Ele precisou trocar a válvula do coração: 'Foi um atropelamento assistido'
Ele soube há 20 anos que um dia iria operar o coração. E então esse dia chegou. O fotógrafo e jornalista Emiliano Capozoli, 38, finalmente ouviu dos médicos que era hora de fazer a cirurgia. Uma das quatro válvulas do coração já não funcionava como esperado.
Nesse período todo, Emiliano acompanhou a evolução da doença. Ao longo dos anos, ouviu médicos que indicavam cirurgia imediatamente, outros diziam que podia esperar. Foi fazendo um ecocardiograma de rotina no Incor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas de SP que o paciente recebeu a notícia da cirurgia, que agora passava a ser urgente.
"Tudo que eu queria era que esse dia nunca chegasse. Era final de tarde do dia 4 de abril 2023 quando passei a fazer parte dos 17 mil pacientes que são atendidos mensalmente no Incor em São Paulo. Dei entrada pela porta do pronto-socorro do e fui conduzido para a enfermaria.
A operação do coração que sempre quis adiar, já estava em andamento. Eu iria trocar a válvula aórtica. O que eu imaginava como um procedimento simples, só colocando um 'caninho', era uma cirurgia de grande porte com os médicos abrindo meu coração. O médico definiu: será 'um atropelamento assistido'.
O coração é um músculo que tem como função fazer o sangue circular pelo corpo. A direção e o ritmo desse sangue são controlados por um conjunto de quatro válvulas: pulmonar, tricúspide, mitral e aórtica.
Quando o coração bate, a válvula aórtica se abre e permite que o sangue circule; em seguida ela se fecha, evitando que o sangue volte. A minha não fechava direito, precisava trocá-la. Os médicos iriam fazer dali dois dias.
Aula de natação
Foi em uma aula de natação há 20 anos que descobri que minha pressão arterial estava alta demais. Meu colega de piscina, um médico, me sugeriu visitar um cardiologista.
O médico pediu um ecocardiograma, exame de imagem que analisa o músculo cardíaco e suas válvulas. O primeiro dos inúmeros que já fiz.
Em 2007, me mudei para a França. Foi em Paris que soube da necessidade da cirurgia cardíaca. O susto foi tanto que a cidade luz se escureceu. O 'monsieur cardiologue' tentou me tranquilizar dizendo que a cirurgia poderia demorar.
Desde então comecei a trabalhar minha mente para o dia da operação, que parecia inevitável. Aprendi que o momento exato é uma combinação da gravidade dos sintomas da insuficiência cardíaca e o risco do procedimento.
Pelo fato de saber sobre o procedimento há anos, a expressão 'operar o coração' já era comum para mim. Foi assim que comecei a sentir seus batimentos diferentes quando trabalhava mais intensamente no sítio onde moro na Serra da Mantiqueira. Era um aviso dizendo que o dia não tardava a chegar.
Dia seguinte, manhã de exames e tarde de visitas que me trouxeram conforto, beijos, guloseimas e risadas. Ninguém queria pensar na cirurgia do coração.
Quinta-feira, 6 de abril, 5h30 da manhã. Uma simpática enfermeira com cabelos vermelhos me entrega um sabonete antibactericida para meu último banho de válvula antiga.
Minutos depois, estou pronto, na maca. Inicio um processo de respiração e concentração. No caminho para o centro cirúrgico, só enxergo o teto como uma cena de cinema.
Um corredor, um elevador, outro corredor. Última porta. Só eu entro agora. Parecia um estacionamento de macas. Uma fila por uma operação do coração. Por mês, 400 cirurgias são feitas no hospital. Entre elas, 60 são de troca ou reparo de válvula cardíaca.
Os pacientes são chamados pelos números das salas. Sala 08, 07, 04, até que chegou a sala 12. Era eu. A sala estava gelada. Eu enxergava somente os holofotes ainda desligados e uma bolsa de soro. Um jovem médico explica alguma coisa, sinto meu braço adormecer e apago.
