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O que acontece no seu corpo quando você fica bêbado

Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

12/03/2024 04h05

Intoxicação alcoólica aguda. É assim que os médicos definem um episódio de embriaguez, resultado da ingestão de grandes volumes de álcool, o objeto mais antigo e popular do abuso de substâncias.

E não tem jeito. Apesar de a cultura alimentar de muitos países do globo integrar o consumo de bebidas alcoólicas, o que já está consolidado na literatura científica é que não existe dose segura para elas, que estão relacionadas a mais de 200 doenças.

Como se trata de uma substância psicoativa, o álcool favorece a perda da noção da hora de parar, e ainda facilita o aparecimento de uma doença grave na qual o centro da vida passa a ser o embriagar-se, um percurso cheio de recaídas e prejuízos pessoais e a terceiros.

Adolescentes e adultos jovens são mais suscetíveis aos prejuízos do abuso, principal fator de mortalidade entre eles.

Esse grupo também tem maior propensão a acidentes traumáticos pelo uso do álcool.

No Brasil, o consumo abusivo na população de 18 anos ou mais (2023) foi de 22,1% (dados Covitel, 2023).

3 milhões de mortes por ano é o resultado do uso inadequado do álcool no mundo.

As Américas têm maior prevalência de transtornos relacionados em mulheres, e a segunda maior entre homens.

Como seu organismo reage

Quando se consome álcool e especialmente quando se exagera, caracterizando um quadro de intoxicação alcoólica aguda, podem ser observadas alterações em todos os diferentes sistemas do organismo, destacando-se os descritos a seguir:

  • Mudanças na química cerebral
  • Modificações na bioquímica do corpo
  • Alterações cardiológicas
  • Hepatite alcoólica aguda
  • Aumento do risco para acidentes, violência e hospitalização
  • Dependência

Tudo muda na sua cabeça

Como depressor do SNC (sistema nervoso central), alterações fisiológicas e alguns prejuízos são imediatos e, em geral, se manifestam por meio de:

Sensação temporária de relaxamento, euforia;

Desinibição de impulsos básicos (sexualidade e agressividade);

Deficiências cognitivas (redução da atenção, controle, julgamento, concentração, etc.);

Dificuldades psicomotoras (virar uma chave na fechadura, andar, dirigir, escrever);

Alterações no padrão do sono;

Prejuízo da memória e apagões;

Perda das funções básicas: uma overdose pode desacelerar a respiração, o coração, etc. e ainda levar ao coma.

A química se desequilibra

Em quadros mais intensos e dramáticos, podem ocorrer alterações nos níveis de variados marcadores biológicos, ou seja, componentes bioquímicos que indicam alterações no nosso corpo. Confira:

Glicemia (hiperglicemia ou hipoglicemia)

Ácido lácteo (acidose láctea)

Potássio (hipocalemia)

Magnésio (hipomagmesemia),

Albumina sérica (hipoalbuminemia)

O coração dispara, o corpo esfria

Os grandes vilões nesses quadros são os efeitos metabólicos do etanol e acetaldeído, que poderão ser mais evidentes entre pessoas com deficiências nutricionais e níveis aumentados de toxinas pelo corpo. Confira as consequências mais frequentes:

Aumento da frequência cardíaca

Vasodilatação

Hipovolemia (níveis baixos da parte líquida do sangue)

Todas essas alterações, associadas, colaboram para a redução da pressão e à hipotermia (queda da temperatura do corpo).

Outra possível reação cardiológica é a síndrome do coração pós-feriado. O exagero em dias de descanso no Brasil, geralmente se dá por meio do beber em binge (beber grandes quantidades). O resultado é a fibrilação atrial, cujo sintoma mais comum é a palpitação (arritmia cardíaca).

O sistema antitoxinas soa o alarme

Diante do alto volume de substância tóxica, o sistema gastrointestinal que abrange órgãos encarregados de processá-la —como o intestino e o fígado— se defende como pode para se livrar dos seus efeitos.

Náusea, vômito, diarreia, dor abdominal —especialmente entre pessoas com gastrite são sintomas comuns

Uma bebedeira também pode resultar em úlcera péptica, pancreatite induzida por álcool, facilitar disfunções gastroesofágicas e ainda alterar o trabalho gastrointestinal, dificultando o processo digestivo.

