A forma mais comum de perceber que alguma coisa não está bem na cavidade bucal é a dor nos dentes e o sangramento nas gengivas ou inchaços, que podem ser o início de uma inflamação.

A diminuição da saliva (xerostomia), conhecida como boca seca, também é outro sinal que demonstra uma alteração na região.

Dor em algum local da boca, ardência na língua e abscessos (bolinhas brancas de pus na gengiva) e sabor desagradável também são uma resposta negativa do organismo para os quais vale prestar atenção e procurar ajuda especializada.

Como falamos, a boca possui sua própria microbiota (conjunto de bactérias) e é preciso manter uma harmonia fisiológica nela. As doenças cardiovasculares estão associadas às periodontais (gengivite, periodontite) , como mostrou um estudo britânico recente.

Há dois tipos de problemas mais comuns que as bactérias bucais podem ocasionar no coração: o mais clássico é a endocardite, uma infecção das válvulas de dentro do músculo cardíaco, em que se forma uma vegetação —isto é, um conjunto de bactérias que "grudam" nas válvulas, que funcionam como portas e separam as cavidades umas das outras, e vão destruindo a estrutura do aparelho valvar.

"Isso leva a uma insuficiência cardíaca do aparelho valvar e permite um refluxo de sangue de uma cavidade a outra. A endocardite é gravíssima, caso de internação, há risco de exigir cirurgia para trocar a válvula que foi destruída pela infecção e até de morte", alerta Marcelo Sampaio, cardiologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

O segundo problema é a formação de placas nas artérias coronárias. As bactérias que circulam pela corrente sanguínea podem chegar até as artérias, que irrigam o músculo do coração, atacá-las e causar uma inflamação. Pacientes com insuficiência cardíaca também podem ter o quadro agravado devido à bacteromia (ataque de bactérias).

"Hoje, estima-se que a vinculação entre alteração bucal e doença cardíaca é de cerca de 45%, então é uma conexão bastante forte e, em última análise, existe uma correlação entre a péssima saúde bucal e infarto". Marcelo Sampaio, cardiologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo

Sim, a boca tem tudo a ver com a pandemia. A começar pela saliva, já que por meio de gotículas contraímos e transmitimos vírus, lembra Vinícius Pedrazzi, professor do Departamento de Materiais Dentários e Prótese da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP. Daí a importância das máscaras para se proteger.

Além disso, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade McGill (Canadá) mostrou que pessoas com periodontite têm 8,8 vezes mais risco de morrer de covid-19; 3,5 vezes mais risco de necessitar de hospitalização; e 4,5 vezes mais risco de precisar de ventilador.

Alguns pacientes com covid-19 têm uma resposta imune com a liberação aumentada de moléculas que promovem um processo inflamatório. Essa resposta inflamatória desregulada também ocorre na doença periodontal e pode causar superestimulação do sistema imunológico, o que poderia agravar a infecção pelo coronavírus.

Outro ponto é o tempo de internação quando, às vezes, a higiene bucal é subestimada. "Se não cuidar vai fazer com que o paciente tenha vários problemas. As bactérias da boca vão ser aspiradas, podendo ir, por exemplo, para o pulmão, causando uma pneumonia que vai gerar um agravo sistêmico", explica Keller de Martini, do CFO.

Pacientes intubados não escovam os dentes, os especialistas utilizam um suctor de saliva —um pequeno aparelho que descontamina a boca e limpa o tubo que fica dentro da cavidade bucal. Em uma ponta, esse suctor tem uma pequena "espuma" na qual passa-se um enxaguante bucal sem álcool, e a outra ponta se encaixa num aparelho para aspirar as bactérias e micro-organismos da boca do internado.

Outra doença que se relaciona com a saúde bucal é o diabetes, principalmente quando não está controlado, pois aumenta o risco e a gravidade da periodontite. Da mesma forma, as doenças periodontais podem interferir no diabetes, agravando a resistência à insulina e afetando o controle glicêmico, como mostrou um estudo de 2017.