Coração reformado
Fim de tarde, minha garganta aperta, não consigo mexer meus braços, me sinto preso. Começo a acordar de um mergulho profundo. Não sei onde estou. Ao meu lado, alguém pergunta alguma coisa. A equipe precisa ter certeza que já estou consciente o suficiente para poder me desintubar.
A cirurgia de troca de válvula é uma operação extremamente invasiva. Estremeço só em pensar. Serraram meu tórax, cortaram meu coração, trocaram a válvula e recosturaram tudo de novo, tudo em 4 horas. Existem dois tipos de válvulas em uso pela medicina: a mecânica e a biológica. Junto com os médicos, optamos pela biológica.
De volta ao mundo dos vivos, acordei na UTI e fiquei mais três dias por ali. Com os olhos fechados a maior parte do tempo e completamente chapado pelos efeitos da anestesia, meus ouvidos trabalhavam como nunca.
Ouvi histórias de compra e venda de apartamentos em Alphaville, enfermeiro que fazia plantão no Samu de Osasco, amigo que tomava injeção de anabolizante na bunda.
Quarto dia, recebi alta do leito 4007 da UTI e, de cadeira de rodas, fui levado para o quarto 6030 no sexto andar com os olhos cheios de água. Aqueles corredores do Incor pareciam mais iluminados do que nunca. Tive vontade de abraçar todo mundo.
Meu coração reformado era mais sensível com o efeito da anestesia. Qualquer coisa me faria chorar, programas de TV sobre animais selvagens, novelas, e até meu primeiro banho depois da operação.
Com ajuda da minha companheira Fernanda, enfrentei minha primeira ducha de válvula nova. De banho tomado e na poltrona, tratei de aproveitar o sol da janela.
A anestesia ainda correria pelas minhas veias por mais algumas semanas e afetava meus sonhos. Fiquei noites a fio trabalhando e organizando detalhes do meu sítio. Acordava cansado. A médica me explicou que isso era normal. O organismo estava se reorganizando. Uma parte dele trabalhava para a recuperação e a outra ainda estava entendendo o que tinha acontecido.
Mais cinco dias de hospital até a hora que a médica Ana Neri, cardiologista, assina minha alta. Em poucas horas já estou em casa, um apartamento na Consolação, região central da capital paulista.
Apenas por duas horas o sol passa entre os arranha-céus e ilumina o gramado do jardim. Corro para fazer minha fisioterapia. Sinto meu pulmão limitado, apertado. Não consigo respirar fundo que me dói um pouco em todo lugar. Eu tinha sido 'atropelado'.
Hoje, pouco mais de 90 dias da cirurgia, sinto que esse caminhão que passou por mim já se distanciou, já fui socorrido, passo bem.
No entanto, quando penso em fazer exercícios mais pesados, meu corpo me pede para não exagerar. Sinto que meu coração já bate mais do que apanha. Estamos mais amigos do que nunca."
O que é insuficiência aórtica?
O coração é um músculo que bombeia sangue para todo o corpo. Ele tem 4 válvulas diferentes (aórtica, mitral, pulmonar e tricúspide). A insuficiência aórtica é a má formação da válvula aórtica impedindo seu fechamento completo.?
Baseado em exames de imagens, como o ecocardiograma, os médicos avaliam se existe alteração no trabalho do coração e se é o caso de indicação cirúrgica.?
São dois os tipos de válvulas que existem: biológica e mecânica.
As mecânicas duram mais, porém o paciente precisará tomar anticoagulante para o resto da vida.
As biológicas têm uma validade média de 20 anos, mas ainda não há estudos suficientes para precisar o prazo dela. A vantagem é que podem receber, no futuro, a TAVI, uma outra válvula via cateterismo.
Os principais sintomas de uma insuficiência aórtica são cansaço, falta de ar e dor no peito.
Depois de feita a cirurgia de troca de válvula, se o coração não tiver outro comprometimento, os sintomas desaparecem. Se não tratada, o paciente fica mais fraco, o coração dilata e pode até levar à morte.?
Fonte: Ana Neri Pereira, cardiologista do Incor (Instituto do Coração) em São Paulo.
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