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Proibição de garupa fere a Constituição e pode gerar caos

Em caso de sanção, projeto de lei forçará cidadãos a mudar drasticamente sua rotina  - Doni Castilho/Infomoto
Em caso de sanção, projeto de lei forçará cidadãos a mudar drasticamente sua rotina Imagem: Doni Castilho/Infomoto

Da Infomoto

02/12/2011 18h43

Na última semana o projeto de lei 485/2011, aprovado da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, pegou muitos motociclistas de surpresa -- além de fomentar a discussão em inúmeras comunidades na internet. A intenção do autor, o deputado estadual Jooji Hato, é diminuir os assaltos nas cidades com mais de um milhão de habitantes e, para isso, sugere proibir a circulação de motos transportando garupa de segunda a sexta-feira -- veja bem, em dias úteis. O projeto também obriga os proprietários de motos que queiram levar garupa aos finais de semana a usar um colete e um capacete com a placa da moto devidamente registrada e bem visível.

Sem argumentos legais e embasado por experiência pessoal, o deputado chegou a declarar à reportagem do Jornal da Globo (TV Globo) que "se você for abordado por garupa de moto, com certeza absoluta você vai ficar apavorado. Já fui assaltado e não quero que os outros passem o que eu passei".

Mas será o argumento de Hato plausível para proibir motos com garupa? Na busca por declarações oficiais a reportagem da Infomoto procurou a Polícia Militar do Estado de São Paulo, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A resposta foi padrão: "Não podemos opinar sobre um projeto de lei. Só falaremos sobre o assunto caso o projeto seja sancionado pelo governador".

Mas, de antemão, temos uma certeza. "Caso venha a ser sancionado, o projeto de lei, indiscutivelmente, vai complicar e inviabilizar, ainda mais, a vida de milhares de trabalhadores, que dependem exclusivamente da motocicleta como meio de transporte. E, consequentemente, tornará o trânsito da cidade de São Paulo, por exemplo, ainda mais caótico do que já é", avalia o presidente da Comissão de Trânsito da OAB-SP, Maurício Januzzi.

QUEM PERDE? QUEM GANHA?
Para estimular a discussão sobre o tema, Infomoto procurou personagens que dependem da carona de moto para realizar suas rotinas diárias. E, claro, também encontramos aqueles que acreditam que a proibição seria uma ação eficaz para reduzir a violência nos grandes centros.

"Só assim eles (motociclistas) vão parar de andar no corredor feito loucos. Penso também que diminuiria muito os assaltos, já que com a garupa fica muito mais fácil roubar", declara Thiago Ramires, proprietário de uma padaria na capital paulista.

Por outro lado, há pessoas como a gerente de drogaria Zenaide de Morais Inácio, que mora em Guarulhos (SP) e depende da carona do marido para ir ao trabalho, que fica na região central da capital. "A apreensão de andar de ônibus me levou a ter taquicardia no fim da viagem e o médico recomendou que eu parasse de utilizar transporte público em horário de pico. Isso por conta do estresse".

Zenaide quase perdeu o emprego devido aos atrasos, problema solucionado pela garupa do marido -- seu itinerário passou de 2h30 diárias para apenas 30 minutos sobre uma Yamaha Fazer 250.

Mais calma atualmente, Zenaide brinca: "Nunca fui assaltada e também nunca assaltei".

A frase, no entanto, revela um fato: os fora-da-lei são minoria entre quem pega garupa nas cidades com mais de um milhão de habitantes. Uma fonte ligada à PM revelou que uma parcela muito pequena da população pratica este tipo de crime. Na opinião de outro policial, também da PM, que preferiu não se identificar, "eles (os bandidos) passariam a assaltar em duas motos".

CONSTITUIÇÃO
Com base nos depoimentos que recebemos, fomos consultar um advogado. Não para analisar a possível redução de crimes, mas sim o que diz a Constituição Brasileira.

Segundo Paula Caeli de Oliveira Ferraz Bernardo, "o projeto de Lei 485/2011 vai contra o direito de ir e vir assegurado pela Constituição Brasileira". Indagada sobre soluções para o problema, a advogada opinou: "Falando como cidadã, acredito que o problema esteja na base, na educação. Um país que investe na educação e disponibiliza emprego e moradia dignos, com certeza terá um índice de criminalidade mais baixo".

Outra entidade que não concorda com o projeto anti-garupa é a Abraciclo (associação que reúne os fabricantes de motocicletas). O diretor executivo Moacyr Alberto Paes acredita que além de desrespeitar o direito de ir e vir, o projeto não é de competência do Estado. "De acordo com a Constituição Federal (Artigo 22, parágrafo XI), decisões relacionadas ao trânsito competem apenas à União, e não ao Estado, o que torna essa lei sem efeito", afirma.

SEM ALTERNATIVA
O diretor da Abraciclo também apresenta um dado interessante. Um levantamento realizado com as fabricantes de motocicletas aponta que mais de 40% dos consumidores adquirem o veículo para substituir o transporte público. Fabianna Almeida, de 29 anos, confirma essa informação.

"Não piloto, mas meu namorado comprou uma moto justamente para fugir do trânsito. E ele me pega no trabalho às vezes, quando não chove". Ela é um exemplo claro de uma pessoa que não ama motocicleta, mas enxerga no veículo uma ferramenta, uma alternativa para "furar" o trânsito carregado dos grandes centros.

Já Camila Susan, moradora de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, não vê outra alternativa senão ir de garupa. "Seriam duas horas pra ir e duas pra voltar do trabalho, sem falar da faculdade". De carona na Honda CG do namorado, Camila leva meia hora, ou seja, um quarto do tempo.

Outro exemplo é dado por Vanessa Decicino, de 24 anos. "Se eu descrever todo meu trajeto vocês não acreditarão". Vanessa mora na Vila Guilherme, Zona Norte de São Paulo, e, entre caminhadas, ônibus e metrôs, ela demoraria pouco mais de duas horas para chegar à Vila Madalena, Zona Oeste, onde trabalha. "Na volta teria que passar por um bairro industrial, onde o risco de assalto é iminente", completa.

FUTURO
Depois de ouvir a opinião pública, advogados e entidades ligadas ao setor de duas rodas, Infomoto acredita ser difícil o governador Geraldo Alckmin sancionar o Projeto de Lei. Portanto, a melhor alternativa continua sendo a seriedade na gestão dos problemas públicos como, por exemplo, a necessidade de uma fiscalização de trânsito mais rigorosa.

"Acho que o governo deveria se preocupar em fazer cumprir as leis já existentes, como também investir mais em um sistema de proteção e investimento na segurança pública", opina a advogada Paula Caeli.

Munido de motivos pessoais e sem enxergar a dimensão do seu Projeto de Lei, o deputado estadual Jooji Hato permanece irredutível e sem prestar a assistência necessária à população. A reportagem tentou contatar o deputado, mas não foi atendida.

Sem uma reposta do autor, terminamos esse texto com outra declaração dada ao Jornal da Globo, em 23 de novembro de 2011. "Acho que um esposo que está bem com a esposa jamais irá levá-la na garupa. Se brigar peça um desquite, um divórcio, mas jamais leve numa garupa de moto", sugere o Hato, que em 2004, quando era vereador da cidade de São Paulo, tentou, sem sucesso, a sua aprovação. Há época, o veto do projeto foi feito pela prefeita Marta Suplicy. (por André Jordão)