Quando humanos perderam caudas? Cientistas investigam mutação genética

A perda da cauda é uma das principais mudanças anatômicas evolutivas ao longo da linhagem que levou aos seres humanos e aos símios antropomórficos, tendo desempenhado um papel fundamental no bipedalismo humano.

Como e quando os seres humanos perderam as caudas? O modo como essa importante perda ocorreu está começando a ser decifrado. Uma equipe de cientistas americanos acaba de identificar a mutação genética que pode ter eliminado as caudas da linhagem que deu origem aos hominídeos (nossos ancestrais) e aos macacos: a mutação de um gene que ocorreu em um único indivíduo há cerca de 20 milhões de anos.

Com e sem caudas

A evolução das espécies de primatas as divide em hominoides, um grupo que inclui gorilas, chimpanzés e humanos, e não hominoides, que têm cauda e são parentes mais distantes dos seres humanos.

A perda da cauda é uma das principais mudanças anatômicas evolutivas ao longo da linhagem que levou aos seres humanos e aos símios antropomórficos. Ela desempenhou um papel fundamental no bipedalismo humano, cujo surgimento evolutivo coincidiu com a perda da cauda.

Os primatas evoluíram de uma linhagem de eutérios arbóreos, insetívoros e relativamente pequenos. O fato de agarrar os membros com dedos opositores é uma das principais adaptações à vida arbórea que distingue os primatas de outros mamíferos. Os primatas passaram por uma grande diferenciação evolutiva durante o Terciário
Os primatas evoluíram de uma linhagem de eutérios arbóreos, insetívoros e relativamente pequenos. O fato de agarrar os membros com dedos opositores é uma das principais adaptações à vida arbórea que distingue os primatas de outros mamíferos. Os primatas passaram por uma grande diferenciação evolutiva durante o Terciário Imagem: Manuel Peinado

Por cerca de meio bilhão de anos, nossos ancestrais ostentaram uma cauda. Como os peixes, eles a usaram para nadar pelos mares do Período Cambriano. Muito mais tarde, quando evoluíram para primatas, as caudas os ajudaram a manter o equilíbrio enquanto pulavam de galho em galho pelas selvas do Eoceno. Porém, há cerca de 25 milhões de anos, as caudas desapareceram.

Darwin associou o cóccix a uma cauda rudimentar

Charles Darwin foi o primeiro a reconhecer essa mudança em nossa anatomia ancestral, quando surpreendeu seus leitores vitorianos ao afirmar que descendíamos de primatas caudados. Darwin observou que, embora os seres humanos, gorilas e chimpanzés não tenham uma cauda visível, eles compartilham um pequeno conjunto de vértebras que se estende além da pélvis. Essa estrutura, conhecida como cóccix, é o osso próprio dos vertebrados sem cauda, formado pela união das últimas vértebras e articulado em sua base com o sacro. "Não posso duvidar de que se trata de uma cauda rudimentar", escreveu ele em A Origem das Espécies.

Essa dramática mudança anatômica teve um impacto profundo em nossa evolução. Os músculos da cauda de nossos ancestrais evoluíram para uma almofada muscular na pélvis. Quando os ancestrais humanos se levantaram e andaram sobre duas pernas há alguns milhões de anos, esse leito muscular estava pronto para suportar o peso dos órgãos eretos da caminhada bípede.

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Desde que Darwin publicou A Origem das Espécies, os paleoantropólogos encontraram fósseis que lançam alguma luz sobre essa transformação.

Os Purgatorius, gênero de quatro espécies extintas consideradas os primatas mais antigos, que datam de 66 milhões de anos atrás, tinham caudas completas que provavelmente usavam para manter o equilíbrio nas árvores. Atualmente, a maioria dos primatas vivos, como os lêmures e quase todos os macacos, ainda tem cauda. Mas quando os símios apareceram pela primeira vez no registro fóssil, há cerca de 20 milhões de anos, eles já tinham caudas.

Mais de 30 genes envolvidos

Um novo estudo publicado na revista Nature explica como essa perda ocorreu. Seus autores identificaram a mutação genética que pode ter eliminado as caudas da linhagem que deu origem aos hominídeos e aos símios antropomórficos.