O fígado reclama as horas extras trabalhadas

Entre todos os órgãos afetados pela ingestão exagerada do álcool, o fígado é o que mais sofre. A razão para isso é que ele é responsável por 97% do seu metabolismo. O restante é eliminado pelo suor, pela urina e a respiração.

Ele também é o encarregado pela eliminação de toxinas ingeridas ou produzidas pelo organismo. Quando a carga de álcool é muito alta, uma inflamação conhecida como hepatite alcoólica aguda pode aparecer. O quadro é mais comum entre os abusadores crônicos.

As mulheres metabolizam o álcool de forma diferente da dos homens, e ainda possuem mais gordura corporal. Esses fatores, juntos, fazem delas mais suscetíveis a esses danos.

Os custos começam a aparecer

Acidentes com traumas, violência e hospitalização são consequências decorrentes de uma bebedeira e respondem por 46% de redução do potencial de anos de vida de um indivíduo.

Quem exagera só de vez em quando está mais exposto a esse tipo de risco. A razão provável para isso, segundo os especialistas, é a baixa tolerância aos efeitos do álcool.

Intoxicação aguda também tem relação com maior risco para intubação, tempo de internação e mortalidade.

Alguns estudos científicos associam o álcool até à maior gravidade das lesões. Dados publicados no European Journal of Internal Medicine.

A dependência bate à sua porta

Ficar bêbado repetidamente pode levar a uma enfermidade crônica chamada TUA (transtorno do uso do álcool) —conhecida, no passado, como alcoolismo ou dependência do álcool.

O maior desafio dessa enfermidade é que, na maioria das vezes, a intervenção médica nunca é precoce e, em geral, ela só acontece em decorrência de algum problema de saúde, do envolvimento em acidentes ou problemas legais.

O checklist da intoxicação

Imagem: iStock

Uma pessoa pode ser considerada embriagada quando estão presentes as seguintes condições:

Consumo recente de bebidas alcoólicas.

Alterações comportamentais e psicológicas durante ou imediatamente após esse consumo, caracterizadas pela liberação de comportamentos mais instintivos, como a sexualidade e a agressividade, alterações de humor, redução da capacidade de julgamento e de interação social.

Alterações na fala, falta de coordenação, perda do equilíbrio, entre outros, e até o coma, são outros sintomas possíveis.

A maior ou menor intensidade dessas manifestações dependerá de variados fatores:

Volume de bebida alcoólica ingerida e sua concentração na circulação sanguínea, em geral, acima de 0,08 g/dL, o equivalente a 4 doses para mulheres e 5 doses para homens

Teor alcoólico

Peso corporal

Tolerância (mulheres sofrem mais com a molécula que homens, embora estes representem o maior número de bebedores problemáticos)

Entenda o que é bebida alcoólica

O álcool etílico é um ingrediente encontrado na cerveja, no vinho, licores e outros tipos de bebidas disponíveis no mercado.

Trata-se de um produto da fermentação por leveduras, açúcar e amido que é considerado tóxico para todos os órgãos do nosso organismo, e está relacionado a mais de 200 enfermidades.

Definido como uma substância psicoativa, isto é, trata-se de um depressor do sistema nervoso central, o álcool é rapidamente absorvido pelo estômago e pelo intestino por meio da corrente sanguínea. A sua metabolização se dá no fígado —que tem capacidade moderada de "processar" grandes quantidades da bebida.

Cada dose padrão de bebida alcoólica contém o equivalente a 10 g/14 g de álcool puro, o que corresponde a: 1 copo de cerveja (255 ml); 1 taça de vinho (100 ml); 1 dose de destilado (30 ml).

Ficar bêbado, dose a dose

As consequências nocivas do mau uso da substância podem ocorrer a curto e longo prazos. As situações a seguir descritas consideram indivíduos com tolerância normal à bebida.

Pessoas que, naturalmente, têm maior tolerância, precisarão de doses cada vez maiores para terem o mesmo efeito. Confira:

1 ou 2 unidades de álcool - aumento da frequência cardíaca, dilatação dos vasos sanguíneos e aquela leve sensação de relaxamento, euforia e prazer.

