Ela tem síndrome e fala palavrão sem querer: 'Pedem calma, mas estou calma'

A oficial administrativa Aline Giorlando, de 38 anos, cresceu sofrendo bullying e ouvindo que era esquisita. Ela piscava os olhos com mais frequência do que seus amigos e emitia sons involuntários, como palavrões. Sem saber que existia um diagnóstico para isso, certo dia ela se deparou com uma reportagem sobre a síndrome de Tourette — e só então descobriu o que tinha. Ao VivaBem, ela conta sua história.

'Ouvia que era esquisita'

"Tenho isso desde criança. Muita gente falava: 'Nossa, você é esquisita, você pisca muito'. Faziam brincadeiras, falavam que quando eu me apaixonasse não pararia de piscar. E nunca entendia por que as pessoas falavam isso.

Não é uma coisa que eu notava — até hoje, na verdade, eu não noto. As pessoas falavam para eu parar com isso, como se fosse uma coisa que eu controlasse.

Quando estou mais estressada, os tiques se intensificam. Um tique muito impulsivo que tenho é o de tocar o nariz. Não é bater, é dar um toquinho. Coloquei até um piercing para 'acertar o alvo' e tocar nele, porque sempre me machucava.

Cresci com muito bullying e muita gente falando desde coisas mais leves — mas ainda muito chatas — até mais pesadas, grotescas mesmo.

'Fiquei em choque'

Quando criança, nem lembro exatamente a série em que estava, o pessoal ficava me chamando de louquinha. Ou eu chorava ou brigava. Minha mãe falava que, se me incomodasse, tinha de falar com a professora.

Então eu falei para ela: 'Professora, as crianças estão me chamando de louquinha'. Ela virou e me respondeu: 'Piscando desse jeito você parece uma doida mesmo, uma louca'.

Eu fiquei em choque na hora, porque as outras crianças ouviram e deram risada. A terra me engoliu naquele momento, nem lembro o que aconteceu depois, foi como se eu me fechasse.

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Aline sofreu bullying na infância
Aline sofreu bullying na infância Imagem: Arquivo Pessoal

Lembro de pensar que fui procurar ajuda em uma pessoa adulta e ela fez isso. Aquilo foi quase uma autorização para que continuassem com o bullying. Eu não sabia entender aquele sentimento.

Mais tarde, já adulta, participei de um processo seletivo para um emprego que tinha de lidar com o público. Fizemos dinâmica de grupo, entrevista, prova. E eles iam eliminando um por um, na hora.

O entrevistador falou para mim: 'Você é muito boa, mas com esses tiques nervosos não dá'. Ele me pedia calma, mas eu estava calma.

Naquela época, eu ainda não tinha um diagnóstico — nem sabia que o que tinha era uma síndrome. Se soubesse, teria falado na hora para o recrutador.

'Diagnóstico foi divisor de águas'

Eu até jogava no Google: 'O que significa piscar muito', mas nunca encontrei nada. Aos 31 anos, estava procurando uma matéria sobre saúde na internet, e me deparei com a foto de uma menina piscando de forma parecida comigo, alternando os olhos. E estava escrito: síndrome de Tourette.

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Li a matéria, pesquisei mais sobre o assunto e conversei com o psiquiatra que me acompanhava na época. Ele ficou surpreso e disse que achava que eu já sabia que tinha essa síndrome, porque lidava de forma muito natural com os tiques.

Lendo mais, descobri um filme chamado 'O Primeiro da Classe', que conta a história de um homem com a síndrome de Tourette. Ele me emocionou muito e só consegui assistir uma vez. Quando estou muito nervosa, fico mais ou menos daquele jeito.

Também não consigo assistir aos vídeos do youtuber Dilera [que tem Tourette e fala sobre o tema], porque é um gatilho que desencadeia meus tiques.

O diagnóstico foi um divisor de águas na minha vida, me ajudou a explicar para as pessoas. Ainda assim, algumas pessoas não entendem como eu não controlo. Falar que 'é meu jeito' parece que foi uma mania adquirida. E não é assim.

Meus tiques são muito mais perceptíveis visualmente, mas também tenho o sonoro. Ele é bem baixinho e acompanha a piscada. Faço um barulhinho, uma coisa no fundo da garganta, que muita gente nem percebe.

Só que a gente perde o filtro. É aquela coisa: se eu sei que não posso falar um palavrão, meu cérebro entende como um desafio. Quanto mais você reprime, é pior, porque sai mais alto.

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Filha também tem a síndrome

Não existe cura ou remédio para meu diagnóstico. Na época que descobri a síndrome de Tourette, estava tratando depressão. Eu tenho autismo em nível de suporte 1 [com baixa necessidade de apoio], TDAH [transtorno do déficit de atenção com hiperatividade] e Tourette.

O psiquiatra me passou um calmante para ajudar a controlar a ansiedade e evitar me machucar. O que ajuda mesmo é manter a calma, evitar estresse desnecessário. A indicação é meditar, escutar músicas e evitar os gatilhos.

Minha filha também tem Tourette e sempre deixei muito claro o diagnóstico. Agora ela está com um tique de mostrar o dedo do meio e me contou de uma situação que passou na escola.

Ela explicou para a coleguinha que faz barulhos e movimentos sem querer, e que a menina entendeu. Quero que minha filha se sinta confortável para falar dessas questões."

O que é a síndrome de Tourette

Síndrome de Tourette é um distúrbio neuropsiquiátrico, geralmente diagnosticado na infância.

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Os tiques físicos e sonoros variam de pessoa para pessoa e podem mudar ao longo da vida. Em geral, eles ocorrem em ondas, com frequência e intensidade variáveis.

Os tiques pioram com o estresse e podem estar associados a sintomas obsessivo-compulsivos (TOC), ao distúrbio de atenção com hiperatividade (TDAH) e a transtornos de aprendizagem.

A síndrome não traz prejuízos físicos à saúde humana, apesar de poder afetar psicologicamente os pacientes.

As causas não são totalmente conhecidas. Pesquisas científicas sugerem a existência de componentes genéticos e de anomalias em neurotransmissores cerebrais, principalmente na dopamina.

Ainda não existe cura, mas há uma série de tratamentos medicamentosos que controlam o distúrbio, aliado com terapias comportamentais e psiquiátricas.

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