Para entender como os símios e os humanos perderam suas caudas, os pesquisadores observaram como as caudas se formam em outros animais. Nos estágios iniciais do desenvolvimento embrionário, são ativados genes que servem como um manual de instruções para que diferentes partes da coluna vertebral se diferenciem em unidades reconhecíveis, como o pescoço e a região lombar. Na outra extremidade do embrião, surge um primórdio caudal, no qual se desenvolve uma cadeia especial de vértebras, músculos e nervos.

Os pesquisadores identificaram mais de 30 genes envolvidos no desenvolvimento da cauda em várias espécies, desde o longo apêndice de uma iguana até o coto semelhante ao do lince de um gato manx. Todos esses genes também estão ativos em outras partes do embrião em desenvolvimento.

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A mutação no gene TBXT

A hipótese inicial do novo estudo foi que nossos ancestrais perderam suas caudas quando mutações alteraram um ou mais desses genes. Para procurá-las, eles compararam o DNA de seis espécies de símios com nove espécies de macacos caudados. Por fim, descobriram uma mutação compartilhada por símios e humanos (mas ausente nos macacos com cauda) no gene TBXT.

O TBXT foi um dos primeiros genes descobertos pelos cientistas, há um século. Em 1923, a geneticista russa Nadezhda Dobrovolskaya-Zavadskaya irradiou camundongos machos com raios X e depois permitiu que eles se reproduzissem. Ela descobriu que alguns deles haviam sofrido uma mutação que fazia com que alguns de seus descendentes tivessem caudas torcidas ou mais curtas. Outros experimentos mostraram que a mutação estava no gene TBXT.

A mutação relatada no artigo da Nature é causada por um trecho móvel de DNA, o retrotransposon AluY, que consiste em 300 letras genéticas inseridas em um intron, um trecho de DNA não codificante no gene TBXT. Esse trecho de DNA, que é praticamente idêntico em humanos e símios, está inserido exatamente no mesmo local em seus respectivos genomas.

Estudo com camundongos

Para testar a hipótese de que a mutação estava envolvida no desaparecimento da cauda, os pesquisadores fizeram a engenharia genética de camundongos para inserir a mutação TBXT que os humanos carregam. Muitos dos animais não desenvolveram caudas. Outros desenvolveram apenas um cotoco.

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A nova pesquisa sugere que a mutação afetou aleatoriamente um símio há cerca de 20 milhões de anos, fazendo com que ele desenvolvesse um cotoco em vez de uma cauda, ou talvez nenhuma. Ainda assim, de forma contraintuitiva, o animal sem cauda sobreviveu e até mesmo prosperou, passando a mutação para seus descendentes. Com o tempo, a forma mutante da TBXT tornou-se a norma nos símios e nos seres humanos atuais.

Os cientistas argumentam que a mutação TBXT não é a única razão pela qual desenvolvemos um cóccix em vez de uma cauda porque, embora os camundongos com os quais eles fizeram experimentos tenham produzido vários tipos de caudas modificadas, o cóccix de todos os seres humanos é quase sempre idêntico. Portanto, deve haver outros genes que sofreram mutação posteriormente para ajudar a produzir uma anatomia uniforme entre os hominídeos.

A vida sem cauda é mais difícil

Embora os geneticistas estejam começando a explicar como a cauda desapareceu, a razão pela qual esse evento ocorreu ainda permanece um enigma intrigante.

Como os primeiros símios eram maiores do que os macacos, seu tamanho teria provocado maior queda dos galhos, e seria mais provável que as quedas fossem fatais. Portanto, é difícil explicar por que os símios que não tinham uma cauda para ajudá-los a manter o equilíbrio não sofreram uma desvantagem evolutiva significativa.

Perder a cauda também pode ter trazido outros perigos, pois os pesquisadores descobriram que a mutação TBXT não apenas encurta a cauda, mas às vezes causa defeitos na medula espinhal. E, no entanto, de alguma forma, perder a cauda acabou se tornando uma grande vantagem evolutiva.

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E essa é a próxima questão levantada por esta nova descoberta: qual foi a vantagem?The Conversation

*Manuel Peinado Lorca, professor emérito. Diretor do Real Jardim Botânico da Universidade de Alcalá.

Esse artigo é republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o original aqui.

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