4 a 6 unidades - cérebro e SNC são afetados. A capacidade de julgamento e de tomar decisões fica reduzida, e a pessoa se torna mais imprudente e desinibida. Reflexos e coordenação sofrem alterações.

8 a 10 unidades - a perda de reflexos piora, a fala fica arrastada e a visão é alterada; o fígado perde a capacidade de metabolizar o álcool, aumentando as chances de ressaca.

10 a 12 unidades - todos os sintomas descritos serão ainda mais fortes e haverá sonolência, o que aumenta o risco para acidentes. Níveis tóxicos do álcool levam à desidratação e à ressaca. Com sobrecarga para o sistema digestivo, náuseas e vômitos aparecem.

Mais de 12 unidades - Letargia profunda, inconsciência, estado de sedação, parada respiratória, coma.

Saiba identificar o abuso

Abusar do álcool geralmente decorre de padrões comportamentais como os descritos a seguir:

Beber em binge ou beber pesado episódico - trata-se de um padrão que tem sido cada vez mais comum, especialmente entre os jovens e se caracteriza pelo beber 5 ou mais doses de bebidas alcoólicas (homens) e 4 ou mais doses (mulheres), em uma mesma ocasião e no período de 2 horas.

Beber pesado - no grupo masculino representa a ingestão de 15 doses ou mais por semana; entre as mulheres a quantidade é de 8 porções por semana.

Quando procurar ajuda

O melhor momento é antes que os prejuízos comecem a aparecer. Isso significa que ao notar que seu hábito de beber extrapola os limites de segurança, já é hora de procurar uma avaliação médica.

Beber meia garrafa de vinho sozinho, todos os dias, já merece atenção. A prática é considerada sinal de alerta de que algo precisa ser feito antes do aparecimento de problemas de saúde mental e comportamentais relacionados ao álcool.

Se você deseja prevenir ou reduzir os efeitos do consumo de bebidas alcoólicas, adote as seguintes medidas:

Conte quantas doses consome a cada semana e vá reduzindo gradualmente, até conseguir não exceder os limites que representam menor risco para a sua saúde e a vida de terceiros.

Quando estiver bebendo, beba mais devagar.

Tome água enquanto bebe.

Para cada dose de bebida alcoólica, tome outra sem álcool.

Coma antes e durante o consumo.

Onde procurar ajuda

Toda a rede do SUS (Sistema Único de Saúde), por meio dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) e das UBSs (Unidades Básicas de Saúde), oferece atendimento para enfermidades relacionadas à saúde mental e, em São Paulo, existe área especializada em Álcool e Drogas (Caps AD).

A Prefeitura de São Paulo esclarece que a política de atendimento é promover o acesso aos serviços de suas unidades, por isso, não é necessário agendamento prévio, nem encaminhamento.

Encontre o Caps AD mais próximo de sua residência (em São Paulo)

O grupo de apoio AA (Alcoólicos Anônimos) tem promovido encontros online. Para participar, basta entrar na seção Sala de Reuniões do site.

Fontes: Felipe Antonio Rischini, médico clínico geral do HC-Bauru/USP (Hospital das Clínicas de Bauru da Universidade de São Paulo), com titulação em medicina de emergência pela Abramede (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica); Guilherme Messas, médico psiquiatra, professor livre docente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e membro da rede ACT Promoção da Saúde; Saul Velloso Schnitman, médico neurologista do Hupes-UFBA (Hospital Universitário Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), professor na Escola Brasil Medicina; Ministério da Saúde; ACT Promoção da Saúde; e CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool). Revisão médica: Guilherme Messas.

Referências:

LaHood AJ, Kok SJ. Ethanol Toxicity. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK557381/
Tetrault JM. Risky drinking and alcohol use disorder: Epidemiology, clinical features, adverse consequences, screening, and assessment. Disponível em https://medilib.ir/uptodate/show/7809

Vonghia L, Leggio L, Ferrulli A, Bertini M, Gasbarrini G, Addolorato G; Alcoholism Treatment Study Group. Acute alcohol intoxication. Eur J Intern Med. Disponível em
https://bit.ly/3V8QEFy

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