima de 53 cavalos para movimentar seus 245 kg.

  • Reprodução

    De origem inglesa, hoje a Royal Enfield Bullet Classic 500 é vendida na Índia, ex-colônia

Em outros países, com menos tradição no motociclismo, o design que remete aos modelos das décadas de 1950/60 também está presente. Motos da Royal Enfield, marca de origem inglesa que, por ironia, não são mais comercializadas nas terras da rainha, podem ser vistas nas ruas indianas. E apenas o entusiasmo dos saudosistas é capaz de manter no mercado uma moto como a Bullet Classic 500. O design até empolga, porém a ficha técnica mostra suas limitações: o motor de 500 cc oferece pouco mais de 27 cavalos de potência para movimentar seus 190 kg (a seco).

Na Rússia, temos outro exemplo: a Ural. A moto usa como diferencial o side-car, uma espécie de carrinho para o acompanhante que foi muito usado na Segunda Grande Guerra. O modelo T, com motor de 750 cc, oferece apenas 40 cavalos de potência. O peso da moto e do side-car aproxima-se de 400 kg. Otimista, o fabricante recomenda que a velocidade máxima seja de 65 milhas por hora, ou pouco mais de 100 km/h.

Apesar das restrições de alguns modelos, em razão de seu baixo desempenho e alto peso, os amantes do estilo retrô seguem firmes em sua convicção.

  • Divulgação

    A russa Ural T, dotada de side-car, transporta você até a Segunda Guerra Mundial

Com tantos exemplos de veículos ligados ao passado, surge a dúvida: essa tendência não seria sintoma de um problema, de uma fuga do presente? O doutor Salomão Rabinovich, membro da Academia Paulista de Psicologia, diz que não existe qualquer ligação com um lado obscuro da psique. "É apenas um resgate que pode estar ligado a diversos fatores, entre eles, a funcionalidade e a simplicidade desses veículos. Não é algo danoso", diz o psicólogo.

Prova dessa paixão está nos encontros que reúnem motos clássicas e seus admiradores. Em 2011, no Pátio do Colégio, centro histórico de São Paulo, cerca de 10 mil pessoas foram ver de perto motos antigas como as NSU, Horex e Zundapp -- marcas que remetem a um passado que poucos dos visitantes viveram pessoalmente.

Ainda assim, desejam ter um veículo com design que os associe a um passado distante. Uma moto que funcione como uma verdadeira máquina do tempo, e que mostre a todos qual é o estilo de seu dono.

Cícero Lima foi diretor de redação da revista Duas Rodas