"As alterações da defesa imunológica e o aumento da quantidade de células que promovem inflamação no diabetes resultam em maior inflamação periodontal e também contribuem com o mau controle metabólico do diabetes, explicando assim, em parte, a relação bidirecional dessas doenças", diz Nathalia Vilela Souza, dentista especialista em periodontia. No entanto, mais estudos são necessários para esclarecer essa relação.

O estresse crônico também pode contribuir para o desenvolvimento ou a progressão de doenças bucais. Isso acontece porque o corpo é mantido em estado de "luta" para economizar energia e reduz certas funções, como a produção de saliva, que é indispensável para a saúde bucal.

"Ele também pode levar as pessoas a ficarem 'apertando' os dentes e ao bruxismo, que pode resultar em dores musculares e na articulação e, em casos mais graves, fratura dentária", alerta Souza.

E, por fim, o parto prematuro pode ocorrer em mulheres com alto grau de infecções bucais. "Elas ficam com uma gengiva mais vermelha e algumas chegam a sangrar. Se não eliminar esses focos, as bactérias e outros micro-organismos vão também para o feto e podem provocar um parto prematuro", explica Keller de Martini, do CFO (Conselho Federal de Odontologia).

Alguns tratamentos trazem impactos na saúde bucal —sim, ao tratar uma questão pode-se "causar" um novo problema. É o caso de quimioterapia e radioterapia, utilizadas, por exemplo, em pacientes com câncer de cabeça e pescoço.

"A quimioterapia leva a complicações transitórias, que duram algumas semanas. Em contrapartida, os efeitos da radioterapia tendem a persistir por meses ou anos. A combinação de cirurgia com quimiorradioterapia pode exacerbar ainda mais essas complicações", diz Nathalia Vilela Souza, cirurgiã-dentista pela FOUSP.

Principais complicações:

• Na mucosa oral: mucosite e infecções;
• Nos dentes: cáries causadas pela redução de saliva;
• Nos ossos: quimiotoxicidade, necrose do osso causada pela radiação, infecções secundárias e dificuldades na mastigação;
• Nas glândulas salivares: redução da saliva e boca seca;
• Nos músculos e tecido moles: fibrose, dificuldade de engolir ou falar;
• Na ATM: dificuldade de abrir a boca;
• Na língua: alterações no paladar.

Já há dentistas especializados em oncologia que trabalham para mitigar esses problemas em pacientes em tratamento de câncer.

Ao contrário do que muitos pensam, antibióticos não enfraquecem os dentes, mas estudos mostram que crianças que os utilizam na primeira infância possuem um risco mais alto de ter cáries pelo fato de os remédios terem açúcar na composição. O mesmo acontece com alguns xaropes expectorantes.

O açúcar entra para tornar o sabor mais agradável nas versões infantis, por isso uma higienização adequada após o uso é essencial.

Muitos problemas bucais têm alguma relação com a quantidade e, principalmente, com a qualidade da saliva. Conheça as suas principais funções:

A alimentação saudável é importante para a prevenção de várias doenças bucais, sobretudo a cárie. A ingestão exagerada de açúcar, sem uma limpeza adequada posteriormente, é um grave fator de risco para o problema.

O desgaste dental também está relacionado à má alimentação, já que a acidez dos alimentos causa um desequilíbrio químico na cavidade oral, promovendo a desmineralização dentária, ou seja, a perda de cálcio e flúor —e sua "corrosão".

"O que a gente tem que prestar atenção, na verdade, é que existem alimentos que podem ser chamados de ruins para a saúde bucal, mas não podemos tratá-los como vilões. O importante é saber como contornar a ação deles e fazer a prevenção, higienizando corretamente a boca", diz Ana Cecília Aranha, professora associada do Departamento de Dentística da FOUSP (Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo).

O processo é lento e os efeitos nocivos aparecem com o tempo. Ainda vale ressaltar que a alimentação industrializada também não é indicada por sua composição química. A ideia não é proibir, mas, sim, consumir com moderação.

Alimentos que contêm cálcio podem ajudar na remineralização dos dentes. "Alimentos que estimulam a salivação também ajudam a preservar a saúde bucal, porque a saliva tem uma capacidade de neutralizar a acidez oriunda de atividade bacteriana, protegendo naturalmente os dentes contra a cárie", comenta a cirurgiã-dentista Kamila Godoy.