'Dating déjá-vu': por que escolhemos sempre mesmo tipo de parceiro amoroso?

Você continua a sair com pessoas com as mesmas características e personalidade, mesmo depois de várias experiências malsucedidas? Pois saiba que existe um termo para definir essa situação: "dating déjà-vu".

A resposta de o porquê algumas pessoas costumam repetir padrões de relacionamento pode estar no instinto da familiaridade. A maneira como abordamos o amor na vida adulta é extremamente moldada pela forma como experimentamos o amor quando crianças.

Ana Suy, psicanalista e professora da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), explica que, com frequência, repetimos bons ou maus relacionamentos que tivemos com os nossos pais e cuidadores, mesmo em uma idade supostamente "madura".

"Alguns se fixam mais nesses moldes, outros têm mais recursos para se desprender da fixação nos primeiros amores. Mas amar tem sempre algo de nos convocar ao infantil", diz ela. Segundo a psicanalista, não é por acaso que os apaixonados se tratam por apelidos, por vezes infantis.

"Amar se aproxima muito de cuidar. Então, num relacionamento saudável, ora cuidamos, ora somos cuidados. Mas a gangorra pode pender mais para lá ou para cá, a depender do histórico de cada um e dos efeitos que promovem os encontros", diz ela, que também é autora do livro "A gente Mira no Amor e Acerta na Solidão" (Paidós).

Ou seja, a escolha de nos aproximar de alguém de quem gostamos não se deve apenas a critérios racionais, que possam ser descritos facilmente pela consciência.

"É comum, por exemplo, que uma moça que teve um pai ausente sempre se relacione com homens que a abandonam", conta Livia Castelo Branco, psiquiatra da clínica Holiste, de Salvador (BA).

A especialista afirma que nossas atrações são baseadas tanto nas figuras com as quais nos identificamos na infância quanto nas experiências que observamos ao nosso redor. "É por isso que uma pessoa criada em um ambiente violento pode ter dificuldade de entender que o amor pode ser pacífico, e sem querer criar condições para um relacionamento instável", completa.

Natalia Orti, psicóloga e professora na The School of Life, destaca que as características pelas quais nos encantamos no outro não são necessariamente positivas, admiráveis, boas ou saudáveis. "Claro que buscamos intencionalmente atributos que julgamos que sejam bons para a parceria amorosa de acordo com decisões racionais, entretanto é inegável que há uma influência de uma espécie de roteiro com critérios baseados em familiaridade", diz.

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Também temos uma tendência bastante comum de buscar completude por meio dos relacionamentos. Segundo ela, acreditamos, pelo viés do romantismo, que o outro com o qual nos relacionamos deve nos completar, nos suprir, nos bastar.

"Isso influencia desde o encantamento e atração por pessoas com características bastante diferentes ou opostas em termos de comportamento ou personalidade, chegando até a expectativa de que dentro da vivência do relacionamento uma única pessoa deverá suprir todas as nossas necessidades, amenizar nossas faltas, completar nossa existência", diz Orti.

Segundo ela, sob essa perspectiva, podemos repetir escolhas amorosas baseadas em nossas interpretações de como o outro nos completaria em diversos sentidos possíveis.

Como quebrar o padrão

Quando é uma boa maneira de se relacionar que se repete, isso não é problemático. Pode acontecer, no entanto, de a pessoa sempre entrar em relacionamentos tóxicos. O que fazer então para quebrar esse looping e ser capaz de fazer escolhas diferentes?

Segundo Elídio Almeida, psicólogo formado pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e especialista em terapia de casal e relacionamentos, o primeiro passo consiste em refletir sobre as experiências passadas e entender o padrão comportamental e as escolhas feitas até o presente momento.

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"Revisitar nossa trajetória de vida e os relacionamentos vivenciados pode ajudar as pessoas que se encaixam no conceito de 'dating déjà-vu' a perceber que estão presas em um ciclo repetitivo de relacionamentos, frequentemente prejudiciais. Essa tomada de consciência pode ser o gatilho necessário para compreender que algo não está funcionando corretamente e que esse processo é limitante, gerador de angústia e sofrimento", diz Almeida.

A partir desse ponto, buscar a causa subjacente desse comportamento ou desenvolver habilidades para encontrar alternativas mais saudáveis se torna fundamental. A ajuda profissional pode desempenhar um papel relevante na identificação e melhoria desses aspectos.

"Sem esse apoio, uma pessoa pode passar anos de sua vida perseguindo um perfil idealizado ou se envolvendo em relacionamentos prejudiciais, presa a padrões condicionados que talvez nem ela mesma identifique e compreenda", explica Almeida.

Além de investir em autoconhecimento, Orti ressalta que é preciso desmistificar crenças romantizadas e utópicas sobre o amor. "É crucial compreender e ressignificar como aprendemos na história pessoal e também na cultura que os traços tóxicos vinham acompanhados de cuidado, afeto e amor, ou sobre como somos ensinados de que esses comportamentos devem ser tolerados em nome do amor, e que isso gera uma confusão de sentimentos e uma dinâmica não saudável", afirma.

Esse caminho não é o bastante quando se trata de relacionamentos abusivos —que podem ser baseados em violência emocional, verbal, física, sexual ou financeira—, o que traz consequências ainda mais graves. Nesses casos, a complexidade da dinâmica afetiva e os problemas culturais tornam o processo de mudança ainda mais delicado, e por isso é importante reconhecer o fato para que se possa sair desse ciclo. Para isso, eduque-se sobre os diferentes tipos de abuso e esteja ciente dos sinais.

Antes de qualquer mudança, procure apoio com amigos ou familiares e, sempre que possível, conte com um psicoterapeuta especializado e de confiança. Tal medida é importante tanto pelo suporte emocional quanto para planejamento da segurança da pessoa envolvida e desenvolvimento de um plano de saída da relação.

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"Em alguns casos, é necessário tentar documentar as situações abusivas e estar ciente dos recursos e dispositivos legais existentes. É preciso ainda estar preparado para as resistências do parceiro, seja através de promessas, gestos intensos de amor e arrependimento, ameaças, entre outros. Lembre-se de que sair de um relacionamento abusivo é um processo gradual e pode ser emocionalmente desafiador", diz Orti.

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